Milly Lacombe, UOL, 04/12/2021
Eu tinha ingresso para o jogo contra o Palmeiras que poderia decretar o título corintiano. Comprei os ingressos com muita antecedência porque Roberta só sossegava se eu provasse que já tínhamos as entradas. Mas naquele 4 de dezembro de 2011, quando acordei decidi que não iria ao jogo. Não achava que teria força para carregar meu corpo até o Pacaembu sem ela ao meu lado.
Um mês antes, ela tinha partido num acidente de trânsito. Foi embora assim do nada, numa sexta à tardinha, voltando de mais uma corrida no parque. Então, naquele domingo pela manhã eu, que não dormia desde o acidente que tirou Roberta daqui, decidi que não iria ao estádio e nem veria o jogo. Eu não tinha como segurar esse tranco, pensei.
Mas aí minha amiga Paola me ligou e disse que eu iria sim ao jogo. Que eu iria me misturar aos meus e às minhas, que iria celebrar Roberta e tudo o que Roberta mais amou nessa vida, o time do Corinthians.
Em cacos, lá fui eu para o Pacaembu. Me arrastei até o lugar onde ficávamos juntas nas cadeiras e chorei um choro que talvez tenha durado muitos meses. Quando os times se alinharam no circulo central e os corintianos ergueram o punho para homenagear o doutor eu parei de chorar. Ergui o meu também e olhei para o céu. Para onde vão os que partem? Onde estaria minha amiga, minha ex-mulher, meu Google antes de o Google existir? A pessoa que mais entendia de futebol que conheci, a mulher mais alegre que já passou por essas bandas?
Uma certeza eu tive: se a vida não acaba com a morte, então naquele instante Roberta estaria ali. Ao lado do sei maior ídolo, vendo o jogo de uma dimensão na qual as coisas façam mais sentido. E foi naquele momento que senti uma coisa que levei dez anos para compreender, e que só compreendi depois de escutar Mario Marra falando do título brasileiro do seu Galo: gritar Timão é muito mais gostoso do que gritar "É campeão".
Por isso, todas as vezes que o Corinthians entra em campo eu sei exatamente onde ela está. Isso me acalma e me faz sorrir. É muito maior do que a vida por ser também maior do que a morte.
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