sexta-feira, 2 de março de 2012

Metodologia científica

1. Introdução
As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação Engenharia (Resolução CNE/CES 11), no que diz respeito à iniciação científica ou à metodologia científica, sugere as seguintes recomendações: (a) aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, tecnológicos e instrumentais à engenharia; (b) projetar e conduzir experimentos e interpretar resultados; (c) conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos; (d) identificar, formular e resolver problemas de engenharia; (e) desenvolver e/ou utilizar novas ferramentas e técnicas; (f) comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica; (g) atuar em equipes multidisciplinares; (h) avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental; (i) avaliar a viabilidade econômica de projetos de engenharia.
Estas recomendações dão a medida do que seria a formação em engenharia para além dos conteúdos programáticos necessários: o conhecimento-estrutura (o como fazer), isto é, o conhecimento construído que funciona como condição de assimilação de qualquer conteúdo (Becker). Faremos a seguir uma reflexão sobre o que seria uma metodologia científica contextualizada na formação em engenharia.
2. Uma crítica à metodologia cartesiana

Seria a metodologia científica um conjunto de diretrizes que orienta uma investigação científica? Seria, mas cabe aqui uma reflexão. Este conjunto de diretrizes por si só não garante os resultados desejados numa pesquisa. Para Mirian Limoeiro (Cardoso, 1976):
"Numa epistemologia cartesiana o método se reduz a um conjunto de regras que por si só garantem a obtenção dos resultados desejados. O investigador que as conheça bem e que consiga agir puramente de acordo com elas chegará certamente a bom termo no seu trabalho. Haverá, portanto, modos - uns corretos, outros não - de atingir o conhecimento científico. Nesse sentido ele se identifica como técnica, supostamente válida para a utilização nos mais diversos domínios da ciência, que é assim considerada unicamente nos seus aspectos substantivos. O pesquisador é aqui levado a adotar os padrões aceitos e estabelecidos do "método científico" sem uma discussão mais profunda dos critérios de cientificidade segundo os quais deva acatá-los e não a outros.

A metodologia não se restringe a uma técnica e muito menos tem o caráter de camisa de força. Ela está a serviço da pesquisa e não o inverso. As diretrizes que orientam o trabalho científico podem se adequar ao processo não impedindo a criatividade e a autonomia.
O filme Bola de fogo (Ball of fire), 1941, dirigido por Howard Hawks e escrito por Billy Wilder conta a estória de oito professores voltados exclusivamente para a elaboração de uma enciclopédia. Nenhum deles é casado, pois acredita-se que ter uma família é prejudicial ao andamento dos trabalhos. Beltram Potts (Gary Cooper), o mais novo, tem como função preparar a parte de literatura inglesa e pretende incluir em seu trabalho as mais variadas formas de gíria.
O filme critica a forma "erudita" e livresca de tratar o conhecimento. Numa parte do filme o Garbage Man - lixeiro (Jen Jenkins) entra no local de trabalho dos professores pedindo ajuda, pois ele queria participar de um concurso com prêmios numa rádio. A pergunta era sobre a morte de Cleópatra. De pronto veio a resposta: Cleópatra, rainha do Egito, filha de Ptolomeu XIII, nascida em 69 a.C. se matou em 29 de agosto de 30 a.C. pondo uma áspide no busto. Obviamente tiveram que explicar ao lixeiro que áspide é uma pequena cobra, pois ele não entendia o "inglês culto" dos professores.
Esta conversa deixou Potts encabulado. Entendeu muito pouco do que o Garbage Man falava. A partir daí tomou uma decisão.
- Pesquisar.
- Pesquisar o quê?
Responderam os colegas.
- Não ouviram o Garbage Man? Não entendi nada do que disse. Terminei meu artigo sobre gírias. 23 páginas tiradas de 12 livros de referência. 800 exemplos. E daí? São 800 exemplos que posso jogar no lixo. Está obsoleto.
- Vivendo aqui isolado, perdi contato com o mundo. Isso é imperdoável. Ele falou na língua viva. Eu embalsamei expressões mortas. Aonde vou? Coletar dados novos. Buscá-los nas fontes da gíria, nas principais fontes. Nas ruas, nos bairros pobres. Lamento ter perdido tempo... mas preciso fazer isso. De um colega de Potts: - Estou escrevendo sobre Saturno. Eu insisto em ir até Saturno?
A decisão de Potts foi de mudança metodológica durante a investigação. Mudou do método documental para a pesquisa de campo. E o professor de astronomia muda de método? Não. Inviável pesquisa de campo em Saturno. Continua com o método documental. No máximo atualiza os dados obtidos de observações astronômicas sobre Saturno.

