Jaron Lanier: Por uma internet mais humana
http://g1.globo.com/platb/globo-news-milenio/2012/01/27/jaron-lanier-por-uma-internet-mais-humana/
por rodrigo.bodstein |
No Milênio de segunda-feira, 30/01/2012, às 23h30, Jorge Pontual entrevista Jaron Lanier, um dos críticos da Web 2.0 e defensor de uma internet aberta, mas não completamente gratuita.
"Precisamos de uma internet mais antropocêntrica, menos focada em algoritmos." A afirmação é de Jaron Lanier, precursor da realidade virtual e um dos críticos da Web 2.0. Ele quer não apenas a liberdade de trocar informação, mas a liberdade de pensar e de ser criativo em um modelo que, atualmente, anestesia, cada vez mais, os usuários, com a ilusão de acesso a um conteúdo ilimitado. Hoje, baixar filmes, discos, livros e encontrar pessoas, quase que instantaneamente, parece natural, mas nem sempre foi assim. Há pouco tempo atrás, até mesmo discos eram objetos raros e era preciso bons contatos e um certo grau de logística para conseguir o material em primeira mão. As mudanças no dinamismo dos fluxos e a estruturação da legislação dos direitos autorais aconteceu, gradualmente, a partir da década de 60.
Naquela época, o mundo estava em ebulição, com revoluções, golpes de Estado, ditaduras, guerras, feminismo, descolonização, bossa nova, rock n´roll e crises nucleares. O governo dos EUA, então, decidiu estabelecer um mecanismo para que a troca de informações cruciais não fosse afetada, caso um ponto da cadeia fosse destruído por um ataque inimigo. Surgiu a ARPANET. Não chegava perto da rede que temos hoje, mas definiu o princípio básico de dividir a informação em pacotes. Assim, os dados percorriam diferentes rotas e eram reagrupados na máquina de destino, compondo a mensagem original. Aos poucos, ganhou os contornos atuais. Em 1989, surgiu o hipertexto. Na década de 1990, os navegadores. Nos anos 2000, a rede saiu dos computadores e ganhou os celulares, televisores, tablets e outros aparelhos. A cada nova etapa, o nível de fluxos e trocas aumentava exponencialmente e, com o maior acesso à informação, surgiam novos desafios para a defesa da propriedade intelectual.
Mas, para entendermos um pouco da relação entre a internet e os direitos autorais, precisamos responder a uma questão: O que significa propriedade intelectual? Segundo as informações disponíveis no site da WIPO (World Intellectual Property Organization) podemos sistematizar, dividindo em dois troncos principais. O primeiro envolve a propriedade industrial, soluções para problemas técnicos. O segundo, os direitos autorais que protegem a forma de expressão das ideias e não as ideias em si. Um exemplo: podemos fazer um poema sobre a saudade, filmes, livros, etc, mas não podemos ter direitos sobre o sentimento "saudade". Nesse segundo tronco, é importante a distinção entre direitos econômicos e morais. A parte financeira, ligada a reprodução e comercialização, pode ser distribuída entre autores, produtores e difusores da obra, mas os direitos morais sobre o conteúdo permanecem com os autores. Em geral, duram até 70 anos depois da morte do autor. A proteção desses direitos começou na Convenção de Berna, em 1883, mas, apenas em 1967, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual foi criada para sistematizar e controlar essas questões no âmbito internacional.
Internet, direitos, e, agora, o consumidor. Ele, que na década de 60, dependendo do que buscasse, precisava de amigos no exterior para conseguir discos e livros específicos, cerca de 50 anos depois, consegue tudo o que quer quase instantaneamente e, algumas coisas, baixa de graça. É uma mudança considerável. Podemos ver um show de qualquer parte do mundo, recortar e compartilhar o que queremos. A informação passsou a ser organizada e reorganizada em cada ponta da rede. Podemos dizer que o acesso tornou-se mais aberto, mas as empresas que baseiam sua renda no antigo sistema de royalties estão em crise. Como atingir um sistema que equilibre flexibilidade e dinamismo com o controle sobre a reprodução e comercialização dos produtos culturais? Até que ponto esse conflito afeta nossa sociedade?
