sábado, 25 de agosto de 2018

Violência no Brasil

Violência no Brasil gerou 3,5 vezes mais mortes do que todos os ataques terroristas no mundo em 2017

Renato Sérgio de Lima, Folha de São Paulo, 24/08/2018

Enquanto vários políticos surfam na onda do pânico da população e defendem violência e vingança como fórmula para reduzir o crime, o Brasil vai batendo recordes e mais recordes de violência e dá provas que está em acelerado processo de desconsolidação democrática e civilizatória.

Não estamos sendo capazes de compreender a urgência de uma ampla coalização em torno de um projeto de redução da violência letal no país. E, nesta toada, tornamo-nos insensíveis ao sofrimento provocado pela violência do crime e pela insensatez violenta das políticas públicas.

A maior evidência do fracasso do Brasil em prevenir a violência e controlar o medo e o crime em seu território é a cifra de casos de mortes violentas intencionais registrada em 2017: 63.880 casos.

Para se ter uma ideia da magnitude deste número, ele é três vezes e meia maior do que o total de mortes provocadas por todos os atos terroristas ocorridos no mesmo ano no mundo, segundo dados do Jane`s Terrorism and Insurgency Center. Em 2017, o mundo teve 18.475 pessoas assassinadas em ataques terroristas.

Se estes números parecem exagerados, aqueles observados para o período 2014-2017, são ainda mais emblemáticos, pois reforçam, a ideia de que vivemos em um permanente estado de exceção. Em 4 anos, o mundo registrou 124.382 vítimas fatais do terrorismo. E, no Brasil, foram mortas 243.545 pessoas de modo intencionalmente violento no mesmo período.

Porém, se desde 2001, quando dos ataques às Torres Gêmeas, em Nova Iorque, o mundo foi forçado a aprender, a um custo abominável de vidas e de dor, sobre os riscos e a perversidade do terrorismo contemporâneo, o Brasil teima em acreditar em promessas vazias e em salvadores da pátria e não se mobiliza.

O mundo mudou completamente a partir do 11 de setembro de 2001, mas nós ainda ficamos à espera da procissão de milagres narrada por Sérgio Buarque no livro Visão do Paraíso, de 1959.

Enquanto vemos o tempo passar, o país não parece muito preocupado com a vida de milhões de jovens, em sua maioria pobres e negros, que são mortos todos os anos. E, se a violência é uma das marcas mais profundas da nossa história, o momento atual a traz à tona de modo muito intenso e inédito em razão das novas configurações do crime organizado em torno de drogas e armas e da forma como o Estado, em suas múltiplas instâncias e poderes, tem insistido em tratá-las.

Reportagem de Flávio Costa e Luís Adorno, no UOL, mostra que o território nacional está tomado por uma guerra entre as várias organizações criminais existentes e que, a partir da disputa pela hegemonia no mundo do crime, o PCC (Primeiro Comando da Capital), tem usado as prisões como plataforma de invasão e dominação de territórios.

Há uma guerra entre facções que mimetiza técnicas do terrorismo político e religioso e, como se fosse algo quase que “naturalizado”, vemos cenas de decapitações sem maior indignação e ação por parte das autoridades.

Mas o mais surreal é ver que os políticos que assumem a valentia retórica da violência como melhor resposta para o crime, esquecem-se que os principais líderes do PCC e das demais grandes facções criminosas estão presos. O problema, portanto, não é prender, mas sufocar a capacidade das organizações criminosas em se financiarem.

Nenhum desses falsos profetas disse o que pretende fazer para achar e bloquear o dinheiro que move o crime organizado no país. É mais pop defender invasões bélicas às comunidades tomadas pelo tráfico, mesmo que ao custo de mortes de todos os lados, como os 3 militares do Exército Brasileiro e os 8 moradores, vítimas do confronto no Complexo do Alemão, na semana última.

Estamos banalizando a morte e estamos nos tornando insensíveis à dor e ao sofrimento da população que vive sob o fogo cruzado da tirania do crime organizado e da completa incapacidade do Poder Público em unir esforços em torno de um projeto de nação verdadeiramente democrático e informado pela nossa Constituição Cidadã.

