POR VLADIMIR SAFATLE, hoje na “FOLHA”
A Nova República acabou. Qualquer análise honesta da situação brasileira
atual deveria partir dessa constatação. O modelo de redemocratização
brasileiro, que perdurou 30 anos, baseava-se em um certo equilíbrio produzido
pelo imobilismo.
Desde o momento em que FHC se sentou com ACM e o PFL para estabelecer a
“governabilidade”, a sorte da Nova República estava selada. Frentes
heteróclitas de partidos deveriam ser montadas acomodando antigos trânsfugas da
ditadura e políticos vindos da oposição em um grande pacto movido por barganhas
fisiológicas, loteamento de cargos e violência social brutal.
O resultado foi um sistema de freios que transformou os dois maiores
grupos oposicionistas à ditadura (o PT e o núcleo mais consistente do PMDB, a
saber, o que deu no PSDB) em gestores da inércia. Com uma “governabilidade”
como essa, as promessas de mudanças só poderiam gerar resultados bem menores do
que as expectativas produzidas.
Mas a Nova República tinha também um certo princípio de contenção por
visibilidade. No auge da era FHC, José Arthur Giannotti cunhou a expressão
“zona cinzenta de amoralidade” para falar do que ele entendia ser um espaço
necessário de indeterminação das regras no interior da dita democracia com sua
“gestão de recursos escassos”.
Essa zona de amoralidade, mesmo tacitamente aceita, deveria saber
respeitar uma certa “linha de tolerância”, pressuposta na opinião pública.
Havia coisas que não poderiam aparecer, sob pena de insuflar a indignação
nacional.
Giannotti acreditava falar da essência da democracia, mas estava, na
verdade, a fornecer involuntariamente o modo de funcionamento das misérias da
Nova República: um acordo fundado sobre uma zona cinzenta de amoralidade
resultante de disfunções estruturais e democratização limitada.
Mesmo isso, no entanto, é coisa do passado. O primeiro sintoma do fim da
Nova República é a pura e simples gangsterização da política e a brutalização
das relações sociais. Não há mais “linha de tolerância” a respeitar, pois não é
mais necessário um “pacto pelo imobilismo”.
Pacto pressupõe negociação entre atores que têm força e querem coisas
distintas. Mas todos os principais atores políticos da Nova República já estão
neutralizados em seu risco de mudança. Os que não querem a mesma coisa não têm
mais como transformar seu desejo em ação.
Assim, como não há mais linha de tolerância a respeitar, o outrora
impensável pode ser mostrado, desde que sirva para desestabilizar o governo de
plantão.
Por exemplo, foi como um sindicato de gângsteres que o Congresso
Nacional e seu presidente agiram na semana passada ao convocar, para uma CPI de
fantasia, a advogada de defesa de denunciantes da Operação Lava Jato, a fim de
intimidá-la.
De toda forma, só uma política gangsterizada pode aceitar que o
presidente da Câmara seja um indiciado a usar seu cargo para, pura e
simplesmente, intimidar a Justiça, como se estivesse na Chicago dos anos 1930.
Dilma acreditava ainda estar na Nova República ao rifar seu governo para
economistas liberais. Seu cálculo era: “Se eu garantir que não haverá nenhuma
mudança drástica de rota, serei preservada no governo”. Esse raciocínio, no
entanto, não serve mais.
Como é, atualmente, indiferente saber quem está no governo, pois todos
sabem que nenhuma mudança drástica de rota virá, a rifa de Dilma não garantirá
sua sobrevida.
Em um contexto de crise dessa natureza (e, antes de ser econômica, a
crise brasileira é política, é a marca do fim de uma era política) a única
solução realmente possível é caminhar ao que poderíamos chamar de “grau zero da
representação”.
Não há, hoje, mais atores políticos no Brasil. Os principais foram
testados e falharam, e é desonestidade intelectual acreditar que uma simples
troca de presidente mudará algo. Por isso, o poder instituinte precisa se
apresentar diretamente, com o mínimo de representação possível. Ao
apresentar-se enquanto tal, o poder instituinte pode impulsionar um processo de
constituição de novos atores e novas formas.
O parlamentarismo tem a possibilidade de convocação de eleições em
situações de crise. O presidencialismo brasileiro precisaria de tal
flexibilidade para, no caso, convocar eleições gerais, tendo em vista, entre
outros objetivos, a dissolução deste Congresso e a convocação de uma assembleia
constituinte capaz de refundar a institucionalidade política nacional.
Assembleia para a qual poderiam se apresentar candidatos independentes,
fora de partidos políticos, com controle estrito do poder econômico. A saída da
crise não se dará por meio de conchavos de bastidores, mas pela radicalização
da democracia. Como já se disse antes, há horas que você precisa deixar os
mortos enterrarem seus mortos e seguir outro caminho.
http://blogdojuca.uol.com.br/2015/08/deixe-os-mortos-enterrarem-seus-mortos/
Não consigo ver saída... Nem com a dissolução deste Congresso e a convocação de uma assembleia. Os atores serão sempre os mesmos.
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