6x1 não
FIM DA ESCALA 6X1: DESMASCARANDO OS ARGUMENTOS DA DIREITA vídeo
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Escala de trabalho 6x1 é especialmente cruel em restaurantes e bares
Marcos Nogueira, fsp, 15/11/2024
Redução da jornada, em debate no Congresso e nas redes sociais, é
chamada de estapafúrdia por representante patronal
Já aconteceu comigo e deve ter acontecido com você também: a gente quer
ou precisa jantar fora numa segunda-feira e não encontra um diacho de um
restaurante aberto.
A razão disso é a tal da escala de trabalho 6x1, cuja extinção é
discutida no Congresso, com um elemento extra de perversidade para funcionários
de bares e restaurantes.
Como o filé do movimento é aos sábados e domingos, segunda-feira é o dia
que costuma sobrar para essa galera tirar folga.
Quando o debate sobre o fim do esquema 6x1 ganhou corpo, representantes
patronais se apressaram em defender sua manutenção. A declaração mais enfática
veio da Abrasel, Associação Brasileira de Bares e Restaurantes.
"Não vejo chance de uma ideia estapafúrdia dessas prosperar",
disse Paulo Solmucci Júnior, presidente-executivo da entidade.
Como as redes não perdoam, a resposta veio em forma de fotos de capas
antigas de jornal –que previam colapso econômico decorrente da Lei Áurea e da
adoção do 13º salário no Brasil.
E tome um argumento cínico para justificar o regime brutal: é a vida que
esses trabalhadores escolheram. A rotina em bares e restaurantes é sabidamente
pesada.
Cozinhas são quentes e apertadas. Cozinheiros e garçons trabalham em pé
o dia todo. Há risco real de queimaduras, quedas e acidentes com facas.
A tal jornada de 44 horas quase sempre fica na ficção, pois há buracos a
preencher e abacaxis a descascar. E ainda temos o assédio moral –corriqueiro
nesses ambientes.
Esta é uma vida que ninguém escolhe ter. É a vida que muita gente tolera
na esperança de mudar para melhor, com o perdão da obviedade.
Em pressão para comover a opinião pública, inventam-se contos de terror
para os frequentadores de restaurantes.
Tudo vai encarecer. O atendimento vai piorar. Os horários de funcionamento
vão ficar mais restritos. Devolvo a palavra ao Paulo da Abrasel:
"Todo mundo quer bar e restaurante disponível a semana inteira, e
querem a custo baixo. Aí você vê as pessoas querendo inviabilizar para o
consumidor."
Peço a você, que me lê, um pequeno exame de consciência. O que é mais
importante? Um restaurante aberto 24/7 ou permitir uma rotina digna para quem
trabalha no setor?
Antecipando-me à hecatombe, proponho a seguir uma receita inspirada num sanduíche muito famoso em São Paulo, de uma boteco que nunca fecha –e que, segundo os vaticínios mais sombrios, passará a funcionar nos horários do Senado Federal caso caia a escala 6x1 de trabalho.
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Fim da escala 6x1 é salvação do capitalismo, diz economista
Mundo passou por transformações profundas, mas trabalho não acompanhou,
diz autor do livro 'Sexta-feira é o novo sábado'
Júlia Dias Carneiro, fsp, 14/11/2024
O economista Pedro Gomes defende a semana de quatro dias de trabalho não
para tornar as pessoas mais felizes, mas sim porque acredita que, assim, será
possível salvar o capitalismo.
Autor do livro Sexta-feira é o novo sábado (2021), o professor de economia
da Universidade de Londres em Birkbeck afirma que o mundo passou por
transformações profundas ao longo das últimas décadas, mas o trabalho não
acompanhou essas mudanças.
O resultado são funcionários estafados e famílias exaustas —isso
pensando na realidade de países em que prevalece a escala 5x1.
Enquanto o Brasil vê ganhar fôlego a campanha para acabar com a semana
de seis dias de trabalho com um dia de folga, Gomes aplaude a iniciativa,
considerando o modelo algo reminiscente do século 19
Mas frisa a necessidade de que as mudanças sejam graduais e bem planejadas, com diferentes soluções sendo encontradas para diversos setores. "Considero que já está na hora de terminar o 6x1 para dar espaço, de forma prudente e bem estudada, para a semana de quatro dias", diz Gomes à BBC News Brasil.
Gomes coordenou o Projeto-Piloto da Semana de Quatro Dias organizado
pelo governo de Portugal, seu país natal, em 2023, para implementar a semana de
quatro dias em 41 empresas voluntárias.
Ao fim do período de teste, apenas quatro empresas quiseram voltar para
a jornada de cinco dias por semana.
Historicamente, ele diz que essas transições sempre foram acompanhadas
de grande resistência do setor empresarial, mas afirma que encarar a mudança
traz grandes benefícios para economia.
"A adaptação é muito mais fácil do que, de partida, as empresas vão
dizer", afirma.
Seu livro defende a semana de quatro dias de trabalho, proposta que tem
gerado grande debate no Brasil e que está sendo discutida no Congresso. Qual é
o principal argumento por trás desta defesa?
Acho que a semana de quatro dias é a melhor forma de organizar a
economia no século 21. E não é porque devemos trabalhar menos para ser mais
felizes ou pelo bem-estar. É pensando nas grandes mudanças estruturais que
ocorreram na economia e na sociedade.
Nos últimos 50 anos, tudo mudou, desde a tecnologia, a velocidade de
comunicação, a longevidade, o papel da mulher no mercado de trabalho. Mas não
soubemos adaptar a forma com que trabalhamos, que permaneceu igual.
A semana de cinco dias foi implementada pelo Henry Ford, o maior
empresário americano do século 20, em 1926. Vai fazer cem anos. Demorou muito
para as economias se adaptarem, mas esse modelo está na maioria dos países
ocidentais há 40 anos e não soubemos alterar a forma de trabalhar.
Hoje, a semana de quatro dias é uma melhor forma de organizar a economia
pelo impacto positivo que pode trazer. Isso envolve reorganizar a economia e o
trabalho nas empresas.
O seu livro diz que a semana de quatro dias pode 'salvar a economia'. De
que maneira?
É um erro dos críticos da semana de quatro dias pensarem que o tempo
livre é um tempo morto para a economia. Para eles, se não trabalharmos, não
contribuímos para a economia. Podemos estar felizes, mas a economia vai cair.
A verdade é que há muito valor econômico no tempo de lazer. É no tempo
livre que vamos ao restaurante, ao teatro, que viajamos. As indústrias de lazer
dependem do tempo livre das pessoas. Pessoas sem tempo livre não são boas
consumidoras.
Mais tempo livre estimula indústrias do mercado interno, e isso foi
visto nos Estados Unidos, nos anos 1940, e na China, em 1995, quando passaram
da semana de seis para cinco dias.
A China desenvolveu o mercado de turismo interno, que agora é o maior do
mundo. Construíram parques temáticos e as pessoas começaram a viajar mais
dentro do país, desenvolvendo a economia interna.
O senhor defende a transição da semana de trabalho de cinco para quatro
dias, mas no Brasil ainda se discute o fim da semana de seis dias. O senhor
considera esse passo importante para o país?
Sim. A escala de 6x1 está mais ligada ao século 19 do que a uma economia
tão forte do século 21. Considero que já está na hora de terminar o 6x1 e dar
espaço, de forma prudente e bem estudada, para a semana de quatro dias.
O debate no Brasil tem despertado grande resistência entre setores
empresariais e partidos conservadores. Como o senhor vê essas críticas?
No passado, a jornada de trabalho era de 12 horas por dia, seis dias por
semana. Depois, passou para dez horas, depois para oito horas, depois para
cinco dias. Essas passagens sempre foram acompanhadas por grande resistência do
lado empresarial. Porque obrigam a grandes mudanças na organização do trabalho,
e ninguém gosta de mudanças.
O mais curioso é que historicamente essas transformações sempre
começaram com empresas que se anteciparam à legislação. Foi o caso de Henry
Ford, quando resolveu que conseguia produzir mais carros organizando o trabalho
em cinco dias.
Na Inglaterra, Robert Owen, um manufatureiro galês, foi pioneiro do dia
de trabalho de oito horas e do fim do trabalho infantil. No entanto, quando
falou em acabar com o trabalho infantil, muitas empresas disseram que não
conseguiriam funcionar e que a economia iria colapsar. Entretanto, outros
empresários demonstraram que era possível.
O vereador carioca que deu início a esse movimento, Rick Azevedo,
convocou protestos pela causa no feriado de 15 de novembro. A mobilização
popular pode ajudar a levar adiante esse tipo de transformação?
Acredito que sim. Melhorar a economia não é só fazê-la crescer. É também
protegê-la dos riscos negativos. E um maiores riscos para as economias modernas
são os movimentos populistas, que ganham força pelo descontentamento das
pessoas com a economia.
Temos crescido muito nos últimos 30 anos, mas as pessoas não sentem que
vivem melhor do que seus pais. E, portanto, vão atrás de promessas falsas e
populistas que, na maioria dos casos, não têm boas plataformas econômicas.
Entretanto, estão crescendo porque o centro político não soube dar respostas
para os trabalhadores.
Isso foi muito comentado nos Estados Unidos, a ideia de que os
democratas abandonaram os trabalhadores. E não há nada mais central na vida do
trabalhador do que a forma e o tempo que trabalha.
Acredito que a semana de quatro dias pode ser uma solução para conseguir
derrotar movimentos populistas. É algo que pode unir as pessoas, porque todos
vão se beneficiar. Portanto, é bom que as pessoas se manifestem para mostrar
que isto é um caminho que os políticos devem seguir.
Pensando no caso do Brasil, como o senhor vislumbra uma redução
bem-sucedida nas escalas de trabalho?
As mudanças devem ser faseadas. É importante fixar expectativas e dizer
às empresas aonde se quer chegar, mas sem tentar fazer tudo de uma vez, num
espaço pequeno de tempo. Porque todos os setores precisam se adaptar e
encontrar o melhor formato na prática. Não há uma solução única. É preciso
soluções diferentes para diferentes setores, e isso tem de ser discutido por
dentro.
No caso do Brasil, a escala de seis dias de fato está fora do que é uma
economia do século 21. Essa redução vai trazer melhorias, como trouxe na China,
no Japão, nos Estados Unidos, em Portugal. E, portanto, a economia deve se
preparar para essa passagem.
Você acha que proibir a jornada 6x1 na lei, como propõe a emenda à
Constituição em discussão no Congresso, é uma forma eficaz de gerar essa
mudança?
Sim. Quando olhamos para a história, a passagem da redução de tempo de
trabalho foi inicialmente liderada por empresas, mas foi sempre consolidada por
legislação. E eu não vejo problema nenhum em que seja consolidada primeiro pela
legislação.