É um debate que vem se intensificando nos últimos anos e, em janeiro de 2011, ganhou as manchetes do mundo com a tentativa de passar duas leis no Congresso dos Estados Unidos: SOPA (Stop Anti-Piracy Act) e PIPA (Protect IP Act). São esforços para bloquear o acesso a sites que comercializam conteúdo, como música, filmes e livros, de maneira ilegal. Duas posições ficaram claras. Por um lado, as grandes gravadoras e estúdios apoiaram os projetos de lei e, por outro, sites como Google, Facebook e Wikipedia, além de 10 milhões de americanos, se colocaram contra o maior controle. O Milênio de segunda-feira, dia 30/01, acrescenta mais uma posição para pensar o futuro do mundo virtual. Em entrevista a Jorge Pontual, Jaron Lanier, defende uma internet aberta, mas não completamente gratuita.
A questão levantada por Lanier é estrutural. O problema é que a rede, gradualmente, direciona e agrupa os usuários em blocos. As informações "sugeridas para o seu perfil" escondem uma variedade enorme de outras possibilidades e, ao categorizar por "gostos", tornam o usuário um produto bem definido para publicitários, por exemplo. Segundo ele, a estrutura atual cria uma "agência de espionagem privada" que desvirtua o propósito inicial de permitir que cada usuário possa trocar seus bits com outros, como em um grande mercado, e tudo seja acessível a uma taxa razoável. Esse fluxo permitiria que a criação individual fosse devidamente remunerada e estimularia o trabalho intelectual. De certo modo, muito além de direitos autorais, a necessidade de reformar o sistema é o que está nas entrelinhas de toda essa discussão.
É o momento de repensarmos a forma como estamos nos constituindo como sociedade e no efeito desses mecanismos virtuais que estão virando parte essencial da vida cotidiana. Cada dia que passa, estamos mais presos em um sistema que direciona o acesso a informação e promove uma identidade linear aos seus usuários. Segundo Jaron, "precisamos pensar contra as ferramentas disponíveis na internet para sermos livres". A liberdade é o eixo principal do debate, mas qual é a melhor maneira de exercê-la? Qual é o preço do acesso completamente gratuito? Como evitar a censura?
Mas há controvérsias.
Destaco aqui um comentário em resposta ao texto "Falsos ideais da intenet - Jaron Lanier" em
http://sergyovitro.blogspot.com/2012/01/falsos-ideais-da-internet-jaron-lanier.html 14/02/2012
Frederico, Jan 31, 2012 12:09 PM
Bom, como já conheço o Jaron Lanier pelo livro que ele escreveu, sei o quanto ele mistura algumas coisas. :-)
Pra começar, nesse texto ele polariza a discussão entre "conteúdo protegido por direitos autorais" e "redes sociais proprietárias". Quero acreditar que é apenas desconhecimento, mas um sujeito que tem um currículo como o dele deveria saber que existe mais coisa na Web do que gravadoras, Google e Facebook.
Existem alternativas de redes realmente livres, como a Friendica (http://friendica.org), a Diaspora (https://diasp.org) e a identi.ca (http://identi.ca). Redes essas que respeitam a sua privacidade e não comercializam seus dados nem invadem a sua privacidade. Além disso, como elas são construídas com software livre, podem ser instaladas por qualquer um. Ou seja, as pessoas podem gerenciar suas próprias redes (eu mesmo mantenho uma aqui: http//social.teia.bio.br). Com isso, usando um exemplo do próprio autor, ele poderia criar uma rede social somente para discutir música, sem nenhum tipo de apropriação por parte de terceiros.
O tom do Jaron é curioso, pois ao mesmo tempo em que ele se autoproclama um defensor da liberdade de expressão, ele indica acreditar que o conteúdo da Internet deva ter algum tipo de controle. E a frase "Essa crença na informação "livre" bloqueia os futuros caminhos para a internet" (com a explicação seguinte de ganhos dos usuários) indica bem essa visão. Como é que alguém que defende a liberdade de expressão pode acreditar que informação livre bloqueie alguma coisa? É uma visão errada? Não necessariamente. Mas é bem contraditória, ao meu ver. E não é aquilo que eu acredito. :-)
Mas convenhamos. O sujeito trabalha no centro de pesquisa da Microsoft. Obviamente a visão dele é "monetarista", ou seja, a Internet é um lugar bom desde que ganhemos dinheiro com ela. Além do mais ele está nesse sentimento todo porque a empresa onde ele trabalha foi uma das que apoiou abertamente a SOPA e foi duramente criticada. Ora, quem acredita em "liberdade de expressão" deveria estar preparado para receber críticas. Afinal, quem diz o que quer, deve estar preparado para ouvir o que não quer. :-)
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