domingo, 23 de outubro de 2011

Assédio sexual em metrô

Deu na Folha de São Paulo em 23 de outubro de 2011.

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
OLÍVIA FLORÊNCIA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

X. nunca conseguiu dar risada de um quadro do humorístico "Zorra Total" (TV Globo) que se passa num vagão do metrô. "Sempre achei um desrespeito", diz a jovem de 21 anos, aparência de 15.
Mas, agora, X. não pode nem sequer ver as personagens "Valéria" e "Janete". Ela acusa um advogado de 46 anos de tê-la atacado sexualmente em um trem no metrô, às 18h40 do último dia 14.
"A gente que trabalha sabe o empurra-empurra que é pegar o metrô na ida e na volta, e ainda por cima no horário de pico. Aí, eles põem essa brincadeira ridícula. Só quem já sentiu na pele a humilhação de ter um sujeito se esfregando contra o seu corpo sabe a tristeza que é. Tem gente que acha engraçado, mas eu, se eu pudesse, tirava [o quadro] do ar", disse X.
Baixinha (1,59 metro) e magricela, resultado da dieta sem carne que segue desde criança, quando assistiu a um documentário sobre matadouros, X. saía do trabalho no centro de São Paulo, depois de uma jornada de nove horas, rumo à sua casa, em Itaquera (zona leste). Trajava calça jeans e blusa de mangas compridas.
Nesse trajeto, a chamada Linha Vermelha do metrô apresenta densidade máxima (10,9 pessoas por metro quadrado no horário de pico). É a mais congestionada do sistema paulistano.

"ELE VINHA"
Segundo X., o assédio iniciou-se tão logo ela entrou no vagão lotado, o advogado encostando-se em seu corpo:
"Eu cheguei a pensar que fossem outras pessoas que estivessem empurrando. Eu tentava me esquivar e ele vinha. Eu saía e ele vinha. Toda hora. Eu tinha ainda a preocupação com a bolsa, para não roubarem. Então, uma hora, não tive mais para onde ir, porque ele colocou as mãos nos ferros de cima e me apertou com o corpo."
Um rapaz de 24 anos, comerciário, que estava no mesmo vagão, flagrou o instante em que X. desmaiou: "Ao olhar para trás, ela viu o pênis do advogado fora da braguilha da calça do terno".

GRITOS NA ESTAÇÃO
"Eu fiquei travada, eu parei, eu não tive reação. Sei lá o que estava passando pela minha cabeça." Assim a moça descreveu a espécie de blecaute que sofreu.
Foi o jovem comerciário quem segurou as portas do vagão na estação Belém, para que X. fosse retirada, e que, aos gritos, chamou a segurança do metrô, que impediu o advogado de seguir viagem tranquilamente.
"O homem alto e engravatado saiu do trem ainda com tudo para fora, o cinto solto e a braguilha aberta", disse o rapaz na Delpom -Delegacia de Polícia do Metrô.
X., que pretende tornar-se psicóloga, só chorava. "Por ele ter saído do jeito que saiu e por mim, porque eu sou mulher. Eu nunca imaginei que fosse acontecer isso comigo, um monte de gente perto. Muita vergonha, nossa."

INADEQUADO
No final de 2004, o Metrô realizou uma pesquisa com usuários, que entre outros quesitos, avaliou as ações da companhia para prevenir o assédio sexual nos trens.
Para 21%, nada era feito -serviço considerado inaceitável-; 45% disseram que a companhia só agia quando a vítima conseguia informar um funcionário -nível considerado inadequado.
Sete anos depois, o Metrô diz não dispor de dados atualizados sobre níveis de satisfação (ou insatisfação) em relação à prevenção de assédio.
Em nota, afirma que, de janeiro a setembro de 2011, foram registradas na Delpom dez casos de ato obsceno e 43 casos de importunação. "No mesmo período, o Metrô transportou 807 milhões de passageiros."
Para Marisa Mendes, 53, do sindicato dos metroviários, o que há é uma "imensa subnotificação, porque as mulheres molestadas se sentem humilhadas e desassistidas demais". Segundo a sindicalista, os ataques decorrem da superlotação dos trens e da falta de investimento em segurança, que poderia intimidar os assediadores.
Marisa responsabiliza também o que chama de "banalização do assédio, propiciada por um tipo de humorismo que faz graça com a dor das mulheres". Refere-se ao quadro do "Zorra Total".
X. continua pegando o metrô para ir e voltar para o trabalho. Não mais do mesmo jeito, contudo: "Nossa, eu estou parecendo louca. Fico olhando para trás o tempo todo. Tenho cisma de alguém atrás de mim. Se tem um homem atrás de mim, eu saio. Eu não consigo evitar". X. vai marcar uma consulta com a psicóloga da empresa em que trabalha.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Beatrix