Friedrich Hayek, que é o pai do liberalismo econômico, acreditava que o
Estado devia fazer o mínimo, mas uma das poucas coisas que devia fazer era
legislar sobre o tempo de trabalho. Não é contra os princípios liberais de um
governo pouco intervencionista legislar e proibir certas práticas, ou proibir o
trabalho a partir de uma certa altura. E por quê? Porque é igual para todas as
empresas. Não distorce a concorrência.
Imagino que restaurantes sejam um setor que ainda pratique com a semana
de seis dias. Quando implementarem a semana de cinco dias, será igual para
todos os restaurantes. Um não estará acima de outros. Os restaurantes que
melhor se adaptarem vão sair ganhando. Portanto, mesmo em uma visão de
concorrência, restringir pela legislação práticas que não fazem sentido na economia
atual é perfeitamente legítimo.
O senhor falou que sua defesa da semana de quatro dias não é pela
questão do bem-estar, mas isso é uma parte importante do debate, que destaca o
impacto negativo da jornada de trabalho sobre a saúde. Isso não tem um impacto
negativo sobre a produtividade?
Sim, tem. Cem anos atrás, quando se trabalhava seis dias por semana, os
problemas gerados pelo trabalho eram físicos, ligados a síndrome de movimento
repetitivo.
Hoje, precisamente pela intensificação do trabalho, da tecnologia, da
velocidade de comunicação, o trabalho se tornou mais intenso mentalmente. O
aumento do burnout e do estresse são uma consequência de não termos adequado a
forma de trabalhar à tecnologia e aos tipos de trabalhos que temos hoje.
Outro elemento muito importante é a participação das mulheres no mercado
de trabalho. Há 50 anos, a maior parte das mulheres trabalhava em casa. Mesmo
que o homem trabalhasse muitas horas com intensidade, quando chegava a casa, a
mulher havia cuidado de tudo. Era tempo de descanso.
Agora, na maior parte das famílias, os dois trabalham as mesmas horas e
com a mesma intensidade. E quando voltam para casa, não é tempo de descansar, é
tempo de fazer tudo aquilo que ficou por fazer, compras, cozinha, limpeza. Com
isso, as famílias têm uma falta de tempo enorme. Isso se sente muito nos países
europeus. Cria esta pressão contínua que causa o burnout e o estresse.
Escala 6x1: Como surgiu o debate sobre o assunto? vídeo
Quais são os impactos? São pessoas que saem das empresas, gerando um
custo enorme para substituí-las e perda de conhecimento. Isso também gera
muitas faltas por doença ou burnout, e impactos no sistema de saúde.
Há estudos que tentam contabilizar os custos do burnout e do estresse,
mostrando que podem custar entre 2% e 5% do PIB [Produto Interno Bruto] por
perda de produtividade. Uma pesquisa da Harvard Business School considera que,
nos Estados Unidos, as doenças de saúde mental ligadas ao trabalho custam em
4,5% do PIB. Isso é uma das razões pelas quais empresas estão buscando implementar
a semana de quatro dias.
O senhor coordenou um projeto piloto em Portugal, e empresas em diversos
países estão testando a semana 4x3. O que é preciso para fazer essa transição?
Essa passagem não deve começar de uma forma generalizada, mas sim por
algumas grandes empresas, dedicando vários anos e muito planejamento para
encontrar soluções práticas.
Além de Portugal, há projetos piloto em países como o Brasil, nos
Estados Unidos, na Alemanha. As empresas que participam não estão sendo pagas,
elas próprias veem os benefícios, que são muito ao nível da redução do estresse
e do burnout, da redução do absentismo e de conseguir manter os trabalhadores
na empresa. É muito difícil contratar funcionários qualificados para algumas
posições, e a semana de quatro dias é uma forma alternativa de valorizar o
emprego, em vez de ser apenas com aumento de salário.
As empresas que têm experimentado o modelo mudam muitas coisas na
organização do trabalho, buscando, por exemplo, reduzir o número de reuniões,
tentar adotar mais tecnologia e inteligência artificial, limitar ou eliminar
processos.
Das 41 empresas que participaram do projeto piloto em Portugal, apenas
quatro voltaram para trás, para a semana de cinco dias. A grande maioria
manteve. Mas não foi apenas deixar de trabalhar na sexta-feira. Foi mudar
muitas coisas para aumentar a produtividade e dar viabilidade econômica a essa
mudança.
Ao obrigar as empresas a reduzir o tempo de trabalho, elas vão se
adaptar. Os benefícios em termos de produtividade vêm dessa adaptação. A
adaptação é muito mais fácil do que, de partida, as empresas vão dizer.
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'Ainda Estou Aqui' resgata memória do Brasil que teima em ignorar o
passado
Roberto Sadovski, Splash/UOL, 13/11/2024
Era um dia normal, 20 de janeiro de 1971, quando Rubens Paiva foi preso
em casa por militares à paisana. Os agentes, armados, o escoltariam para
"prestar um depoimento". Ele colocou um terno, despediu-se da mulher
e dos filhos, partiu dirigindo o próprio carro — e nunca mais
voltou para casa. O engenheiro e ex-deputado foi torturado e morto, tornando-se
mais uma das vítimas da ditadura militar que por duas décadas sufocou o Brasil.
"Ainda Estou Aqui", contudo, não é sobre a ditadura. É um
filme político, claro. Mas o trabalho do diretor Walter Salles — arrisco dizer
que é seu melhor, o que não é pouco por se tratar do responsável por
"Central do Brasil" e "Diários de Motocicleta"— volta seu
olhar não para os porões militares, palco de tortura e morte, e, sim, para quem
ficou para trás. Para quem teve a vida afetada profundamente pela mão de um
estado opressor.
Foi essa a condição em que se encontrou Eunice Paiva após o
desaparecimento de seu marido. Sozinha ao lado de cinco filhos, contando com o
apoio de amigos em uma sociedade que muitas vezes prefere olhar para o outro
lado, ela precisou se reinventar para manter a engrenagem da vida funcionando.
Tamanha resiliência, depois de um ato de violência tão perverso, foi o tema do
livro autobiográfico lançado em 2015 pelo filho do casal, o escritor Marcelo
Rubens Paiva.
Trabalhando com o roteiro estelar de Murilo Hauser e Heitor Lorega,
Walter Salles recupera uma história que espelha o Brasil do período. A casa dos
Paiva, sempre de portas abertas, era um ponto de luz em meio às trevas da
ditadura. O casal recebia amigos para discutir música, para celebrar a vida,
para refletir sobre os rumos da política no país. Rubens (papel estelar de
Selton Mello), após retornar de um período fora do país, ajudava os brasileiros
exilados pelo regime repassando cartas ao seus familiares. O perigo sempre
esteve à espreita.
O foco narrativo aqui, contudo, é Eunice. "Ainda Estou Aqui"
coloca nela não só a ponta de esperança que conduzia os brasileiros apequenados
pelo regime, mas também a imensa força para não sucumbir ao desespero e
encontrar, ante uma tragédia silenciosa, o impulso para continuar lutando. Os
militares, afinal, ficaram calados por décadas acerca do destino de Rubens,
mantendo uma mentira insustentável. Eunice, por sua vez, nunca desistiu de elucidar
o destino do marido.
Essa complexidade é traduzida em uma interpretação não menos que
espetacular de Fernanda Torres. A atriz surge com um trabalho contido, de
emoções encapsuladas, retratando assim a grandeza de Eunice ao se tornar a
rocha na qual sua família iria se reconstruir. É um trabalho de pequenos
gestos, de decisões doloridas, em que a luz do amor de uma família trafega
pelas sombras — reais e abstratas — para se refazer.
De certa forma, a tragédia da família Paiva representa não só o abismo
do Brasil durante a ditadura, mas também sua tenacidade ao se reerguer. O
nefasto regime militar foi finalmente abolido em março de 1985, quando um civil
assumiu novamente a presidência. Nossa democracia é frágil, recentemente
ameaçada por um grupo político sem a menor vergonha em louvar a ditadura — e sedento por um golpe capaz de restaurá-la.
O fato de esse movimento ter fracassado mostra que a história precisa
ser constantemente colocada sob o holofote para jamais ser esquecida.
"Ainda Estou Aqui" cumpre, portanto, papel importante de arte como
objeto de reflexão, como agente de um senso de urgência necessário para
oxigenar a percepção do cidadão. Eunice Paiva obteve vitórias sofridas,
tornando-se símbolo de um Brasil possível.
"Ainda Estou Aqui", após colecionar prêmios em festival dentro
e fora de nossas fronteiras, estreou há uma semana e já levou mais de 400 mil
pessoas aos cinemas. São sessões lotadas, carregadas de emoção, de um país que
mais uma vez pode se enxergar na tela grande —um retrato difícil, porém
necessário. Existe apetite voraz por filmes para adultos. Nosso cinema não
precisa ter uma só nota.
Existe, por fim, uma obra de impacto e sensibilidade, sem pudor em
abordar temas dilacerantes e sem receio em ser cinema. Um cinema que não nos
deixa esquecer. Muitas vidas foram perdidas ao longo da ditadura militar.
"Ainda Estou Aqui" recupera, ao entrelaçar a profundidade de um drama
familiar no cenário de uma tragédia política, os fragmentos de sua memória.
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Redução de jornada de trabalho para 4x3
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Esquerda dá 119 assinaturas para PEC 6x1 contra 32 da direita; PL só
teve 1
Wanderley Preite Sobrinho e Carolina Nogueira, UOL, 13/11/2024
A esquerda foi responsável por 61% das assinaturas em favor do texto que
permite a apresentação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que propõe
acabar com a jornada de trabalho 6x1. Enquanto 119 rubricas saíram de partidos
desse espectro político, a direita entregou 32 dos apoios (11%), incluindo uma
assinatura do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O que aconteceu
Das 194 assinaturas recolhidas, 119 são de congressitas de partidos da
esquerda. O levantamento considera a o GPS Partidário, métrica formulada pelo
jornal Folha de S.Paulo, que posicionou as legendas segundo o perfil de
coligações, pautas, trocas partidárias e votações na Câmara dos Deputados.
A 171 são suficientes para autorizar a apresentação da PEC pela deputada
Erika Hilton (PSOL). O UOL apurou que a parlamentar avalia ainda se vai
protocolar a proposta neste ano porque, para avançar ao plenário, ela precisa
passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), hoje presidida pela
bolsonarista Caroline De Toni (PL-SC).