Demagogos denunciam a agenda de direitos como excessiva ou de “esquerda”, mas são estes mesmos que, ao proporem jogar direitos na “latrina”, escondem que estão protegidos por coletes à prova de bala e por seguranças fortemente armados. É fácil explorar o medo e denunciar direitos quando se é político profissional e o sofrimento alheio é visto como mera oportunidade de angariar votos.

https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/08/24/violencia-no-brasil-gerou-35-vezes-mais-mortes-do-que-todos-os-ataques-terroristas-no-mundo-em-2017/

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Porque escrevo (Ensaios de risco)

Tati Bernardi

Otavio (Frias Filho)* topou escrever a orelha do meu livro sobre medos e crises de ansiedade, e eu, muito agradecida e emocionada, o convidei para almoçar. Finda a sobremesa, eu já angustiada querendo prolongar o papo, fiz o seguinte trato comigo: vou ler "Queda Livre - Ensaios de Risco" ainda esta semana e mandar um email bem caprichado para que, talvez, se eu tiver muita sorte, iniciemos uma amizade. Não li o livro (até esta manhã; e a leitura está sendo muito intensa porque o conteúdo trata sobre o temor da morte e, não obstante, a coragem, apurada e honesta, com a qual o autor se lança a pulsões que o aproximam dela). Nunca escrevi o email.

Na faculdade, a Priscila fez uma festa e chamou praticamente a classe inteira —menos eu. Encasquetei com aquela menina tímida e magrela e não descansei enquanto não consegui ser a sua melhor amiga. Várias vezes na semana, caminhávamos até o antigo Espaço Unibanco para ver filmes, comer pães de queijo e coçar as canelas. Estávamos aprendendo a dirigir, a suportar o estágio que não nos agradava e a lidar com rapazes que nunca mais telefonavam —tudo isso (mais a moda de usar meia-calça) nos dava a mesma alergia naquela parte das pernas. Vivemos grudadas por mais de uma década, até que ela se casou e mudou para Paris. Durante anos, ela me convidou insistentemente para visitá-la. Nunca dava tempo, nunca cabiam na minha vida fóbica esses dias incríveis que alargariam meus limites. Então ela morreu.

Li o brilhante livro de contos "Jeito de Matar Lagartas" e adicionei o escritor Antonio Carlos Viana no Facebook. Ele topou a aproximação virtual e me surpreendeu com uma mensagem na qual dizia que andava me lendo e gostando. Convidou-me então para um pequeno evento que organizava em Aracaju, chamado Autor do Mês. Achei longe demais, quente demais, em cima da hora demais. Vi as fotos, uma turminha ótima, animada, encantadora. Pouco tempo depois, Antonio parou de responder a minhas mensagens, e em seguida eu soube da sua morte.

Quando me perguntam para quem eu escrevo, sempre respondo que para ninguém ou para a parte de mim que não pode surtar. Mas a verdade é que escrevo para tocar interlocutores possíveis, perspectivas de uma vida menos chata, menos óbvia, menos superficialmente sufocante. Escrevo para que alguém possa entender e me explicar meus escritos. Escrevo para autores melhores e maiores como Antonio Carlos Viana, na tentativa de ser catapultada da minha medida. Escrevo porque não fui a Paris, não fui a Sergipe, não irei a mais almoços com Otavio.

Escrevo para dar conta da saudade que sinto de fazer gargalhar minha amiga Priscila, ela me pedindo: "Para, que vergonha!", mas se divertindo com minhas palhaçadas. Escrevo para organizar, na minha caixa de "tudo o que tem no mundo", um troço chamado câncer e seu efeito nefasto que abrevia a existência de melhores amigos e de amigos sonhados.

Escrevo para imaginar o abraço que eu teria dado no grupo de leitura do evento Autor do Mês e o que Otavio teria respondido à minha tentativa desesperada de ser sua amiga. Escrevo porque sou desesperada para ser amiga das pessoas.

Diferente de Otavio, não pulei de paraquedas, não tomei Santo Daime, não atuei numa peça de teatro, não mudei a história do jornalismo no Brasil. Mas escreverei para sempre (e sobretudo, enquanto puder, para este jornal) pensando na honra deste espaço, daquele almoço e de ter sido lida por ele.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatibernardi/https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatibernardi/  24/08/2018

*Otavio Frias de Oliveira Filho (São Paulo, 7 de junho de 1957 - São Paulo, 21 de agosto de 2018) foi um jornalista brasileiro. Foi diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo e diretor editorial do Grupo Folha, o qual herdou de seu pai, Octávio Frias de Oliveira. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Catástrofe a vista