Deu na imprensa

Após pedir a suspensão de um comercial de lingerie com a modelo Gisele Bundchen por considerar a propaganda agressiva à mulher, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes (PT), se envolveu em mais duas polêmicas. Ela enviou um ofício à TV Globo sugerindo que uma personagem violentada pelo marido na novela "Fina Estampa" procure o Serviço de Atendimento à Mulher (180), e que o agressor seja encaminhado aos centros de educação e de reabilitação para agressores, previstos na Lei Maria da Penha. Na quarta-feira, a pasta de Iriny enviou um ofício à emissora e ao autor da novela, Aguinaldo Silva, mostrando preocupação com o personagem Baltazar. Na trama, ele humilha e bate na mulher, Celeste. Em ofício enviado à emissora, a ministra Iriny Lopes sugere que Celeste, que resiste em denunciar o parceiro dizendo que o ama, procure a Rede de Atendimento à Mulher, por meio do telefone 180. Segundo a ministra, o alerta na telenovela, como em outras que já trataram do tema da violência à mulher, se faz importante em um país com um índice de quatro mulheres agredidas a cada dois minutos - 1,051milhão por ano (grifo do autor).



Em 2007, Beatrix era casada com Bento. Ela era uma mulher muito bonita e ele um ciumento doentio. Com um problema: ele era alcoólatra. Morava em Estrela Dalva, um dos 289 bairros de Cariacica, Espírito Santo. Ela era cabeleireira e ele pedreiro.

Durante a semana Bento era um anjo. Mas a partir da sexta o diabo entrava no corpo com força. Saía do serviço e começava beber todas. Onze da noite chegava em casa e reclamava de tudo. Da comida, da cama, da roupa. Beatrix vinha do serviço as dez e tinha que ouvir. Queria que ela ficasse em casa cuidando da casa e da filha Perla. Mas como não trabalhar fora? Só com o que ele ganhava não dava. E quando ela reclamava da situação o pau comia. Bento batia em Beatrix até cansar.

No sábado e domingo o drama para Beatrix se repetia. Sábado ela ficava no salão de beleza até às sete da noite. Bento chegava bravo e na presença de Perla o show se repetia. E toma surra de novo.

De uma amiga de Beatrix:

Amiga: porque você não denuncia teu marido na delegacia de defesa da mulher. Vai lá menina. Aqui perto, em Campo Grande, tem uma. É a lei Maria da Penha. 

Beatrix: sei não, amiga, fico sem coragem.  E depois? Aí que ele me arrebenta.

Amiga: e tem mais, além de te espancar sabia que sustenta outra com casa e tudo aqui no bairro?

Beatrix: filha da puta! Agora tá explicado.

A lei Maria da Penha, de que trata das punições das agressões contra a mulher, foi sancionada pelo Presidente da República em agosto de 2006.

Beatrix criou coragem para denunciar o marido. Numa sexta entrou num ônibus e foi até Campo Grande, e conversou com a delegada. Feito o registro a delegada disse que iria até Estrela Dalva intimar o marido.

Nem foi preciso a intimação. O destino reservou uma tragédia para Beatrix.

Bento apareceu furioso no sábado à noite. E bêbado, como sempre, disse:

Bento: olha aqui sua puta, hoje te vi conversando com um homem em frente ao salão. Cê tá pensando que sou trouxa?

Beatrix estava conversando sim, mas era com um amigo. O Escobar.

Beatrix: era um amigo, ô babaca. E você? Todo mundo sabe aqui no bairro que você sustenta uma vagabunda. Com casa e tudo. Você surra ela também?

Aí o diabo tomou conta de Bento. Primeiro golpe: um murro no nariz da mulher. Segundo golpe: um chute no estômago. Beatrix quase desmoronou com o chute. Com o nariz ensanguentado criou forças e já curvada viu um vergalhão de aço encostado na pia da cozinha. Criou coragem e numa fúria canina lascou o vergalhão na cabeça do marido. Bento desmoronou no chão já desmaiado. A fúria, agora sanguinária, aumentou. Beatrix pegou uma faca que estava na pia abaixou a calça do homem e decepou testículos e pênis de uma só vez. Ato contínuo jogou a tralha toda pela janela. Bento estrebuchou, mas Beatrix não satisfeita enterrou a faca no peito do moribundo. Duas vezes, até comprovar que estava morto. Um banho de sangue. E Beatrix, como uma besta, urrou de vingança e ciúmes. A filha, Perla, não presenciou a tragédia, felizmente. Foi passar a noite na casa de uma amiguinha.

Após o ocorrido, Beatrix desapareceu na escuridão da noite. Apresentou-se à polícia uma semana depois.

Foi a julgamento e condenada a 10 anos de prisão.

Na penitenciária Beatrix sempre teve o apoio do Escobar. Tornaram-se namorados e já com um ano de convívio ela se engravidou de Ezequiel.