Número atual de assinaturas por partidos de esquerda
PT: 68 assinaturas
PSOL: 13
PDT: 13
PSB: 13
PCdoB: 7
PV: 4
Rede: 1
Partidos da direita entregaram 32 rubricas. O deputado Fernando Rodolfo
(PE) foi o único a assinar em nome do PL, partido de Bolsonaro e de Valdemar
Costa Neto, que preside a agremiação.
Número atual de assinaturas por partidos de direita
União Brasil: 20 assinaturas
Republicanos: 7
PSDB: 2
PL: 1
PRD: 1
Cidadania: 1
As legendas de centro entregaram a mesma quantidade de adesões
MDB: 13
PSD: 13
Avante: 3
Solidariedade: 3
Por último, surgem as siglas de centro-direita, com apenas 11
assinaturas, 5,6% do total.
PP: 9
Podemos: 2
Veja a lista completa
1.
Afonso Motta (PDT-RS)
2.
Airton Faleiro (PT-PA)
3.
Alencar Santana (PT-SP)
4.
Alexandre Lindenmeyer (PT-RS)
5.
Alfredinho (PT-SP)
6.
Alice Portugal (PCdoB-BA)
7.
Amanda Gentil (PP-MA)
8.
Amom Mandel (Cidadania-AM)
9.
Ana Paula Lima (PT-SC)
10.
Ana Pimentel (PT-MG)
11.
André Figueiredo (PDT-CE)
12.
André Janones (Avante-MG)
13.
Andreia Siqueira (MDB-PA)
14.
Antônia Lúcia (Republicanos-AC)
15.
Arlindo Chinaglia (PT-SP)
16.
Átila Lins (PSD-AM)
17.
Augusto Puppio (MDB-AP)
18.
Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ)
19.
Bacelar (PV-BA)
20.
Bandeira de Mello (PSB-RJ)
21.
Benedita da Silva (PT-RJ)
22.
Bohn Gass (PT-RS)
23.
Bruno Farias (Avante-MG)
24.
Camila Jara (PT-MS)
25.
Carlos Henrique Gaguim (União
Brasil-TO)
26.
Carlos Veras (PT-PE)
27.
Carlos Zarattini (PT-SP)
28.
Carol Dartora (PT-PR)
29.
Célia Xakriabá (PSOL-MG)
30.
Célio Studart (PSD-CE)
31.
Charles Fernandes (PSD-BA)
32.
Chico Alencar (PSOL-RJ)
33.
Cleber Verde (MDB-MA)
34.
Clodoaldo Magalhães (PV-PE)
35.
Coronel Ulysses (União
Brasil-AC)
36.
Dagoberto Nogueira (PSDB-MS)
37.
Daiana Santos (PCdoB-RS)
38.
Damião Feliciano (União
Brasil-PB)
39.
Dandara (PT-MG)
40.
Daniel Almeida (PCdoB-BA)
41.
Daniel Barbosa (PP-AL)
42.
Daniela do Waguinho (União
Brasil-RJ)
43.
Dayany Bittencourt (União
Brasil-CE)
44.
Delegada Adriana Accorsi
(PT-GO)
45.
Delegada Katarina (PSD-SE)
46.
Delegado Bruno Lima (PP-SP)
47.
Denise Pessôa (PT-RS)
48.
Dilvanda Faro (PT-PA)
49.
Dimas Gadelha (PT-RJ)
50.
Domingos Neto (PSD-CE)
51.
Dorinaldo Malafaia (PDT-AP)
52.
Douglas Viegas (União Brasil-SP)
53.
Dr. Francisco (PT-PI)
54.
Dr. Zacharias Calil (União Brasil-GO)
55.
Dra. Alessandra Haber (MDB-PA)
56.
Duarte Jr. (PSB-MA)
57.
Duda Ramos (MDB-RR)
58.
Duda Salabert (PDT-MG)
59.
Eduardo Bismarck (PDT-CE)
60.
Eduardo Velloso (União
Brasil-AC)
61.
Elcione Barbalho (MDB-PA)
62.
Elisangela Araujo (PT-BA)
63.
Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT)
64.
Eriberto Medeiros (PSB-PE)
65.
Erika Hilton (PSOL-SP)
(autora)
66.
Erika Kokay (PT-DF)
67.
Euclydes Pettersen
(Republicanos-MG)
68.
Fausto Pinato (PP-SP)
69.
Fausto Santos Jr. (União
Brasil-AM)
70.
Felipe Carreras (PSB-PE)
71.
Fernanda Melchionna (PSOL-RS)
72.
Fernanda Pessoa (União
Brasil-CE)
73.
Fernando Mineiro (PT-RN)
74.
Fernando Rodolfo (PL-PE)
75.
Flávio Nogueira (PT-PI)
76.
Florentino Neto (PT-PI)
77.
Geraldo Resende (PSDB-MS)
78.
Gerlen Diniz (PP-AC)
79.
Gervásio Maia (PSB-PB)
80.
Gisela Simona (União
Brasil-MT)
81.
Glauber Braga (PSOL-RJ)
82.
Gleisi Hoffmann (PT-PR)
83.
Guilherme Boulos (PSOL-SP)
84.
Guilherme Uchoa (PSB-PE)
85.
Gustinho Ribeiro
(Republicanos-SE)
86.
Heitor Schuch (PSB-RS)
87.
Helder Salomão (PT-ES)
88.
Henderson Pinto (MDB-PA)
89.
Hugo Leal (PSD-RJ)
90.
Idilvan Alencar (PDT-CE)
91.
Ivan Valente (PSOL-SP)
92.
Ivoneide Caetano (PT-BA)
93.
Iza Arruda (MDB-PE)
94.
Jack Rocha (PT-ES)
95.
Jandira Feghali (PCdoB-RJ)
96.
Jilmar Tatto (PT-SP)
97.
João Daniel (PT-SE)
98.
Jonas Donizette (PSB-SP)
99.
Jorge Solla (PT-BA)
100. José
Airton Félix Cirilo (PT-CE)
101. José
Guimarães (PT-CE)
102.
Joseildo Ramos (PT-BA)
103.
Josenildo (PDT-AP)
104.
Josias Gomes (PT-BA)
105.Juliana Cardoso (PT-SP)
106.Juninho do Pneu (União Brasil-RJ)
107.Júnior Ferrari (PSD-PA)
108.Keniston Braga (MDB-PA)
109.Kiko Celeguim (PT-SP)
110.Laura Carneiro (PSD-RJ)
111.Leo Prates (PDT-BA)
112.Leonardo Monteiro (PT-MG)
113.Lídice da Mata (PSB-BA)
114.Lindbergh Farias (PT-RJ)
115.Lucas Ramos (PSB-PE)
116.Luciano Amaral (PV-AL)
117.Luciano Ducci (PSB-PR)
118.Luciano Vieira (Republicanos-RJ)
119.Luiz Couto (PT-PB)
120.Luiza Erundina (PSOL-SP)
121.Luizianne Lins (PT-CE)
122.Marcelo Crivella (Republicanos-RJ)
123.Márcio Jerry (PCdoB-MA)
124.Marcon (PT-RS)
125.Marcos Tavares (PDT-RJ)
126.Maria Arraes (Solidariedade-PE)
127.Maria do Rosário (PT-RS)
128.Marx Beltrão (PP-AL)
129.Mauro Benevides Filho (PDT-CE)
130.Max Lemos (PDT-RJ)
131.Meire Serafim (União Brasil-AC)
132.Merlong Solano (PT-PI)
133.Miguel Ângelo (PT-MG)
134.Moses Rodrigues (União Brasil-CE)
135.Murillo Gouvea (União Brasil-RJ)
136.Natália Bonavides (PT-RN)
137.Nilto Tatto (PT-SP)
138.Nitinho (PSD-SE)
139.Odair Cunha (PT-MG)
140.Orlando Silva (PCdoB-SP)
141.Padre João (PT-MG)
142.Pastor Diniz (União Brasil-RR)
143.Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ)
144.Pastor Sargento Isidório (Avante-BA)
145.Patrus Ananias (PT-MG)
146.Paulão (PT-AL)
147.Paulo Azi (União Brasil-BA)
148.Paulo Guedes (PT-MG)
149.Pedro Aihara (PRD-MG)
150.Pedro Campos (PSB-PE)
151.Pedro Lucas Fernandes (União Brasil-MA)
152.Pedro Uczai (PT-SC)
153.Pompeo de Mattos (PDT-RS)
154.Prof. Reginaldo Veras (PV-DF)
155.Professora Goreth (PDT-AP)
156.Professora Luciene Cavalcante (PSOL-SP)
157.Rafael Brito (MDB-AL)
158.Raimundo Costa (Podemos-BA)
159.Raimundo Santos (PSD-PA)
160.Reginaldo Lopes (PT-MG)
161.Reginete Bispo (PT-RS)
162.Reimont (PT-RJ)
163.Renan Ferreirinha (PSD-RJ)
164.Renilce Nicodemos (MDB-PA)
165.Renildo Calheiros (PCdoB-PE)
166.Ricardo Ayres (Republicanos-TO)
167.Ricardo Maia (MDB-BA)
168.Roberto Duarte (Republicanos-AC)
169.Rogério Correia (PT-MG)
170.Rubens Otoni (PT-GO)
171.Rubens Pereira Júnior (PT-MA)
172.Rui Falcão (PT-SP)
173.Ruy Carneiro (Podemos-PB)
174.Sâmia Bomfim (PSOL-SP)
175.Saullo Vianna (União Brasil-AM)
176.Sidney Leite (PSD-AM)
177.Socorro Neri (PP-AC)
178.Stefano Aguiar (PSD-MG)
179.Tabata Amaral (PSB-SP)
180.Tadeu Veneri (PT-PR)
181.Talíria Petrone (PSOL-RJ)
182.Tarcísio Motta (PSOL-RJ)
183.Thiago de Joaldo (PP-SE)
184.Túlio Gadêlha (Rede-PE)
185.Valmir Assunção (PT-BA)
186.Vander Loubet (PT-MS)
187.Vicentinho (PT-SP)
188.Waldenor Pereira (PT-BA)
189.Washington Quaquá (PT-RJ)
190.Weliton Prado (Solidariedade-MG)
191.Welter (PT-PR)
192.Yandra Moura (União Brasil-SE)
193.Zeca Dirceu (PT-PR)
194.Zezinho Barbary (PP-AC)
O que diz o texto
PEC reduz de 44h para 36h por semana o limite máximo de horas semanais
trabalhadas. Segundo Erika Hilton (PSOL-SP), o formato atual não permite ao
trabalhador "estudar, de se aperfeiçoar, de se qualificar
profissionalmente para mudar de carreira"
Número máximo de dias trabalhados por semana passaria a ser quatro.
Hoje, a regra prevê que ninguém pode trabalhar mais que 8h por dia e 44h por
semana — mas não proíbe que alguém trabalhe seis dias por semana, desde que não
ultrapasse os limites previstos.