3. O fazer diante de um problema novo: o planejamento da pesquisa
Existe construção de conhecimento quando perguntamos. E gerenciamos dúvidas. Sem pergunta não há conhecimento novo ou aprendizagem. O que, porque, como e quando fazer sintetiza nossas ações quando estamos enfrentando um problema novo. De outra forma podemos dizer que uma pesquisa tem objetivos, justificativas, metodologia e cronograma.
Escolhido o problema deve-se investigar o que existe no mundo sobre o tema. É o que denominamos de revisão ou estado da arte. Corresponde a um inventário do conhecimento sobre o que se pretende pesquisar. A partir desta revisão delimitamos nossas possíveis abordagens e conteúdos.
O passo seguinte será pensar o como enfrentar o problema. Quais metodologias são possíveis. Esta é uma fase delicada do processo. A escolha do como fazer. Será uma pesquisa apenas documental e normas técnicas? Terá desenvolvimento de software? Haverá simulações? E o desenvolvimento de protótipos em laboratório? Como será?
A fase final será o quando fazer. O cronograma a ser respeitado para o desenvolvimento do trabalho. É comum vincular as fases do cronograma aos passos da metodologia.
Laville e Dionne formulam o desenvolvimento do método científico baseado em quatro fases correlacionadas: (a) proposição e definição do problema; (b) elaboração de uma hipótese; (c) verificação da hipótese e (d) conclusão. Tem o enfoque nas ciências humanas, mas pode servir de orientação a outras áreas. A Figura 1, abaixo, apresenta um detalhamento destas fases em forma de mapa (cmap.ihmc.us).

Figura 1:Construção do saber na visão de Laville e Dionne
4. A normatização: forma e conteúdo
Terminado o planejamento da pesquisa passa-se à sua execução. Um procedimento importante nesta fase são os registros de tudo que se faz. Referências consultadas, procedimentos em laboratório, resultados preliminares em simulações e outros. O recomendável é fazer um diário de pesquisa. Isto ajuda a refletir sobre o trabalho e auxilia na confecção do relatório final.
Cabe aqui uma observação sobre a prática e a teoria. Junto do saber trabalhar com instrumentos de laboratório e dispositivos é importante o saber como organizar procedimentos e saber analisar os resultados coletados nas medidas. Experiência não é o que se fez, mas o que se faz com aquilo que se fez (Adous Huxley).
A redação do relatório final do trabalho é normatizada pela ABNT. A Biblioteca Central de UFES disponibiliza dois cadernos com orientações sobre o tema: Referências bibliográficas (NBR 6023-ABNT) e Trabalhos científicos e acadêmicos. A Tabela 1, abaixo, sintetiza uma estrutura de texto para o relatório final.
Durante a graduação e pós-graduação são realizados trabalhos científicos com especificidades inerentes ao nível de escolaridade. São eles: Iniciação Científica (IC), Projeto de Graduação (PG) ou Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Monografia, Dissertação, Tese e Artigo Científico (Moretti). Todos têm um relatório ou texto final e dependendo da instituição podem ou não ter apresentação pública.
IC e PG são trabalhos de graduação que apresentam conhecimento novo, embora não necessariamente inédito. A monografia é um estudo científico de uma questão bem determinada e limitada, realizado com profundidade. É um estudo mais aprofundado que um trabalho de graduação. Uma dissertação de mestrado é condição exigida para obtenção do grau de "mestre". Possui uma originalidade e um aprofundamento maiores em se tratando das questões abordadas no trabalho científico, quando comparada com a monografia. Uma tese de mestrado ou doutorado refere-se ao estudo de uma hipótese formulada com originalidade e de real contribuição para a comunidade científica. Além de apresentar todas as características (enquanto pesquisa científica) presentes em uma monografia e em uma dissertação, uma tese de doutorado destaca-se quanto ao aspecto profundidade. Ou seja, o tema é investigado e delimitado com hipóteses mais específicas. O artigo científico se caracteriza por ser um trabalho científico sobre um tema específico.

FOLHA DE ROSTO (Inclui essencialmente título e subtítulo, autoria, data e local)
DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTOS
APRESENTAÇÃO OU PREFÁCIO
LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS, TELAS ETC
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
O problema, sua origem, sua importância
A pesquisa realizada
O que apresenta a seguir seu relatório
O PROBLEMA
Elaboração do problema, suas coordenadas pormenorizadas
Revisão da literatura e o que se sabe em relação ao problema
Hipótese (s): o que se pretende mostrar, demonstrar; o objetivo visado
METODOLOGIA E O DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
A escolha do método
O desenvolvimento do trabalho.
A análise dos dados ou resultados
CONCLUSÃO OU CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resumo da pesquisa
Principais conclusões, resultados ou considerações finais
Implicações e generalização eventual
Ampliação ou trabalhos futuros
REFERÊNCIAS OU BIBLIOGRAFIA
ANEXOS OU APÊNDICES
GLOSSÁRIO



Tabela 1: Estrutura de texto para o relatório final

O texto de um artigo deve ser sucinto e deve ter algumas qualidades tais como: linguagem correta e precisa, coerência na argumentação, clareza na exposição das idéias, objetividade, concisão e fidelidade às fontes citadas. O rigor científico segue as regras dos outros trabalhos, porém sua estrutura de apresentação textual é seqüencial, sem divisão em capítulos.

