"Mulher é a mãe, o resto é puta". Foi a última frase dita em vida por um sujeito chamado Tomé. Levou dois tiros na cabeça e morreu instantaneamente. Segundo a polícia as balas foram de uma pistola semiautomática, calibre 9 mm.
Antônio, conhecido como Tonho, terminou sua vida de matador assassinando o Édipo de nome Tomé. "Ora, quem diz tamanha besteira tem que morrer, né" disse mais tarde o matador.
Hoje, Tonho se encontra preso numa penitenciária no interior do estado de São Paulo. A uma jornalista que o entrevistou disse que seus crimes foram motivados pela raiva, pela ira.
Tonho foi criado no meio rural com as árvores, os passarinhos, répteis e feras, cada um conforme a sua espécie como diz a bíblia (Gênesis). Sempre entrou e saiu pela porta dos fundos, nunca pela porta principal. Sua mãe foi (e é até hoje) empregada doméstica. O pai trabalhador na roça. Roça dos outros. Empregado de patrão sovina.
Quando garoto Tonho teve contato com sua primeira arma: o estilingue. Mas o uso desta arma era para defesa contra outros garotos. Tonho nunca matou passarinho ou qualquer outro bicho. E nunca sofreu bullyng na escola. Sempre era visto com o estilingue na cintura e algumas pedras no bolso.
Quando jovem se deparou com a primeira arma de fogo. Uma 38 de um tio. Ficou vislumbrado e pensou: ah! xá comigo, um dia terei uma.
Não demorou. No Natal seguinte o tio presenteou Tonho com o vislumbre mortal.
Aos 18 anos Tonho saiu da roça e se mandou para uma cidade do interior paulista. Auxiliar de pedreiro foi seu primeiro emprego. Dava para as pingas. Nos dias de folga passava nos botecos e com as mulheres da zona. Lá conheceu Zirma, uma ruiva bonita e fogosa. Ficou encantado com a pistoleira, mas com um grilo na cabeça. "Zirma? De onde veio o teu nome, mulher?". Ela respondeu: "sei lá, meu pai era um maluco. Dizia que na época em que nasci estava lendo as aventuras de Marco Polo".
Zirma gostava de rodeio. E lá foram na festa do peão da cidade. Foi a primeira vez que Tonho assistiu uma montaria com boi bravo. Ficou chocado com a violência contra o animal. "Porra, além da corda na virilha o peão sangra o bicho na espora" pensou Tonho. Lembrou-se da avó, descendente de índio e benzedeira. Índio não maltrata bicho. Não deu outra. Antes dos 8 segundos de guerra entre os dois, peão e boi, o primeiro leva um tombo e caiu de cabeça na cerca de aço da arena. Venceu o boi. Tonho presenciou o peão todo encoberto de sangue. Morreu antes de chegar ao hospital.
Num sábado chuvoso de verão Tonho passeava pela cidade. Viu um sujeito com uma serra elétrica cortando um ipê-roxo. Ele conhecia árvore. "Ei, porque está cortando este ipê?" perguntou Tonho. "Sei não, pergunte ao meu chefe ali na frente". Resposta do chefe: "os vizinhos aqui da região reclamam que os passarinhos fazem bagunça nesta árvore logo cedo a partir das 6 horas da manhã". Tonho: "isto é um absurdo! Árvore é para isto mesmo, abrigar passarinho. Estes caras estão loucos!". Chefe: "olha aqui ô mané, quem é você para impedir meu serviço? Sai fora. E já". O sangue ferveu na cabeça de Tonho. Infelizmente portava na cintura uma 9 mm, 7+1. Aí foi um sapeca-iaiá. Em 10 segundos o corpo do chefe jazia morto no chão com uma bala na cabeça e outra no tórax.
Tonho se escafedeu. Abandonou a cidade, abandonou Zirma . Mandou-se para o interior de Minas Gerais.
Nesta cidade foi gari, servente de pedreiro e no final trabalhou numa padaria. Virou padeiro. Apesar de clandestino tinha vida tranquila. Ficou um tempão sem qualquer sapeca-iaiá.
Até um dia em que a ira de Tonho voltou.
Numa fila de banco a sua frente um sujeito barrigudo, camisa semiaberta, corrente Grumet dourada no pescoço e pulseira combinando no pulso, além de óculos Ray-ban. Conversava alto no celular. Ambiente fechado e fila interminável. Tonho conhecia o cara. Um chato de galocha. Depois de 20 minutos, a paciência foi pro espaço. Tonho se fez o porta-voz de todos e todas da fila. E disse ao sujeito: "ô meu, manera aí, tá todo mundo de saco cheio com esta merda de fila e você falando nessa altura! Conversa lá fora que eu guardo teu lugar na fila". A resposta, depois de o sujeito desligar o celular: "olha aqui, ô padeirinho de merda, quem é você pra me dizer o que tenho que fazer? Vá te catar, vai a merda!" E voltou a ligar o telefone. O sangue ferveu em Tonho. Ato contínuo tomou o aparelho da mão do cara, colocou no chão e pisou em cima destroçando todo. A turma da fila ficou estupefata. E o tempo fechou. Teve de tudo: rabo de arraia, gancho de direita, pé na moleira, joelhadas... No final o sujeito conseguiu, em cima de Tonho, esgana-lo. Aí não teve jeito. Tonho sacou da 9 mm. Tá lá o corpo do mastodonte estendido no chão ensanguentado com um tiro no olho e dois no peito.
Tonho se escafedeu de novo. Abandonou a cidade.
O assassinato do mastodonte foi o penúltimo cometido por Tonho. O último foi o do Édipo de nome Tomé. Neste não teve como escapar. Foi preso e se encontra num penitenciária do interior paulista.
A jornalista que o entrevistou quis saber mais. "Antônio, os crimes cometidos pelo senhor, que temos notícia, me parece que têm coisas em comum. Clareando: árvore e o passarinho, falta de educação no caso do celular e o machismo de "mulher é mãe o resto é puta". O que o senhor pensa disto?".
Tonho pensou 30 segundos e respondeu: "hoje estou beirando os 55 anos e já fiz muita besteira na vida. Porque matei? Sei não, mas você conhece a estória do escorpião e o sapo?" Após a negativa da jornalista, Tonho contou a estória.
Um escorpião aproximou-se de um sapo que estava na beira de um rio e lhe fez um pedido: "Amigo sapo, você poderia me carregar até a outra margem deste rio tão largo". O sapo respondeu: "Só se eu fosse louco! Você vai me picar e eu vou ficar paralisado e afundar". Disse o escorpião: "Isso é ridículo! Não tem lógica. Se eu o picasse, ambos afundaríamos e nos afogaríamos". Confiando na lógica do escorpião, o sapo concordou e levou o escorpião nas costas, nadando para atravessar o rio. Quando chegaram ao meio do rio, o escorpião cravou seu ferrão no sapo. Atingido pelo veneno, e já começando a afundar, o sapo voltou-se para o escorpião e perguntou: "Por que você fez isto? Agora nós dois vamos morrer. Que lógica é esta?" E o escorpião respondeu: "Eu sei, não tem lógica nenhuma. Sou um escorpião e esta é a minha natureza.".
E Tonho finalizou à jornalista: "Sou escorpião, minha filha".
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