Pela proposta, salários não mudam. "A definição de valor salarial
visa proteger o trabalhador de qualquer tentativa de redução indireta de
remuneração", diz o texto.
Jornada de seis dias de trabalho e um de descanso ultrapassa o razoável,
segundo a PEC. Qualidade de vida, saúde, bem-estar e relações familiares são
alguns dos pontos citados pelo texto como prejudicados pelo formato atual.
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Santos, sempre Santos!
Paulo Vinicius Coelho (PVC), UOL, 11/11/2024
Gols de Wendel e Otero, Santos 2 x 0.
Embora seja quase uma homologação, o acesso do Santos tem de ser uma
festa.
Houve momentos em que se discutiu se ia subir ou não, em que este blog
sustentou que ia subir — pela Anchieta, com neblina e caminhões. Ou seja, com
dificuldade.
Menos, menos.
Nem foi tão difícil e o acesso garantido três rodadas antes do fim, com
ou sem o título, é como subir pela Imigrantes em doze minutos, tempo médio da
serra mais livre entre o litoral e o planalto.
O Santos, agora, tem de pensar na Série A. Esqueça Neymar, não pense em
um time estelar. A chance é montar um time sóbrio, com meninos da Vila e
reforços pontuais. Não é difícil estruturar uma equipe capaz de brigar no bloco
médio no primeiro ano, brigar por Libertadores no segundo, pensar em ser
campeão no terceiro.
O Santos voltou. Sempre foi grande e sempre será. O desafio do
presidente Marcelo Teixeira é construir o futuro para voltar a pensar em ser
campeão paulista, da Copa do Brasil, do Brasileirão, da Libertadores.
O Santos é do mundo outra vez.
PVC: Santos vai cair 29 de outubro de 2023
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Cine Ceará 2024: Lampião, governador do sertão: herói ou vilão?
Por Luiz Zanin Oricchio, O Estado, 11/11/2024
Revi Lampião, governador do sertão, de Wolney Oliveira, que já havia
assistido no Festival É Tudo Verdade. Caso raro, o filme melhora com a revisão.
Talvez o segredo esteja em tratar Virgulino Ferreira da Silva como o mito em
que se tornou, contraditório e enigmático. Lampião, o cangaceiro emblemático,
foi herói ou vilão?
Em seu clássico Bandidos, o historiador britânico Eric Hobsbawm escreve
que o "bandido social" é aquele percebido pela população mais pobre
como justiceiro. Cita casos típicos, como Giuliano, na Itália, ou Robin Hood,
na Inglaterra, o famoso "rouba dos ricos para dar aos pobres." Mas
também fala sobre Lampião.
Talvez Lampião não tenha sido exatamente um Robin Hood sertanejo. Mas,
de qualquer forma, era visto pela população mais carente (e que era a imensa
maioria da população do interior nordestino do seu tempo), como alguém ao lado
dela. Alguém a quem os opressores coroneis da época respeitavam e temiam.
Criado o mito, depositam-se sobre ele fatos, reais ou imaginários,
versões e significados. Lampião era um truculento? Alguns dizem que sim. E
narram casos de violência extrema atribuídas a Virgulino. Outros afirmam que
foram tratados por ele com a gentileza de um cavalheiro. Como era Lampião como
líder de bando? Arbitrário ou justo? Há opiniões para os dois lados. E assim
por diante.
Quem fala no filme? Velhos cangaceiros e cangaceiras que o conheceram. A
filha, Expedita, e neta, Vera (ambas estavam em Fortaleza e participaram do
debate). Autoridades no assunto, como o pesquisador Frederico Pernambucano de
Mello e um gênio da raça como o escritor Ariano Suassuna. A polêmica é tanta
que dois depoentes quase saem no braço ao discutir se Lampião bebia uísque
escocês (White Horse) ou apenas cachaça, como qualquer sertanejo da sua época.
Para uns signo do atraso, para outros, emblema da rebeldia contra a
permanente injustiça social brasileira. Não por acaso, Glauber Rocha apela para
a figura do cangaceiro, Corisco, no caso, ao compor seu clássico da
desigualdade social e da revolta, Deus e o Diabo na Terra do Sol.
Anos depois, no tempo da luta armada contra a ditadura de 1964, Lampião ressurge,
em alguns meios de esquerda, como um ícone da revolta popular contra o
autoritarismo. Uma estudiosa paulista, Maria Christina Russi da Matta Machado
dedicou-se ao estudo do cangaceirismo. Joaquim da Câmara Ferreira, o
"Toledo", líder do Partido Comunista e dirigente da ALN de Carlos
Marighella, recomendava aos militantes do grupamento armado que lessem dois
livros, segundo ele importantes para a sua formação - Os Sertões, de Euclides
da Cunha, e Estratégias de Guerra dos Cangaceiros, de Matta Machado, publicado
em 1969.
O fato é que, depois de assombrar o sertão, Lampião, ao ser morto pelas
volantes em 1938, saiu da vida para entrar na História. Ou melhor, para a
mitologia popular brasileira, sob a forma de filmes, livros, cordéis, pinturas,
música e o que for.
Lampião não sai de moda porque significa muitas coisas ao mesmo tempo.
Até mesmo a apoteose de uma escola de samba, sendo tema da Imperatriz
Leopoldinense, que venceu o carnaval de 2023 na Marquês de Sapucaí com um
enredo em que Lampião, ao morrer, não é aceito no céu nem no inferno. Pertence
à eternidade.
A boa sacada de Wolney, como a do carnavalesco da Imperatriz, Leandro
Vieira, foi contemplar a polissemia desse elemento múltiplo, cujas únicas
imagens em movimento reais foram captadas pelas lentes de um mascate árabe,
Benjamin Abrahão, protégé do Padre Cícero, de quem Lampião era devoto. O doc
assume ares de Rashomon, de Akira Kurosawa, no qual vários personagens observam
o mesmo crime e dão a ele significados diferentes. Ou de Boca de Ouro, de
Nelson Pereira dos Santos, baseado em Nelson Rodrigues, que trata com a mesma
ambiguidade o bicheiro interpretado por Jece Valadão.
O que é um fato ou uma pessoa senão a soma de versões e interpretações
que suscitam? O que não significa renunciar à verdade, mas apenas estar ciente
de que talvez ela seja um limite apenas teórico e inalcançável. Nietzsche dizia
que a verdade mora no fundo de um poço. Lampião continuará a ser reinterpretado
ao longo do tempo - e das possibilidades e conveniências do momento.
LAMPIÃO, GOVERNADOR DO SERTÃO | O cangaceiro é herói ou bandido? vídeo
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Cachorros
Conversas com Hildegard Angel - O escritor Marcelo Godoy fala sobre o livro 'Cachorros' vídeo
Livro mostra saga
do comunista que virou espião a serviço dos militares
'Cachorros', de
Marcelo Godoy, reconstitui trajetória de integrante da direção do PCB que
passou a fornecer informações para a ditadura
Naief Haddad, fsp, 14/09/2024
A partir da
decretação do AI-5 (Ato Institucional número 5), em dezembro de 1968, a repressão militar intensificou o combate aos grupos que
recorriam à luta armada para se opor ao governo autoritário. Eram organizações
egressas do PCB (Partido Comunista Brasileiro), como a ALN (Aliança Libertadora Nacional) e o MR8 (Movimento Revolucionário 8
de Outubro).
Seis anos depois,
esses grupos estavam destruídos ou muito fragilizados. Foi a partir daí que a
ditadura militar decidiu enfrentar com mais ênfase o PCB propriamente, o mais
importante partido de esquerda no Brasil ao longo do século 20.
Àquela altura, em
meados dos anos 1970, os comunistas estavam na clandestinidade no país, mas
mantinham discussões sobre os rumos políticos e lançavam publicações.
Nessa nova etapa, uma das estratégias da inteligência militar era cooptar militantes comunistas, como Severino Theodoro de Mello, o mais importante desses infiltrados entre os integrantes do PCB. Ele é uma das figuras centrais de "Cachorros - AHistória do Maior Espião dos Serviços Secretos Militares e a Repressão aosComunistas até a Nova República", livro de Marcelo Godoy, repórter e colunista do jornal O Estado de S. Paulo.
Os militares
chamavam de cachorro aquele que tinha mudado de lado e que contribuía com
relatos orais, documentos, fotos e outros tipos de dados das organizações de
esquerda.
A máquina da repressão de ditadura 64 - Fotos
O outro nome-chave
do livro é o capitão da Aeronáutica Antônio Pinto, que manteve um
"canil" ao longo do regime autoritário e mesmo nos primeiros anos da
redemocratização. Durante 20 anos, Mello ficou sob o controle do Doutor Pirilo
(o codinome de Pinto), com quem falava com frequência.
Esses dois homens,
como escreve Godoy, "estiveram no centro da mais duradoura operação de
espionagem política da República". Embora tenham sido determinantes para o
enfraquecimento do PCB, ambos foram até então poucas vezes lembrados em
produções jornalísticas e acadêmicas.
As informações
passadas por Mello –cujo codinome era Vinicius– para os militares tiveram
efeito devastador para a sigla comunista. As delações dele foram a base para
uma operação que causou a morte de pelo menos dez dirigentes do partido, em
geral depois de longas sessões de tortura.
Filmes que explicam a ditadura 64
"Entrevistei
diversos agentes militares, e todos me falaram que as quedas relacionadas ao
PCB tinham vindo do Mello. Me diziam que só tinham conseguido avançar na
repressão ao partido por causa dele", conta Godoy, que em 2014 lançou
"A Casa da Vovó: uma Biografia do DOI-Codi (1969-1991), o Centro de
Sequestro, Tortura e Morte da Ditadura Militar".
A revelação de que
Mello era um espião a serviço da caserna veio à tona na entrevista do ex-agente
Marival Chaves ao repórter Expedito Filho, da revista Veja, em 1992. Mas os
colegas de militância custaram a crer que ele pudesse ser um infiltrado,
afinal, havia sido próximo de Luís Carlos Prestes durante décadas, inclusive em
uma longa temporada na União Soviética, e integrado o comitê central da
organização.
"Não havia
nenhuma desconfiança em relação ao Mello. Ele era um companheiro antigo –era de
35– e depois sempre foi de toda a confiança da direção e sempre esteve ligado
aos aparelhos do partido", disse Anita, filha de Prestes e Olga Benario,
ao autor do livro (Anita se refere à revolta dos comunistas em 1935, uma
tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas).
Só em 2016 o PPS
(Partido Popular Socialista), que sucedeu o PCB, retirou Mello dos seus
quadros. Naquela ocasião, as provas da traição tinham se tornado
incontestáveis.