Observações pertinentes ao texto:
Inicie a redação do relatório pensando no título. Ele define o conteúdo do trabalho. A partir daí esboce um sumário preliminar que dará uma boa orientação para a estrutura do texto.

Qualquer idéia ou texto de outra autoria citado no relatório deve ser referenciado. Esta citação pode estar em rodapé de página ou no capítulo de REFERÊNCIAS.

As referências ou bibliografia podem ser ordenadas em ordem alfabética ou pela ordem que aparecer no texto. Endereço de site deve estar com a data da visita.

Tabelas, gráficos, figuras, telas e outros devem apresentar legendas explicativas. Caso sejam de outra autoria referenciar a origem nestas legendas.

5. O projeto em engenharia
O termo projeto, no sentido amplo, significa intenção, planejamento, organização do trabalho, propósito, objetivo, alvo. A origem deste termo remonta ao período quatrocentista italiano, no início do século XV, e tem sua expressão vinculada ao projeto arquitetônico.
Em engenharia, projeto, está associado a dimensionamento, modelagem, planejamento, normas técnicas e desenho. Dentre as competências solicitadas ao engenheiro na concepção e gestão de um projeto podemos citar: a avaliação técnica, a interpretação racional de uma situação, a representação dos obstáculos a serem superados, a concepção de soluções possíveis, as escolhas, as propostas, a defesa destas escolhas, a estimativa de custos e a verificação ou validação do projeto.
O exemplo clássico de um projeto em engenharia elétrica é o projeto de instalação
elétrica (predial ou industrial). Quem faz o projeto não o executa e este projeto técnico é orientado para a confecção de um objeto. O objeto principal do projeto é o dimensionamento e identificação dos componentes e fios a serem instalados. O
projetista pode supervisionar a sua execução, mas cabe a ele apenas dimensionar os componentes do sistema através de um modelo físico-matemático, acatando as normas técnicas que regulam as instalações elétricas. A execução do projeto, neste caso, está distante do ato de projetar. A ação é finalizada por um produto exterior. É diferente de um projeto de pesquisa que corresponde a uma atividade cujo fim termina em si mesmo.
A atividade de projetar é um processo dialético entre análise e síntese. O bom projetista sabe analisar, isto é, sabe como as partes se relacionam com o todo. E sabe como o todo responde a determinadas solicitações. No caso do projeto de instalação elétrica a síntese é o projeto final. É o resultado do dimensionamento e identificação dos componentes. A análise é o comportamento dos componentes e suas relações entre si. Este vai e vem da análise e da síntese é mediado pela simulação.
Com os avanços da computação e da telemática esta simulação tem um papel relevante no desenvolvimento de projetos em engenharia. No projeto de uma antena (projeto de dispositivo técnico), por exemplo, quem concebe pode executar. O diagnóstico, elaboração, operacionalização (execução) e análise (medidas) necessariamente passam por simulações repetidas vezes durante as fases do projeto até o resultado final. Neste caso a síntese está num relatório técnico onde são explicitados todo o processo de elaboração, testes e características da antena projetada (Cardoso, 2007).
O projeto de engenharia e o projeto de pesquisa são ancorados pela metodologia científica. Ambos têm um plano (pré-projeto), um desenvolvimento ou execução, uma finalização via relatório final e, caso necessário, a apresentação pública de seus resultados. Ambos, guardadas a idiossincrasias de cada um, respondem às perguntas do o que, do porque, do como e do quando fazer.
Edson Pereira Cardoso
Professor aposentado do Departamento de Engenharia Elétrica da UFES
Agosto de 2011.
Referências
BECKER, F., Um divisor de águas, Viver & Mente e Cérebro – Jean Piaget, Segmento-Duetto, 2005
CARDOSO, Mirian Limoeiro. O mito do método. Boletim Carioca de Geografia. Rio de
Janeiro, 1976, Ano XXV, pp. 61-100.

MORETTI, N., MANUAL DE METODOLOGIA CIENTÍFICA: como elaborar trabalhos acadêmicos, UNICA: União de Ensino Superior de Cafelândia, 2008.

CARDOSO, E.P., Projetos de aprendizagem mediados por ambientes virtuais no ensino de engenharia elétrica, Tese de Doutoramento, PPGEE, UFES, 2007. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/ 19/08/2011.


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