sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Genocídio ainda

Colapso em Manaus não é acidente, mas fruto do projeto bolsonarista

 
Parentes assistem a funeral de vítimas da covid-19 no cemitério Nossa Senhora Aparecida  em  Manaus, Amazonas. 
Imagem: Michael DantasI / AFP

 Após deixar milhões de testes para covid-19 vencerem em um depósito do governo em Guarulhos (SP) e apresentar um plano picareta para a distribuição da vacina, o ministro da Saúde e especialista em logística (sic), general Eduardo Pazuello, vê pacientes morrerem sufocados em Manaus por falta de oxigênio.


Pazuello não surgiu de geração espontânea a partir de uma farda vazia num armário. Foi Jair Bolsonaro que o colocou lá. Medalhista na modalidade Arremesso de Responsabilidade à Distância, o presidente correu para jogar a culpa apenas nas costas do governo estadual e da prefeitura local. Na terça (12), afirmou que ambos deixaram acabar o oxigênio e que Pazuello tinha ido à capital para resolver a situação. Medalha de ouro.


Apesar de ter entrado para o anedotário mundial, Maria Antonieta, rainha da França no século 18, nunca disse "se o povo não tem pão, que coma brioches". Também não há registro de que Pazuello tenha dito: "se o manauara quer oxigênio, que engula cloroquina". Mas foi o que, de fato, fez.
Em um dos lances mais bizarros desde que começou a pandemia (e olha que a competição é acirrada), o Ministério da Saúde pressionou a Prefeitura de Manaus a distribuir hidroxicloroquina e ivermectina, remédios usados contra malária, lúpus e infestação por vermes, como tratamento precoce para a covid, como informou o Painel, da Folha de S.Paulo. Poderia ter garantido o estoque de oxigênio ou viabilizado uma vacina, mas optou por forçar para que aceitassem "feijões mágicos".


Se o governo federal, desde o início da pandemia, tivesse assumido a articulação no combate à doença, saberia quando Estados e municípios precisariam de insumos. Assim, problemas seriam evitados e pessoas não morreriam. Transportar pacientes agora é corrigir um erro, não mostrar competência. Preferiu abraçar o vírus como um velho amigo.


É um atestado de incompetência carimbado na testa o fato de que o alerta da falta de oxigênio seja tanto a asfixia de doentes quanto a tortura física e psicológica de profissionais de saúde, obrigados a ventilar manualmente pacientes para afastá-los da morte.


O salto de internações e óbitos em Manaus não é uma situação isolada, portanto, mas o prenúncio de que vem por aí uma evitável colheita de óbitos. Há nuvens escuras no horizonte. Parece uma tempestade.


Leonardo Sakamoto
UOL, 14/01/2021

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