A catástrofe se aproxima das universidades federais e do sistema de ciência e tecnologia
Em meio à neblina cerrada que recai sobre o futuro dos conhecimentos científico, tecnológico, artístico e cultural, provocada pela emenda dita do Teto (declinante) dos Gastos (EC 95/2016), a rigor, emenda da reforma não consentida do Estado, a ponta do iceberg emerge ameaçadoramente. Como consagrado no dito popular, a parte visível da catástrofe que se aproxima oculta a grande massa submersa, justamente a referida EC 95. Um alerta à comunidade acadêmica: manobras de pequena envergadura não livrarão o país dos problemas advindos da obtusa alteração constitucional. 
As dimensões visíveis dos efeitos da EC 95 são importantes e, por isso, devem ser cuidadosamente examinadas. Em 1º de agosto, a direção da Capes veio a público para alertar que, com os cortes estimados para 2019, as 93 mil bolsas de pós-graduação e as 105 mil de formação docente deixarão de ser pagas em agosto. É sistêmico. Uma semana depois, o presidente do CNPq manifestou a mesma preocupação sobre o futuro do órgão. A previsão é de que o orçamento despenque do irrisório R$ 1,2 bilhão em 2018 para apenas R$ 800 milhões em 2019. Nem sequer as bolsas poderão ser pagas. É necessário lembrar que em 2014 o orçamento foi de R$ 2,8 bilhões. Ademais, em virtude do teto, recursos advindos das empresas para o fomento científico e tecnológico não poderão ser integralizados no orçamento do CNPq em 2019 por inexistência de limite orçamentário. Com isso, as bolsas de pós-graduação e de pesquisa e os investimentos em ciência e tecnologia serão literalmente interrompidos no país. 
A parte visível das consequências sobre a área de ciência e tecnologia é devastadora. Mas é preciso ampliar o olhar para a destruição do sistema de educação superior, ciência, tecnologia e inovação em sua amplitude. As atividades apoiadas pela Capes e pelo CNPq são desenvolvidas, em sua grande maioria, nas universidades públicas federais, e elas estão sobrevivendo por meio de respiração artificial, na iminência de risco de colapso. De modo direto: a crise orçamentária da Capes e do CNPq não pode ser vista de modo desvinculado do apagão orçamentário das universidades federais. De nada resolveria alocar mais recursos para a Capes retirando ainda mais recursos das universidades e institutos federais de educação tecnológica. Tampouco dos programas destinados à educação básica. Igualmente, de nada resolveria melhorar os recursos da educação canibalizando as verbas do MCTIC ou do Ministério da Saúde. O problema real é a armadilha produzida pela EC 95/2016. Nenhum país sobrevive sem investimentos públicos. 
Recente estudo de Vilma Pinto e Manoel Pires, do Ibre/FGV, confirma o iminente colapso do funcionamento do Estado Federal. As verbas discricionárias que pagam o custeio e o investimento dos órgãos federais podem ser reduzidas de R$ 126 bilhões, em 2018, para R$ 100 bilhões em 2019, e, em 2020, para R$ 70 bilhões. Isso considerando-se que o salário mínimo e a remuneração dos servidores não serão corrigidos, hipótese socialmente deletéria. Contudo, o custo mínimo da máquina pública é de R$ 120 bilhões. Episódios como a suspensão da emissão de passaportes se repetirão em todos os órgãos. Com isso, toda a grande área associada à ciência será desmoronada ao longo de 2019. A pesquisa não é uma linha de montagem em que, desligadas as máquinas, elas podem ser religadas em momento mais favorável. Linhagens de seres vivos precisam ser mantidas. Processos de investigação são cumulativos. Os jovens pesquisadores e estudantes precisam de mensagens positivas sobre o futuro. É fantasioso supor que o mercado irá preencher esse vazio. 
Um exemplo concreto ajuda a dimensionar o problema. Em 2015, na UFRJ, a maior federal do país, as verbas da União autorizadas pela LOA foram de R$ 341 milhões para o seu custeio e investimentos, sendo que  R$ 53 milhões foram contingenciados. Em 2018, o orçamento da União está reduzido para R$ 282 milhões. E novos cortes estão sendo anunciados. Assim, as verbas de investimento despencaram de R$ 51 milhões, em 2016, para R$ 6 milhões em 2018. E com isso prédios estão com a construção interrompida, os prédios prontos estão sem fornecimento de energia, moradias estudantis ficam atrasadas, alimentando a evasão de estudantes. E o estoque da dívida somente não cresce em virtude do forte corte de gastos de custeio empreendido desde 2015, ceifando mais de 1,3 mil postos de trabalho terceirizados. Mas os cortes chegaram ao limite.  
O país necessita de uma concertação democrática e comprometida com o desenvolvimento social, o que requer, obrigatoriamente, recolocar no eixo da política nacional a valorização do trabalho. É preciso uma coalizão que permita um pacto republicano que impeça a desorganização do exitoso sistema de ciência e tecnologia lastreado pelo sistema federal de ensino superior.  
A premissa, lastreada pelas evidências empíricas, é a revogação da EC 95. Frente à necessidade de sustentabilidade do fundo público, outras medidas mais abrangentes e inteligentes terão de ser apresentadas, envolvendo reforma tributária, isenções e renúncias fiscais, melhor abordagem da problemática da dívida, entre outras. Na transição, é preciso impedir que a EC 95 salgue o solo do porvir da educação, da ciência, da tecnologia, da arte e da cultura. Para que as universidades federais não entrem em colapso, a Lei Orçamentária terá de restabelecer, no mínimo, o montante corrigido da média das LOAs do período 2013-2016, anterior à EC 95, e alocar recursos que possibilitem a conclusão das obras interrompidas e a correção do orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil, assegurando, ao mesmo tempo, que o CNPq e a Capes recebam o valor real médio do mesmo período.