Caso tivesse
iniciado hoje sua pesquisa, Godoy não chegaria ao mesmo resultado, já que seus
dois protagonistas, que concederam entrevistas, morreram nos últimos anos:
Pinto em 2018 e Mello cinco anos depois.
O oficial da
Aeronáutica respondeu a dezenas de dúvidas do jornalista em trocas de emails. O
infiltrado, além de mensagens, falou longamente a Godoy em seu apartamento em
Copacabana em 2018.
AI-5, 50 anos:Vozes no Palácio das Laranjeiras vídeo
"Cachorros"
não se baseia apenas nesses depoimentos. O repórter se valeu de outras
entrevistas, além de um vasto cardápio de fontes documentais.
As falas de Pinto e
Mello, no entanto, ocupam papel central no relato. A partir da trajetória dos
dois, o autor monta um painel da acidentada história do PCB, fundado em 1922, e
do sistema repressivo organizado durante a ditadura militar.
Mello, o comunista
que virou cachorro, morreu aos 105 anos. Nenhum camarada esteve no seu enterro.
Cachorros - a
História do Maior Espião dos Serviços Secretos Militares e a Repressão aos
Comunistas até a Nova República, Preço R$ 149, Autoria Marcelo Godoy, Editora
Alameda
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Juros na lua: 11,25% | Copom entra na pressão por pacote contra ospobres | Lula reage | Café | vídeo
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Não é um país sério
No dia 6 de janeiro, Joe Biden deveria mandar seus seguidores irem
quebrar o Capitólio
Ruy Castro, fsp, 06/11/2024
Não é um país sério. Num planeta em que duas gerações já não sabem para
o que serve uma caneta, seu sistema eleitoral ainda é do tempo em que, para
votar, o cidadão usa o lápis com a ponta lambida e, talvez, borracha. As urnas,
mesmo as eletrônicas, são devassadas — pessoas podem votar em grupo, trocando
impressões sobre os candidatos. Além disso, não ficam voltadas contra a parede,
possibilitando a um circunstante xeretar sobre o ombro do votante e dissuadi-lo
da escolha.
Não é obrigatório ir à urna para votar. Como ninguém precisa ter seu
título de eleitor conferido por mesários, passado de fiscal em fiscal e
registrado numa lista de votação, pode mandar o office-boy votar por ele. Pode
fazer isto também pelo correio —preenche o papel, coloca-o num envelope,
passa-lhe a língua na cola e o joga na caixa da esquina. Pela informalidade do
recurso, imagino que seja possível votar também por telefone, email ou
WhatsApp.
Se for por correspondência, pode-se votar antecipadamente. Se, semanas
depois, o fulano se arrepender, pode mandar novo voto anulando o anterior. A
contagem dos votos antecipados começa a ser feita assim que eles param de
chegar e é divulgada antes mesmo da votação nas urnas. Aliás, a divulgação dos
resultados parciais não espera a votação terminar. O que é ótimo, porque
permite ao eleitor, até então indeciso quanto ao vencedor, votar em quem
estiver à frente para não desperdiçar seu voto.
É também um país com eleitores fascinantes. Imigrantes votam num
xenófobo; mulheres, num misógino; pretos, num racista; libertários, num
autoritário; moralistas, num imoral; e sinceros legalistas, num camarada que já
anunciou que, se eleito, não vai largar o poder. E, se tudo isso deixar o eleitor
ligeiramente nauseado, há uma solução simples e legal: ficar em casa, fritando
bacon, e não ir votar.
Só vejo uma saída contra esse sistema precário, antidemocrático e
sujeito a fraudes: virar a mesa. No próximo dia 6 de janeiro, quando o
Congresso certificar os votos dos delegados, Joe Biden deveria fazer um
discurso e instigar seus seguidores a ir quebrar o Capitólio.
ELEIÇÕES ESTADOS UNIDOS 2024: O QUE MUDA APÓS A VITÓRIA DE DONALD TRUMP?
- ANÁLISE DE BRENO ALTMAN vídeo
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Lugar de fala é lugar de cale-se
O identitarismo perde feio em eleições, mas continua soberano nas
universidades
Wilson Gomes, fsp, 05/11/2024
Quando escrevi esta coluna, eu ainda não sabia o resultado da eleição
presidencial americana, mas você, caro leitor, provavelmente já sabe.
Independentemente de quem venceu essa disputa, que pode influenciar decisivamente
a eleição brasileira em dois anos, há questões que já estão claras para quem
acompanha as cada vez mais frequentes competições em que a extrema direita se
apresenta com grandes chances de vitória.
A mais evidente delas, que afeta tanto as retóricas eleitorais quanto as
perspectivas de políticas públicas e mudanças legislativas futuras, é a crise
de popularidade da ideologia identitária. Para quem acompanhou a campanha
americana, saltam aos olhos tanto o recuo na retórica identitária de Kamala
Harris quanto o avanço, agora sem filtros, da agenda anti-identitária de Donald
Trump. Como tudo ali é baseado em dados e cálculos eleitorais, o afastamento de
Harris dessa retórica e o discurso cada vez mais agressivo de Trump contra o
identitarismo são sinais claros de que essa pauta tem sido mais útil
eleitoralmente à extrema direita do que aos progressistas.
Não é difícil imaginar que algo semelhante aconteça no Brasil. Uma
análise superficial dos resultados das eleições municipais revela que, embora o
identitarismo progressista faça muito barulho no debate público e domine os
ambientes digitais, universidades e redações, ele continua incapaz de eleger.
Quem realmente forma bancadas numerosas são os identitários conservadores e a
direita em geral, que se aproveitam do pavor gerado pela pauta indenitária para
angariar votos de diferentes segmentos.
Enquanto isso, a militância identitária avança as suas linhas na
contramão da realidade política. A universidade e o jornalismo, espaços por
excelência da liberdade de pensamento, do esclarecimento e do respeito a
argumentos e evidências, têm exemplificado essa tendência.
Vivemos para ver jornalistas assinando petições para garantir que ideias
interditadas por uma vanguarda identitária não sejam debatidas publicamente em
um jornal progressista. Nesta semana, uma comentarista brilhante da GloboNews
não resistiu à tentação de dar cartadas de "lugar de fala" e fazer
acusações de microagressão identitária ao seu interlocutor para vencer as objeções
feitas a seu argumento por um colega de bancada. Como se argumentos devessem
ser enfrentados não com dados e evidências, mas com um "você sabe com qual
identidade está falando?".
Aliás, nem é a primeira vez em que o programa Em Pauta decide que o
princípio democrático do melhor argumento tem de ceder diante da fala
autorizada de um "representante" de alguma identidade oprimida. Em 6
de setembro deste ano, o apresentador praticamente atualizou o princípio
"Roma locuta, causa finita est", na forma de "se uma mulher
negra falou, a discussão está encerrada".
Precisam disso? Não. Mas todos parecem partir do princípio de que essas
crenças são amplamente aceitas — exceto por brutos e fascistas —, o que é, de
fato, cada vez menos verdade.
Na universidade, então, nem se fala. Em 30 de outubro, na Universidade
Federal do Ceará, 20 militantes interromperam uma mesa-redonda sobre
"perspectivas para o dia seguinte na atual crise do conflito
palestino-israelense".
A mesa era composta por especialistas em relações políticas no Oriente
Médio, no conflito Israel-Palestina e na extrema direita, os professores Michel
Gherman, Jawdat Abu-El-Haj e Fabio Gentile, e o doutorando Matheus Alexandre.
Não importa quantos especialistas estivessem naquela mesa, não importa que no
campus universitário só se entra para aprender ou produzir conhecimento; o
único que importa é que os militantes que se identificam com a causa Palestina
se sentiram moralmente autorizados a invadir um espaço de troca acadêmica na
universidade e mandar todo mundo calar a boca.
Até quando a intolerância dos "donos da razão" vai continuar
mandando e desmandando no campus? Hoje, na universidade, quem não é cúmplice
vive com medo. No mês passado, completei 32 anos de serviço público; tenho uma
carreira respeitada como pesquisador e sou professor titular há 20 anos. Mesmo
assim, desde a pandemia, não me atrevo a iniciar uma aula sem um gravador na
pasta ou na mesa. Sou professor de comunicação política e teoria democrática,
mas, em sala, não ouso dizer metade do que escrevo em livros e colunas. Isso
parece razoável?
Para onde isso nos leva? A mais justiça e melhor democracia? Não creio.
Agora, se isso dá palco e eleitores a figuras como Trump ou Nikolas Ferreira, é
uma dúvida que, infelizmente, não tenho.
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Como o Letterboxd se tornou o centro do debate
sobre filmes na internet
Plataforma concentra anônimos e famosos como
Scorsese, mas gera reclamações pela falta de remuneração a seus criadores
Pedro Strazza, fsp, 03/11/2024
Colagem mostra usuários famosos do Letterboxd - SilvisMatthew Buchanan e Karl von Randow eram
amantes de cinema frustrados quando criaram, em 2011, o Letterboxd, uma redesocial dedicada à sétima arte. A dupla da Nova Zelândia queria um espaço na internet para discutir os filmes
que assistiam. Na época, a melhor opção era o IMDb, um site de catalogação da
indústria.
Eles não imaginavam que seu desejo fosse
ganhar o mundo. Com 13 milhões de usuários, o Letterboxd é hoje um dos
principais lugares para ler e escrever sobre cinema e tem ganhado usuários
ilustres, como Felipe Neto e Martin Scorsese, bem como Sean Bake, vencedor do
prêmio máximo do Festival de Cannes, a Palma de Ouro.
A rotina na plataforma é intensa, com usuários
postando e comentando filmes, quase sempre com uma avaliação de uma a cinco
estrelas. Em várias ocasiões, a discussão sobre cinema parece nascer das
interações do site. Os títulos do banco de dados já foram marcados como vistos
pelo público mais de 1,83 bilhão de vezes.
A empresa neozelandesa, enquanto isso,
continua com pouco mais de 20 funcionários. Para Buchanan, o crescimento do
negócio é apenas uma questão numérica —o público segue o mesmo dos primeiros
dias de operação. "Uma comunidade maior significa uma seleção maior de
filmes assistidos, mas ela não está tão distante de onde começamos", diz.
"Os primeiros usuários eram cinéfilos e, conforme crescemos, era natural a
comunidade ganhar diversidade."
Buchanan usa como exemplo a retrospectiva de
fim de ano da rede, que sempre publica os dez lançamentos melhor avaliados pela
comunidade. Em 2012, o primeiro "Vingadores" figurou na lista ao lado
de filmes de arte como "Amour" e "Moonrise Kingdom". Na
última edição, o ranking foi liderado pela animação "Homem-Aranha: Através
do Aranhaverso" e o hit dos festivais "Pobres Criaturas".
