A catástrofe se aproxima
das universidades federais e do sistema de ciência e tecnologia
Em
meio à neblina cerrada que recai sobre o futuro dos conhecimentos científico,
tecnológico, artístico e cultural, provocada pela emenda dita do Teto
(declinante) dos Gastos (EC 95/2016), a rigor, emenda da reforma não consentida
do Estado, a ponta do iceberg emerge ameaçadoramente. Como consagrado no dito
popular, a parte visível da catástrofe que se aproxima oculta a grande massa
submersa, justamente a referida EC 95. Um alerta à comunidade acadêmica:
manobras de pequena envergadura não livrarão o país dos problemas advindos da
obtusa alteração constitucional.
As
dimensões visíveis dos efeitos da EC 95 são importantes e, por isso, devem ser
cuidadosamente examinadas. Em 1º de agosto, a direção da Capes veio a público
para alertar que, com os cortes estimados para 2019, as 93 mil bolsas de pós-graduação
e as 105 mil de formação docente deixarão de ser pagas em agosto. É sistêmico.
Uma semana depois, o presidente do CNPq manifestou a mesma preocupação sobre o
futuro do órgão. A previsão é de que o orçamento despenque do irrisório R$ 1,2
bilhão em 2018 para apenas R$ 800 milhões em 2019. Nem sequer as bolsas poderão
ser pagas. É necessário lembrar que em 2014 o orçamento foi de R$ 2,8 bilhões.
Ademais, em virtude do teto, recursos advindos das empresas para o fomento
científico e tecnológico não poderão ser integralizados no orçamento do CNPq em
2019 por inexistência de limite orçamentário. Com isso, as bolsas de
pós-graduação e de pesquisa e os investimentos em ciência e tecnologia serão
literalmente interrompidos no país.
A
parte visível das consequências sobre a área de ciência e tecnologia é
devastadora. Mas é preciso ampliar o olhar para a destruição do sistema de
educação superior, ciência, tecnologia e inovação em sua amplitude. As
atividades apoiadas pela Capes e pelo CNPq são desenvolvidas, em sua grande
maioria, nas universidades públicas federais, e elas estão sobrevivendo por
meio de respiração artificial, na iminência de risco de colapso. De modo
direto: a crise orçamentária da Capes e do CNPq não pode ser vista de modo
desvinculado do apagão orçamentário das universidades federais. De nada
resolveria alocar mais recursos para a Capes retirando ainda mais recursos das
universidades e institutos federais de educação tecnológica. Tampouco dos
programas destinados à educação básica. Igualmente, de nada resolveria melhorar
os recursos da educação canibalizando as verbas do MCTIC ou do Ministério da
Saúde. O problema real é a armadilha produzida pela EC 95/2016. Nenhum país
sobrevive sem investimentos públicos.
Recente
estudo de Vilma Pinto e Manoel Pires, do Ibre/FGV, confirma o iminente colapso
do funcionamento do Estado Federal. As verbas discricionárias que pagam o
custeio e o investimento dos órgãos federais podem ser reduzidas de R$ 126
bilhões, em 2018, para R$ 100 bilhões em 2019, e, em 2020, para R$ 70 bilhões.
Isso considerando-se que o salário mínimo e a remuneração dos servidores não
serão corrigidos, hipótese socialmente deletéria. Contudo, o custo mínimo da
máquina pública é de R$ 120 bilhões. Episódios como a suspensão da emissão de
passaportes se repetirão em todos os órgãos. Com isso, toda a grande área
associada à ciência será desmoronada ao longo de 2019. A pesquisa não é uma
linha de montagem em que, desligadas as máquinas, elas podem ser religadas em
momento mais favorável. Linhagens de seres vivos precisam ser mantidas.
Processos de investigação são cumulativos. Os jovens pesquisadores e estudantes
precisam de mensagens positivas sobre o futuro. É fantasioso supor que o
mercado irá preencher esse vazio.
Um
exemplo concreto ajuda a dimensionar o problema. Em 2015, na UFRJ, a maior
federal do país, as verbas da União autorizadas pela LOA foram de R$ 341
milhões para o seu custeio e investimentos, sendo que R$ 53 milhões foram
contingenciados. Em 2018, o orçamento da União está reduzido para R$ 282
milhões. E novos cortes estão sendo anunciados. Assim, as verbas de
investimento despencaram de R$ 51 milhões, em 2016, para R$ 6 milhões em 2018.
E com isso prédios estão com a construção interrompida, os prédios prontos
estão sem fornecimento de energia, moradias estudantis ficam atrasadas,
alimentando a evasão de estudantes. E o estoque da dívida somente não cresce em
virtude do forte corte de gastos de custeio empreendido desde 2015, ceifando
mais de 1,3 mil postos de trabalho terceirizados. Mas os cortes chegaram ao
limite.
O
país necessita de uma concertação democrática e comprometida com o
desenvolvimento social, o que requer, obrigatoriamente, recolocar no eixo da
política nacional a valorização do trabalho. É preciso uma coalizão que permita
um pacto republicano que impeça a desorganização do exitoso sistema de ciência
e tecnologia lastreado pelo sistema federal de ensino superior.
A
premissa, lastreada pelas evidências empíricas, é a revogação da EC 95. Frente
à necessidade de sustentabilidade do fundo público, outras medidas mais
abrangentes e inteligentes terão de ser apresentadas, envolvendo reforma
tributária, isenções e renúncias fiscais, melhor abordagem da problemática da
dívida, entre outras. Na transição, é preciso impedir que a EC 95 salgue o solo
do porvir da educação, da ciência, da tecnologia, da arte e da cultura. Para
que as universidades federais não entrem em colapso, a Lei Orçamentária terá de
restabelecer, no mínimo, o montante corrigido da média das LOAs do período
2013-2016, anterior à EC 95, e alocar recursos que possibilitem a conclusão das
obras interrompidas e a correção do orçamento do Programa Nacional de
Assistência Estudantil, assegurando, ao mesmo tempo, que o CNPq e a Capes
recebam o valor real médio do mesmo período.
Jornal do Brasil, 14/08/2018
Roberto Leher
Reitor de Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Roberto Leher
Reitor de Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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