Jornal do Brasil, 14/08/2018
Roberto Leher
Reitor de Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)


sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A dor da existência

A guerra do Vietnam

“Quando um bom soldado vai à luta e mata seu primeiro inimigo ele está realmente com medo. Ele está com muito medo, porque matar alguém é aterrorizante. Mas depois você se acostuma com isso. A guerra desperta uma selvageria nas pessoas
Estive na floresta por muito tempo. Os animais não são tão selvagens assim.
Tigres não são tão selvagens. Tigres matam quando precisam comer. Mas as pessoas não se matam porque estão com fome. Quando as pessoas matam e mutilam essa é a selvageria da guerra.” (Nguyen Ngoc - Exército Norte-Vietnamita)

O depoimento acima é do documentário The Vietnam War, 2017, de Ken Burns e Lyn Novick, https://www.imdb.com/title/tt1877514/,  (atualmente na Netflix). São 17 horas de vídeo distribuídas e 10 episódios. A selvageria da guerra, suas atrocidades, matança e horror são mostrados de forma contínua e devastadora. Um holocausto com 60 mil mortes de um lado (EUA) e cerca de 2 milhões de vietnamitas. Bombas foram lançadas como não se viu durante a 2ª Guerra. Vilas inteira foram destruídas junto com crianças, mulheres e homens civis.

“Nossas crianças são apenas emprestadas para nós”, declaração da mãe de Danton Wislow Crocker Jr., morto em 1966, aos 19 anos, na guerra do Vietnam.


Uma imagem impactante deste genocídio é a foto acima de Nick Ut. Já na fase final da guerra, estarreceu o mundo na época. E mostrou o horror da guerra.

A essência da existência é a dor (Schopenhauer)

No filme Apocalipse Now, 1979 de Francis Ford Coppola, https://www.imdb.com/title/tt0078788/ tem uma cena central que reproduz o que foi esta guerra. O agonizante Coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando) em sua última declaração em vida. Horror



Este é o fim / Belo amigo / Este é o fim / De nossos planos elaborados, o fim / De tudo que está de pé, o fim (da música The end dos Doors que dá o tom no filme ) 


O documentário de Ken Burns e Lyn Novick me trouxe de volta minhas convicções antibelicistas. E a sensação de “o que e para que estamos aqui?”

Joaquim

Deu no Aqui notícias.com, 07/08/2918 (*): 
Um crime chocou a região de Brejetuba,ES, na tarde desta segunda-feira (6). Um trabalhador rural, identificado como Joaquim Sabino de Oliveira, 24 anos, matou o filho Ícaro Sabino de Oliveira Miranda, de apenas dois anos, e em seguida se matou em sua residência na localidade de Córrego São Domingos, interior do município, próximo à divisa com Minas Gerais.
Segundo as informações da Polícia Militar, o pai usou um pedaço de arame para matar o filho e com o mesmo tipo de material se matou em seguida. O corpo da criança estava pendurado a cerca de um metro de altura acima do chão. A perícia foi acionada e encaminhou os corpos para o Serviço Médico Legal (SML) de Cachoeiro de Itapemirim. 

A hipótese de vingança existe. Joaquim tinha a guarda compartilhada do filho. A separação do casal teria provocada a ira assassina do pai.

A selvageria do cotidiano. 

Joaquim não é um tigre, é um humano.

Existir dói. Dor que se disfarça, mas não se esconde. (Bruno Mello Souza)