O empresário também diz que a pandemia ajudou
o Letterboxd a furar a bolha cinéfila e encontrar novos mercados. Com o
isolamento, a plataforma foi um lugar oportuno para manter a discussão sobre
filmes acesa, o que ajudou a manter vivo o circuito de festivais, que na época
viviam na crise.
Quem entrou na plataforma nessa época foi
Marco Dutra. Diretor de "As Boas Maneiras", ele diz que já conhecia o
Letterboxd, mas foi se interessar pela rede no Festival de Berlim, há quatro
anos. O cineasta divulgava "Todos os Mortos" e descobriu por um amigo
que o público comentava o seu trabalho por lá.
Segundo Dutra, a plataforma o ajudou a
acompanhar as reações ao filme mesmo depois de a exibição ser prejudicada pela
pandemia. O cineasta seguiu um caminho parecido ao de vários realizadores. O
site ganhou uma avalanche de famosos, com diretores do porte de Christopher
McQuarrie, dos últimos "Missão: Impossível", e artistas como Ayo
Edebiri, de "O Urso".
Mas o contato próximo com o público nem sempre
funciona. Em entrevistas, Edebiri já expressou preocupação e arrependimento
sobre a forma como os seguidores reagem a suas publicações.
Quem também vê valor na comunidade é Rafa
Sales Ross, crítica de cinema e jornalista brasileira que cobre as maiores
mostras do circuito. Para ela, o Letterboxd é forte porque encoraja a
descoberta, o que ela diz impactar o andamento de festivais como Cannes e
Veneza.
"Adoro quando ouço de um amigo ou
conhecido que assistiu a um filme que passou despercebido no evento porque
escrevi algo na minha conta. Eu mesma assisti alguns dos meus favoritos com
essa tática."
Para Sean Gilman, crítico de cinema americano
com mais de 11 mil seguidores no Letterboxd, a simplicidade da rede é um
diferencial. Ele destaca o design do site, o mesmo desde a fundação, e a
facilidade para escrever e comentar as publicações dos outros.
O crítico também acha útil as modalidades
pagas —por R$ 49 ao ano, o usuário remove propagandas e ganha retrospectivas
customizadas. Gilman afirma ainda que o Letterboxd ajuda o público a entrar em
contato com filmes do passado. Autor do site The Chinese Cinema, sobre
produções do leste asiático, ele diz que muitos dos seus seguidores descobriram
clássicos da região por seus hábitos na plataforma.
A pequena equipe do Letterboxd sabe do
potencial dessas conexões e, para isso, investe em uma frente editorial. O
sucesso com a indústria fez a equipe perceber que poderia aproximar o público
de seus artistas favoritos. O resultado é que os perfis do Instagram e do X, o
antigo Twitter, viraram uma máquina de marketing da plataforma. Mesmo quem não
conhece o site entra em contato com ele por publicações virais.
A ação mais conhecida é a dos quatro filmes,
em que os famosos contam quais são suas produções preferidas. O número coincide
com a seção de favoritos dos usuários, que podem selecionar até quatro títulos
para encabeçar o perfil.
"A gente queria um aplicativo útil para
organizar as coleções, mas agora colecionamos recomendações de pessoas como
Ryan Gosling e Emily Blunt", diz Buchanan.
Além das celebridades, esses vídeos também são
gravados com o público em eventos ao redor do mundo. Graças a Felipe Fonseca,
colaborador da empresa, o Brasil faz parte desse circuito, com registros na
CCXP e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Segundo Fonseca, que ofereceu o serviço ao
site, o Letterboxd sabe que tem uma parcela significativa de usuários
brasileiros. Ele diz ver um crescimento da rede no país, apesar de não revelar
números. "Antes eu apresentava o site para as pessoas, agora elas já
chegam sabendo."
A presença brasileira motivou Gracie Pinto,
diretora e curadora da Filmicca, a abrir um perfil oficial do streaming na rede
social. A empresa é uma de várias que mantém uma página oficial no site, que o
Letterboxd apelida de "HQ", um perfil empresarial que o negócio paga
uma anuidade para obter.
"Isso funciona como um encontro do
serviço com o público do Letterboxd. Estar lá ajuda a Filmicca a ser descoberta
por mais pessoas", diz a executiva.
Grandes nomes do mercado apostam
financeiramente na rede, como a Netflix e a Paramount Pictures e serviços
independentes como a Mubi e a Neon. O circuito de festivais e premiações
também, do Oscar à Mostra de São Paulo.
Os laços mais fortes do Letterboxd com a
indústria deixam em aberto a questão da monetização de criadores de conteúdo
para o público. Buchanan diz que o site não encampa a aposta, mas permite que
usuários vinculem suas contas a sites de arrecadação como o Patreon.
Alguns membros da comunidade discordam dessa
posição, como Matt Lynch. Funcionário da locadora americana Scarecrow Video,
ele tem 56 mil seguidores na rede e vê um erro na falta de monetização —ainda
mais quando isso é adotado por plataformas como o YouTube e o X. "O
Letterboxd tem uma base de usuários grande, a maioria paga para estar lá e
provavelmente 98% do conteúdo é gerado pelo público", diz.
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Ensino básico: cemitério a vista
Após briga na Justiça, Tarcísio faz leilão do
segundo lote de escolas em SP
Ana Paula Bimbati, UOL, 04/11/2024
Após conseguir derrubar liminar que impedia o
leilão da PPP (Parceria Público-Privada) das escolas, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) realiza nesta
segunda-feira (4) um novo pregão para as unidades de ensino.
O que aconteceu
Governo de São Paulo vai leiloar a construção
e administração de 16 novas escolas. A parte pedagógica das unidades de ensino
continuarão sob a gestão da Secretaria Estadual de Educação, diz a
administração paulista.
Consórcio
vencedor será aquele que oferecer menor valor de contraproposta mensal. Essa é
a quantia paga pelo Estado após a entrega das escolas. As empresas poderão
apresentar valores até R$ 14,9 milhões.
Professores
e estudantes marcaram protesto em frente a Bolsa de Valores nesta segunda. No
leilão do bloco oeste, na semana passada, o grupo levou cartazes com dizeres
como "minha escola não está à venda" e "vender escola é vender
estudantes".
As empresas
ficarão responsáveis pela manutenção das escolas, os serviços de limpeza,
vigilância e alimentação. O objetivo, segundo a gestão Tarcísio, é
"unicamente liberar professores e diretores de tarefas burocráticas,
permitindo maior dedicação às questões pedagógicas".
Especialistas
contrários ao modelo dizem que o formato pode abrir espaço para a privatização
completa das unidades em São Paulo. O Paraná aprovou um projeto de lei que
amplia o poder das empresas nas escolas. O atual secretário de Educação
paulista, Renato Feder, já chefiou a pasta paranaense.
Liminar na
Justiça
Um dia após
o primeiro leilão das escolas, o Apeoesp, sindicato dos professores de São
Paulo, conseguiu uma liminar que suspendia o pregão. O juiz também determinou o
impedimento do leilão que acontecerá hoje. O entendimento foi de que a gestão
democrática das escolas vai além do que ocorre na sala de aula.
No dia
seguinte, entretanto, Tarcísio conseguiu derrubar a liminar e saiu vitorioso. O
presidente do Tribunal da Justiça, Fernando Antônio Torres Garcia, acolheu
recurso e afirmou que a suspensão dos leilões afetava o cronograma de
implementação de obras e serviços essenciais.
A Engeform,
que integra o consórcio vencedor do primeiro lote, é sócia da Consolare,
empresa que administra sete cemitérios na capital paulista. A concessão dos
espaços é alvo de críticas de diferentes órgãos de fiscalização, como o TCM
(Tribunal de Contas do Município).
Tarcísio
tem ampliado a presença da iniciativa privada em áreas diversas. Na última
semana, além das escolas, foram leiloadas a Rota Sorocabana e o serviço de
loterias. Foi no governo atual que a Sabesp foi privatizada também.
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Tarado por petróleo
Leonardo Sakamoto, UOL, 30/10/2024
É um absurdo completo que enquanto o mundo
esteja vivendo um ano de eventos climáticos extremos, com mortos sendo
produzidos às dezenas e refugiados ambientais aos milhares, a política, a
economia e a sociedade digam que lamentam tudo isso e cantem músicas sobre o
meio ambiente, mas não desistam da ampliação da exploração do petróleo. A cada
barril extraído que poderia ter ficado sob o solo, ajudamos a cavar mais uma
cova para nossos filhos e netos.
A questão é se muitos deles morrerão afogados,
cobertos de lama, asfixiados, famintos, sedentos ou em decorrência de doenças.
Digo "muitos" porque os mais ricos sempre dão um jeito no final.
Pegam um foguete, por exemplo.
As mais de
70 mortes por conta das enchentes na região de Valencia, na Espanha, somam-se
às mais de 180 pelas chuvas no Rio Grande do Sul. Isso sem contar aquelas que
não entram no cálculo diretamente, como os 76 óbitos em decorrência de síndrome
respiratória aguda grave durante a fumaça das queimadas que cobriu a cidade de
São Paulo.
Não vamos
conseguir atingir a meta de restringir o aumento da temperatura global a 1,5ºC
em relação ao início da era industrial, como proposto pelo Acordo de Paris.
Tecnicamente, seria possível, mas dependeria de outra mentalidade, de outros
governantes, de outros empresários, que estamos longe de alcançar.
O Relatório
sobre a Lacuna de Emissões 2024, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente, aponta que o mundo chegará a mais que o dobro disso, 3,1ºC, ao
seguir na toada atual. Isso representa extinção em massa e uma vida dos
infernos em algumas décadas.
A questão é
que a maioria do mundo já admite que as mudanças climáticas são uma realidade,
apenas os completos celerados (havia muitos no governo anterior...) ou os
oportunistas safados ainda apelam ao negacionismo duro. Porém, estabeleceu-se
um negacionismo suave, em que o problema é reconhecido, mas surge a falácia do
"ainda dá tempo de salvar o planeta sem traumatizar a atual
economia".
Mas não dá.
As mudanças têm custos enormes que os países mais ricos enrolam seja para
alterar formas de produção, seja para pagar aos mais pobres e a os locais em
desenvolvimento a fim de mudar sua matriz. Entendam, fodeu mesmo.
Fim do
mundo não está no Apocalipse, mas nos relatórios anuais de petrolíferas
"Cada
um dos principais produtores de combustíveis fósseis do mundo está apostando em
ser o último vendedor de petróleo e gás. É uma roleta-russa que pode assar o
planeta ou resultar em ativos encalhados em massa", afirma Claudio Angelo,
coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima.
