Ah!!! Cristo
Ler versus ouvir
Audie Murphy, Denzel Washngton e Franco Nero
7 gatinhos
O começo do fim
Ana Maria Gonçalves & Um Defeito de Cor
Carlos Lemos & Edifício Copan
Mahler & Sinfonia No. 3
Jovens de Hiroshima pintam relatos de sobreviventes da bomba atômica
Di Melo
A morte em proparoxítonas - Ruy Castro
Primeiro banho no Sena
Goleador palestino entrega o bicho à Faixa de Gaza
Emicida: a conversão da rebeldia em produto de mercado
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Ah!!! Cristo
Justiça Federal afirma que área do Cristo Redentor pertence à União
Igreja Católica não tem direitos sobre o terreno onde está a estátua, segundo decisão em primeira instância
Gabriel Gama, fsp, 30/07/2025
A Justiça Federal reconheceu que a área do Alto Corcovado, no Rio de Janeiro, pertence à União. A decisão é mais um capítulo na disputa pelo entorno do Cristo Redentor entre o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), gestor do Parque Nacional da Tijuca, https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/10/parque-da-tijuca-onde-fica-o-cristo-redentor-arrecada-mais-que-todos-os-outros-parques-nacionais-juntos.shtml e a Mitra Arquiepiscopal, entidade ligada à Igreja Católica que reivindica a posse do local.
"Apesar de haver construído o monumento, sem ajuda do poder público, não detém a Igreja qualquer direito sobre o terreno em que foi erigida a estátua, pedestal e capela", segundo a sentença. Ainda cabe recurso e o caso pode ser levado à segunda instância, o Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
A 21ª Vara Federal do Rio de Janeiro proferiu a decisão em resposta a um conjunto de ações envolvendo a propriedade do Corcovado.
Em 2020, o ICMBio entrou com pedido de reintegração de posse de imóveis ocupados por lojistas perto da estátua. Na sequência, a Mitra alegou que o espaço pertenceria à Igreja e, por isso, a União não poderia remover os comerciantes sem consultá-la.
A Igreja argumenta que possui direitos sobre a área porque a construção do Cristo Redentor teria envolvido recursos privados. Uma carta de aforamento de 1934, que concederia a posse, também é usada para sustentar a tese.
Hoje o local é administrado pelo ICMBio, já que o monumento está dentro do parque da Tijuca, uma unidade de conservação federal.
Após comparar documentos e imagens, a Justiça concluiu que o terreno descrito na carta de aforamento não abrange a estátua. A Mitra nega que haja uma disputa pela área do Santuário Cristo Redentor e afirma que entrou como parte interessada na ação.
"Os lojistas, tranquilos com toda a contribuição dada ao monumento e ao Rio de Janeiro ao longo de 90 anos de relação com o Alto Corcovado, recebem com serenidade e respeito as decisões proferidas", diz o escritório de advocacia que representa os comerciantes. A defesa acrescenta que pontos de discordância serão tratados no decorrer do processo.
É a primeira vez que a Justiça reconhece oficialmente o Alto Corcovado como propriedade da União, diz o procurador Vinicius Lahorgue, defensor do ICMBio na ação.
"A decisão é importante para esclarecer que a área sempre foi da União e que a autorização para a construção do monumento foi concedida sob a condição de que a área permaneceria sob domínio público", afirma.
Saiba como foi a construção do Cristo Redentor fotos
Segundo Lahorgue, a decisão pode afetar projetos de lei que tramitam na Câmara e no Senado e pedem a transferência da área do Cristo para a Mitra. "A destinação à Igreja seria uma concessão, não a concretização de um direito previsto e, se realizada, seria em detrimento do aspecto ambiental", analisa o procurador.
Para Viviane Lasmar, chefe do parque da Tijuca, a sentença fortalece a gestão da unidade de conservação. "A decisão não muda a relação de respeito mútuo entre o ICMBio e a Mitra, mas traz a segurança de que o espaço é público e pertence ao povo brasileiro", afirma.