Após quatro anos de prisão e bom comportamento, Beatrix está livre sob condicional.

Hoje, a família Beatrix, Escobar, Perla e Ezequiel vivem em Campo Grande, outro bairro de Cariacica. Ela tem um salão de beleza e ele é sargento da Polícia Militar.

Vivem bem, em harmonia e felizes como deve ser.



Edson Pereira Cardoso, outubro de 2011








quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Desvinculação amorosa

Alba Lívia é filha de Alma. Alma é esposa de Tobias. Juntos tiveram quatro filhos bem criados e educados. Não diria que Alma seja uma matriarca, mas o matriarcado sempre rondou pela sua família. A mãe de pulso forte, a mulher que não tem muitas dúvidas e sabe aonde quer chegar.

Alba hoje tem uma vida estável. Claro, circunscrita às fronteiras freudianas do que seja estável. Trabalha muito, mas penso que já nasceu agitada. Não diria com o diabo no corpo. Diria o corpo a serviço da cabecinha endiabrada. Alfredo que o diga.

Alfredo é o namorado de Alba. Gosta muito dela e a compreende. Ele pensa assim: se eu não entender a cabeça desta mulher e não aceitar 90% do que ela pensa não consigo ficar com ela. É um caso de amor destrambelhado. Um condenado.

A relação Alba-Alfredo estava em crise. Já não estavam se entendo. Será que era a desvinculação amorosa? Este palavrão é o que intelectuais respondem por separação. O sonho acabou. A casa caiu, mas Alfredo não desistiu.

Pediu socorro para Alma. Quem sabe a mãe ajudaria. Foi lá na casa de Alma e foi recebido por Tobias. Na sala o pai esta tomando uma cachaça.

- Vem cá, Alfredo, toma umazinha comigo. Esta é da boa.

E emendou

- Alma está tomando banho. Por isso que estou com este copo. Se me pega assim ela vai chutar o balde. Mas toma aí.

Quando Alma deu sinal de aparecer na sala Tobias correu para esconder a cachaça que tomava.

- Olá Alfredo, que surpresa! disse Alma.

- Sabe o que é Dona Alma, vim pedir ajuda, respondeu Alfredo.

- Minha relação com Alba não está nada agradável. Ultimamente ela anda muito agitada e mal humorada. Não sei se é o trabalho dela ou se tem a ver com nossa relação.

Conversaram mais um tempo até combinarem uma conversa a três na casa de Alba. No dia combinado Alfredo buscou Alma. Já no carro ela disse assim:

- Sabe Alfredo, quando mais nova eu resolveria este caso de outra forma. Alba sempre foi deste jeito: de uma teimosia difusa e calada. Às vezes eu resolvia com o chicote mesmo. Gosto muito dela, mas tem hora que me tira do sério.

Na casa de Alba a conversa se deu assim:

Alma: minha filha, o Alfredo me disse do que vocês dois estão passando. A versão dele. Agora gostaria de ouvir a tua.

Alba: gosto muito dele, mamãe. No início foi muito bom, mas com o tempo descobri diferenças entre nós.
 
Alfredo:diferenças, Alba? Você já refletiu no que se tornou nossa relação? Nem nos fins de semana está disponível. É só trabalho, trabalho e trabalho.

Alba: olha aqui, Alfredo, posso até concordar com você sobre isto, mas não vem dar uma de santo não.

Alfredo: como assim?

Alba (nervosa): cê tá pensando que não percebo quando toca o teu celular. Você se afasta de mim para conversar. E mais, já vi as chamadas recebidas. Diga-me quem são: Clara, Ana Elisa e Elizângela? No teu trabalho não conheço ninguém com estes nomes. De anjo você não tem nada, ô cafajeste!

E tempo esquentou. Alma no meio do tiroteio pensou: briga de casal e eu aqui fazendo o que, meu Deus?

Alma: meninos será que não dá para discutirem com menos baixaria? Alba tenha paciência com o Alfredo. Você sabe como são os homens.
 
Alba: sei como são os homens, mamãe, mas não sou besta não. E ademais tenho mais o que fazer na vida.

Alma saiu da reunião pessimista. Não foi a primeira separação da filha. Com um pouco de desapontamento deixou o caso para Deus resolver. Não tinha mais o poder de alterar o destino da filha.

Alba e Alfredo ficaram juntos por mais um mês. Um dia ela o traiu com outro rapaz que conhecia já de algum tempo. Arrependeu-se. A partir daí resolveu pela separação. Alfredo continua sem entender nada do que significa o sexo em sua vida.

Alba desvinculou aos poucos: foi retirando sua energia libidinal da relação que vivia com Alfredo e, com o passar do tempo, desistiu do objeto, declarando-o morto e oferecendo ao ego o incentivo de continuar vivendo (Ingrid Luiza F. Viégas).


Edson Pereira Cardoso, outubro de 2011