"E,
embora seja óbvio que países como Estados Unidos, Noruega, Canadá e Austrália
devem ser os primeiros a eliminar os combustíveis fósseis, os países da Troika
[presidentes das conferências do clima da ONU de 2023 (Emirados Árabes Unidos),
2024 (Azerbaijão) e 2025 (Brasil)] precisam cumprir seu compromisso com a meta
de 1,5°C e parar com a expansão agora", diz.
Para ele,
deveriam guiar pelo exemplo, mas o único exemplo que estão dando é de como se
esquivar da ação climática com greenwashing.
No Brasil,
esse negacionismo soft aparece na política, seja ela de direita ou de esquerda,
na economia e também na imprensa, quando o assunto é a prospecção de petróleo
na costa amazônica do Amapá, por exemplo. Além dos riscos ambientais e sociais,
há o peso de uma nova fronteira de exploração ser aberta, lançando mais carbono
no ar para o efeito estufa.
A ironia é
incrível: O Ministério das Minas e Energia reclama, com toda a razão, da Enel,
pelas chuvas e os apagões em São Paulo, enquanto defende a perfuração de poços
no Amapá - que vai ajudar a tornar mais frequente eventos climáticos extremos,
como as chuvas na capital paulista.
Quem acha
que uma coisa não tem a ver com outra é porque precisa se informar melhor. O
fim do mundo não está no livro do Apocalipse, mas nos Relatórios Anuais de
empresas como Petrobras e Shell.
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The Cure
volta às raízes góticas em novo álbum, 'Songs of a Lost World'
AndréBarcinski, fsp, 01/11/24
Ninguém
descreveu a solidão adolescente como Robert Smith. Por quase meio século, desde
a fundação do The Cure, em 1976, ele vem criando um universo sônico e estético
muito pessoal, que apela a corações solitários em todo o planeta. Enquanto o
punk inglês cantava sobre as agruras do capitalismo e as injustiças sociais, Smith
olhava para dentro e não para fora, escrevendo para aqueles que preferiam ficar
trancados em seus quartos em dias chuvosos. Ele não é apenas um dos maiores
nomes do som gótico. Ele é o gótico.
Songs of a
Lost World, Autoria The Cure, Gravadora Polydor Limited, Onde? Nas plataformas
de streaming
Acontece
que Smith hoje tem 65 anos e não canta mais só para jovens. O público do The
Cure cresceu com ele, tanto em idade quanto em números absolutos. Na virada dos
anos 1980 para os 1990, algo inesperado aconteceu —o número de meninos e
meninas trancados em quartos em dias chuvosos multiplicou-se, e o The Cure
virou uma banda de estádio.
Quanto mais
tristes as canções, mais os discos vendiam, e o álbum
"Disintegration", de 1989, é uma marca disso, um trabalho altamente
influenciado por drogas psicodélicas e pela depressão que Smith sentia por
estar perto de completar 30 anos de idade. "Eu achava que aquela era a
última chance de eu criar uma obra realmente significativa", dizia, sobre
o disco, que é o mais vendido da banda. O álbum seguinte, "Wish", de
1992, bem mais alegre e que trouxe o hit de rádio "Friday I’m in
Love", também vendeu muito.
Trinta e
cinco anos depois de "Disintegration" chega "Songs of a Lost
World", o 14º álbum de estúdio do The Cure e o primeiro desde "4:13
Dream", lançado em 2008. É um disco marcante para Smith, o primeiro
totalmente composto por ele desde "The Head on the Door", de 1985, e
apenas o segundo na história da banda em que Smith não teve parceiros musicais.
O novo LP marca a primeira gravação com o guitarrista Reeves Gabrels, que
colaborou com Tin Machine e David Bowie, desde que entrou na banda em 2012, e a
volta do tecladista Roger O’Donnel, que toca com Smith desde 1987 e retornou em
2011, após seis anos.
Às
primeiras audições, "Songs of a Lost World" remete imediatamente aos
lamentos densos, lentos e lúgubres de "Disintegration". O nome diz
tudo —"Canções de um Mundo Perdido". As músicas têm títulos como
"Sozinho", "Nada é Para Sempre", "Uma Coisa
Frágil" e "Canção do Fim". A capa, fotografada num preto e
branco contrastado, mostra uma escultura chamada "Bagatelle", feita
em 1975 pelo artista esloveno Janez Pirnat, cujos trabalhos aparentam estar
inacabados — segundo a imprensa eslovena, Smith admira tanto a obra do artista,
que financiou a realização de eventos que o homenageiam, realizados em
Liubliana, capital da Eslovênia.
"Songs
of a Lost World" tem oito faixas que totalizam quase 50 minutos de música.
A faixa que encerra o disco, "Endsong", tem mais de 10 minutos. É um
trabalho deliciosamente gótico, sem nada do pop feliz de faixas marcantes do
grupo como "Friday I’m in Love", "Lovecats", "The
Walk", "Just Like Heaven" ou "Close to Me".
A faixa que
abre o disco, "Alone", define a sonoridade e temas do trabalho
—depois de uma introdução lenta e atmosférica de mais de três minutos (atenção,
rádios, The Cure não se importa mais em fazer hits de FM!), Smith canta:
"Esse é o fim de todas as canções que cantamos/ o fogo virou cinza/ e as
estrelas perdem seu brilho com lágrimas/ com frio e medo". Em quartos
escuros por todo o mundo, choram os adolescentes —e sessentões!— de rímel e
franjas sobre os olhos.
The Cure -Alone (Official Lyric Video) vídeo
Em "A
Fragile Thing", Smith canta: "Toda vez que você me beija, eu choro/
Não me diga como você sente minha falta/ Eu poderia morrer hoje de um coração
partido/ essa solidão me transformou/ e nos separamos".
Uma das
faixas mais "animadas" do disco é "Drone:Nodrone", um pouco
mais rápida e com um longo e épico solo de guitarra de Reeves Gabrels. Mas na
faixa seguinte, a linda "I Can Never Say Goodbye", o disco retoma uma
cadência lenta, com a voz de Smith parecendo que vai se despedaçar num lamento:
"O trovão emudece/ a lua de novembro com chuva negra e fria/ enquanto
relâmpagos cortam o céu/ eu sussurro o nome dele".
Drone:Nodrone vídeo
O disco
acaba com uma das letras mais tristes já escritas por Smith: "Estou no
escuro/ olhando para a lua cor de sangue/ lembrando as esperanças e sonhos que
eu tinha/ e me perguntando o que aconteceu com aquele menino/ e ao mundo que
ele chamava de seu/ estou do lado de fora no escuro pensando em como me tornei
tão velho".
Lembrando
que Smith achava que sua carreira iria acabar ao completar 30 anos, faz sentido
ele questionar a própria existência e relevância. Mas o artista não tem com o
que se preocupar: "Songs of the Lost World" prova que ele e o The
Cure não são apenas relevantes, mas uma das maiores bandas de rock dos últimos
45 anos. É um grande disco que ficará marcado na trajetória da banda.
THE CURE ::SONGS OF A LOST WORLD :: FULL LIVE STREAM
The CURE ⭐️ SONGS OF A LOST WORLD ⭐️ O novo álbum do THE CURE
The Cure - I Can Never Say Goodbye (6 Music Live Session)
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O
tamanho do buraco identitário
A racialização é um engano histórico,
científico e cultural
Muniz Sodré, fsp, 02/11/2024
Paris, fins do século 19, num conto de Guy deMaupassant, um lixeiro de origem camponesa se apaixona pela servente africana de um bistrô.
Propõe-lhe casamento, que depende de aprovação dos pais, por isso ambos viajam
ao campo. A mãe do noivo fica encantada com a futura nora, bonita além de
prendada nas artes domésticas. Para apresentá-la à aldeia, passeiam de mãos
dadas. Mas os vizinhos se assustam, as janelas se fecham. A matriarca nega ao
filho o consentimento. Sempre apaixonado, ele se lamenta tempos depois,
perguntando à mãe se o obstáculo tinha sido a cor da jovem. Responde a
camponesa: "Não porque ela fosse negra, meu filho, mas era negra
demais".
Esse insight agudo sobre a diferença
etnocultural sobreveio semanas atrás quando, numa mesa-redonda, ouvimos de uma
pesquisadora sobre imigração no Rio de Janeiro um relato inabitual. Segundo
ela, é impossível para haitianos encontrar postos de trabalho na zona sul da cidade,
nem sequer como peões de obra, porque as senhoras de classe alta se assustam
com a cútis negro-retinta dos imigrantes. No conto de Maupassant, não estava em
jogo o racismo stricto-sensu, pois a província ainda não conhecia africanos,
era mais o medo primitivo à diferença. No caso dos haitianos, é também isso,
acrescido de racismo pós-abolicionista.
Essa questão pode ser cansativa, mas vale
repisar sempre que algo aparece para mostrar que o identitarismo racial não
toca o fundamento do racismo, que não precisa de raça para existir. Relembrando
que não há raças humanas, um site opinativo francês evocou há pouco o
hematologista Jean Bernard, que enumerava três condições para uma diferença
entre a raça A e a raça B: (1) "as propriedades intrínsecas da raça A
deveriam ser muito diferentes da raça B (2) a raça A e a raça B não poderiam se
misturar (3) todos os membros de cada raça deveriam ter propriedades genéticas
comuns, senão idênticas". Nenhuma delas acontece na espécie humana, seja
no plano biológico ou cultural.
A racialização é de fato um engano histórico,
científico e cultural. Encerrar alguém em identidades forjadas a partir de
características fenotípicas, culturais e religiosas é um prolongamento do erro.
Mas a redefinição da esquerda pelo viés dito "identitário"
(socio-corporal, na realidade) é um compromisso pragmático com a liberação de
minorias das correntes em que foram aprisionadas por racismo e patriarcalismo.
Autoafirmação e autodeterminação são os valores progressistas em jogo. O jogador
Vini Jr., atacado na Europa, neles se apoia em seu ativismo antirracista. É um
negro que responde, trocando a tortura da gargalheira escravista pela
gargalhada.
Como é que é? | Por que o racismo no futebol étão comum? vídeo
Mas essas pautas podem ter o mesmo efeito da jovem africana na aldeia. As janelas do "andar de cima" fecham-se ao que não é espelho. Hoje o racismo não mais tem a ver com identidade humana, como no período colonial, e sim com domínio social do ego moldado pelo corpo-imagem do mercado. A "aldeia global" (metáfora de McLuhan) é tecno-narcisista, perpassada por um aturdimento inerente tanto à madame zona sul quanto ao pobre capturado por aberrações. Racismo é como uma pedra anticivilizatória que, lançada na água, reverbera. Suas raízes fizeram ecologia própria.
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O
começo da revanche
Se Trump for reeleito e Bolsonaro ficar
elegível e vencer, vamos ter saudade de seus primeiros mandatos
Ruy Castro, fsp, 31/10/2024
Barra pesada à frente. Se Donald Trump for
eleito presidente dos EUA na próxima terça-feira (5), um de seus primeiros atos
será anistiar os desordeiros que ele instigou a invadir o Capitólio, em
Washington, no dia 6 de janeiro de 2021. No Brasil, Jair Bolsonaro pede aos
deputados anistia para os golpistas que quase demoliram a Câmara no dia 8 de
janeiro de 2023, em Brasília. E, de passagem, como parte do pacote, pede
anistia para si próprio, o que zeraria sua inelegibilidade e lhe permitiria
candidatar-se em 2026.
Em sua defesa dos invasores do Congresso, do
Planalto e do STF, Bolsonaro alega que eram patriotas que foram confundidos com
criminosos ao lutarem por seus "ideais": pessoas humildes, pais de
família, mães de seis filhos, idosos em cadeira de rodas. Não se sabe com quem
aquelas senhoras deixaram os seis filhos para irem estripar poltronas ou como
cadeirantes foram tão eficientes em vibrar porretes contra vidraças indefesas.
Caso consigam seus intentos, Trump e Bolsonaro
estarão abrindo as portas para levantes contra qualquer medida do desagrado das
massas, de direita ou de esquerda. Quem poderá criticá-las por tentarem
dissolver na marra a tal medida? Washington viverá sob o signo do faroeste;
Brasília, do cangaço. Armamento para as turbas não faltará — EUA e Brasil já são
arsenais.
Se Trump vencer, os americanos terão saudade
de sua primeira gestão. Tratará o pais como as mulheres que atacava no
elevador, metendo-lhes a mão por baixo das saias. A anistia aos vândalos será
só o começo da revanche. Seu ex-vice, Mike Pence, que barrou sua tentativa de
melar a derrota para Joe Biden em 2020, será enforcado. Os porto-riquenhos,
atirados ao mar. Os mexicanos terão de cavar túneis debaixo do muro para cruzar
a fronteira. Mesmo os imigrantes legalizados serão castrados para impedir a
procriação.
Quanto a Bolsonaro, sua anistia parecia remota. Não é mais. Setores do PT consideram que, por sua alta rejeição, ele será mais fácil de derrotar em 2026 do que outros nomes da direita, donde tramam para viabilizá-lo. Atitude de um partido a caminho mesmo do Z4.
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Made in Mexico: por que a nova Hollywood está
ao sul da fronteira americana
Na era do streaming, país veterano na
indústria do cinema passa a ver suas histórias sendo produzidas por mexicanos
fsp/ 31/10/2024
Os Estúdios Churubusco, um extenso complexo na
Cidade do México, estão em operação desde 1945; nesse tempo, supervisionaram
cerca de 3.000 filmes e mais telenovelas do que qualquer um pode lembrar.
Hoje, em um de seus estúdios de som,
encontra-se algo do futuro: uma parede curva e luminosa de 800 painéis de LED,
estendida em um panorama do tamanho de quatro ônibus de dois andares. A tela
gigante, exibindo um cenário gerado por computador da Cidade do México, é
manipulada por técnicos que podem mudar o clima ou reorganizar edifícios a
partir de um console próximo coberto de monitores brilhantes e interruptores. É
"como pilotar o Apollo 11", diz Monica Reina, chefe da Simplemente, a
empresa que a construiu.
Este estúdio de produção virtual, o primeiro
na América Latina, foi construído no ano passado a pedido da Amazon Studios,
que o utilizou para filmar "Every Minute Counts", uma série dramática
sobre o terremoto da Cidade do México de 1985, que começará a ser transmitida
no Prime Video em 8 de novembro. Na mesma semana, a Warner Bros Discovery
lançará "Like Water for Chocolate", uma série de streaming produzida
por Salma Hayek, e a Netflix lançará "Pedro Páramo", sua adaptação
cinematográfica do que é possivelmente o maior (e certamente o mais estranho)
romance do México. Os três lançamentos representam a produção mais cara de cada
plataforma de streaming no México até hoje; a Netflix diz acreditar que
"Pedro Páramo" é o filme mexicano mais caro já feito.
Por décadas, executivos de Hollywood cruzaram
a fronteira em busca de serviços de produção a preços reduzidos. Mas, cada vez
mais, eles veem o México como uma fonte de inspiração criativa também. Quando
Ted Sarandos, codiretor executivo da Netflix, foi questionado sobre qual lugar
o deixava mais animado, ele disse México. A demanda global por televisão em
espanhol quase triplicou nos últimos quatro anos, com o México respondendo por
um quarto dos programas, estima a Parrot Analytics, que rastreia o interesse do
consumidor.
O México tem uma longa história como centro de
produção cinematográfica, tendo assumido o papel quando Hollywood desacelerou
durante a Segunda Guerra Mundial. Por um tempo, na década de 1940, o cinema era
a sexta maior indústria do México. Mais tarde, profissionais fugiram para o
México da ditadura da Espanha, nas décadas de 1940-70, e da Argentina, nas
décadas de 1970 e 80. Tudo isso deu ao México "o DNA da produção
internacional", diz Avelino Rodríguez, chefe da Canacine, uma entidade da
indústria. Quando a Netflix fez seu primeiro original em língua estrangeira, há
nove anos, escolheu fazê-lo no México (com "Club de Cuervos", uma
comédia dramática de futebol).
Apesar de toda a sua experiência técnica em
cinema, os mexicanos raramente viram suas próprias histórias contadas de forma
convincente na tela. Embora a bilheteria mexicana venda mais ingressos do que
qualquer país depois da Índia, China e Estados Unidos, suas salas de cinema são
dominados por produções estrangeiras. E quando o México é o protagonista, sua
imagem muitas vezes é cansativamente familiar: westerns, os sempre populares
narco-dramas e novelas predominam. "As pessoas equiparariam o filme
mexicano como se fosse um gênero", em vez de uma nacionalidade, diz
Alejandro Ramírez, diretor executivo da Cinépolis, uma rede de cinemas mexicana
que é a terceira maior do mundo.
Páramo, não Paramount
Cada vez mais, no entanto, as produções
mexicanas estão encontrando um diferencial autêntico. A chegada de plataformas
de streaming americanas bem capitalizadas cortejando o público local significou
uma grande infusão de dinheiro. A Netflix abriu um escritório no México há
cinco anos; agora ocupa seis andares de um arranha-céu central, com vista para
uma cidade onde seus anúncios parecem cobrir todos os abrigos de ônibus. No
primeiro semestre deste ano, a Netflix encomendou quase quatro de cada dez
filmes e séries de TV no México, estima a Ampere Analysis, uma empresa de
pesquisa.
Além de dinheiro, o streaming está inserindo
um pouco de ousadia. Na era da TV linear, os produtores no México e em todos os
outros países tinham que fazer programas para o público mais amplo possível,
resultando naqueles tropos familiares. "As pessoas imaginavam que o México
era mariachis e pessoas andando a cavalo na rua", diz Francisco Ramos,
chefe de conteúdo da Netflix na América Latina. O streaming, por outro lado,
pode atender a nichos, permitindo fatias realistas da vida. "O Segredo do
Rio", uma série dramática ambientada na zona rural de Oaxaca, talvez nunca
tivesse sido feita na era da TV linear, acredita Ramos.
A Netflix diz que seus dados sugerem que os
programas têm mais chances de viajar internacionalmente se também forem
populares em casa. Ela respondeu com uma estratégia "local para
local", direcionando sua produção mexicana diretamente para os mexicanos e
contratando mais funcionários mexicanos (em oposição a mais amplamente
latino-americanos) para fazê-los.
Filmes independentes também estão encontrando
mais facilidade para equilibrar as contas. O domínio de longa data da televisão
mexicana pela Televisa, uma emissora com conexões políticas, significava que os
filmes feitos localmente ganhavam pouco com direitos de TV, dependendo da
bilheteria para cerca de 80% de sua receita. Desde a chegada das plataformas de
streaming, o mercado de televisão se tornou mais competitivo, e os direitos de
TV agora contribuem com quase metade dos ganhos dos filmes mexicanos, estima um
insider da indústria. O lado negativo para os cinéfilos é que muitos desses filmes
agora vão direto para a tela pequena, renunciando a uma exibição teatral em
troca de um grande cheque de uma plataforma de streaming.
Esta não é a primeira onda de interesse no
cinema mexicano. Há vinte anos, os críticos se encantaram com os "Três
Amigos", um trio de diretores mexicanos. Os Amigos, agora na casa dos 60
anos, tornaram-se estrelas estabelecidas em Hollywood: Alfonso Cuarón acaba de
fazer "Disclaimer", um thriller para a Apple TV+; Guillermo del Toro está trabalhando em uma nova
adaptação de "Frankenstein" para a Netflix; Alejandro Iñárritu está dirigindo um filme sem título de Tom Cruise para a Warner Bros.
A diferença hoje é que os criativos mexicanos
estão tendo mais opções para contar suas próprias histórias em casa, em vez de
irem para o norte em busca de trabalho. "Costumávamos ser um país que
exportava talento. Sempre que um desses prodígios surgia, os EUA os levavam...
Agora esses jovens estão voltando e dizendo: 'Quero fazer minha série, mas em
escala global'", diz Alonso Aguilar, chefe de originais mexicanos na
Amazon Studios.
A próxima geração, que Aguilar chama de
"os filhos dos Três Amigos", já está ganhando elogios no circuito de
festivais. No início deste ano, Astrid Rondero e Fernanda Valadez ganharam o
grande prêmio do júri para cinema mundial no festival de Sundance com
"Sujo", um filme sobre o filho de um assassino. Lila Avilés recebeu
vários prêmios no ano passado por "Totém", um retrato da relação de
uma criança com seu avô, tendo anteriormente ganhado prêmios por "A
Camareira" em 2018.
Este grupo de cineastas também tem uma boa
dose de perspicácia comercial e um olhar no mundo para além do México. Michel
Franco ganhou o grande prêmio do júri no Festival de Cinema de Veneza em 2020
com "Nova Ordem", um filme distópico que imagina uma ditadura militar tomando o país. Desde
então, ele passou a fazer longas-metragens de crossover internacional com
atores como Tim Roth ("Sundown", 2021) e Jessica Chastain
("Memory", 2023). Alonso Ruizpalacios, que foi reconhecido no Festival
de Cinema de Berlim em 2018 por "Museu", um assalto ambientado na
Cidade do México, este ano fez "La Cocina", um filme ambientado em um
restaurante em Manhattan e filmado em inglês e espanhol. À medida que o México
conta mais de suas próprias histórias, públicos ao redor do mundo estão
assistindo.
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