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Rio de Janeiro, 1923: A forte reação protestante ao Cristo Redentor
(...) Oiticica e a Liga Anticlerical
Os protestantes não foram os únicos a se opor ao monumento do Corcovado. Além do já citado político mineiro Adolfo Bergamini, o professor e especialista em fonética e fonologia José Oiticica, então com 41 anos, escreveu no Correio da Manhã de 17 de abril de 1926 um violento artigo contra o projeto, concluindo-o com o apelo: “Peço-lhes por quantos anjos há no céu que desistam da empresa começada”. Curiosamente, Oiticica usa a mesma tese protestante com base no segundo mandamento: “Encarapitar uma estátua divina em um monte para nesse monte adorar Deus é duplamente contrariar o preceito do Eterno”.
Em setembro de 1923, um dos jornais do Rio de Janeiro publicou um convite dirigido a todos os elementos anticlericais da capital, “sejam atheus, espiritas, protestantes, theosophistas ou prosélytos de quaesquer escolas philosophicas”, para “oppôr a necessaria reacção à obra embrutecedora do clericalismo indigena, que está tomando vulto”. Os protestantes não aceitaram o convite da Liga Anticlerical por se tratar de um movimento “cujo alvo único é estimular o ódio ao padre, arrazar e nada edificar”, explica o editorial de O Jornal Batista. (...)
Raio atinge Cristo Redentor durante sessão de fotos | Primeiro Impacto (22/02/24)
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Ler versus ouvir
Se podemos ouvir quase tudo, por que ler ainda é importante?
Atividades envolvem o mesmo objetivo, porém não são intercambiáveis
Stephanie N. Del Tufo: Professora de educação e desenvolvimento humano, Universidade de Delaware (EUA)
Feche os olhos e imagine como será o futuro daqui a algumas centenas de anos.
Será que seremos viajantes intergalácticos? Talvez vivamos em naves espaciais, mundos submarinos ou planetas com céus roxos.
Agora, imagine seu quarto como um adolescente do futuro. Provavelmente há uma tela brilhante na parede. E, quando você olhar pela janela, talvez veja os anéis de Saturno, o brilho azul de Netuno ou as maravilhas do fundo do oceano.
Agora pergunte a si mesmo: há um livro no ambiente?
Abra seus olhos. É provável que haja um livro por perto. Talvez ele esteja em sua mesa de cabeceira ou enfiado embaixo da cama. Algumas pessoas têm apenas um; outras têm muitos.
Mesmo em um mundo repleto de podcasts, ainda há livros. Por que isso acontece? Se podemos ouvir quase tudo, por que a leitura ainda é importante?
Como cientista da linguagem, estudo como os fatores biológicos e as experiências sociais moldam a linguagem. Meu trabalho explora como o cérebro processa a linguagem falada e escrita, usando ferramentas como MRI e EEG.
Seja lendo um livro ou ouvindo uma gravação, o objetivo é o mesmo: compreender. Mas essas atividades não são exatamente iguais. Cada uma delas contribui para a compreensão de maneiras diferentes. Ouvir não oferece todos os benefícios da leitura, e a leitura não oferece tudo o que a audição oferece. Ambas são importantes, mas não são intercambiáveis.
Diferentes processos cerebrais
Seu cérebro usa parte da mesma linguagem e sistemas cognitivos tanto para ler quanto para ouvir, mas também executa funções diferentes dependendo de como você está absorvendo as informações.
Quando você lê, seu cérebro está trabalhando duro nos bastidores. Ele reconhece as formas das letras, associa-as aos sons da fala, conecta esses sons ao significado e, em seguida, vincula esses significados a palavras, frases e até mesmo a livros inteiros. O texto usa estrutura visual, como sinais de pontuação, quebras de parágrafo ou palavras em negrito para orientar a compreensão. Você pode avançar em seu próprio ritmo.
Ouvir, por outro lado, exige que seu cérebro trabalhe no ritmo do orador. Como a linguagem falada é efêmera, os ouvintes precisam contar com processos cognitivos, inclusive a memória, para reter o que acabaram de ouvir.
A fala é um fluxo contínuo, não um grupo de palavras bem separadas. Quando alguém fala, os sons se misturam em um processo chamado coarticulação. Isso exige que o cérebro do ouvinte identifique rapidamente os limites das palavras e conecte os sons aos significados. Além de identificar as palavras em si, o cérebro do ouvinte também deve prestar atenção ao tom, à identidade do falante e ao contexto para entender o significado do falante.
Por que o cérebro só consegue prestar atenção em uma coisa por vez? webstories
Mais fácil?
Muitas pessoas presumem que ouvir é mais fácil do que ler, mas isso geralmente não é verdade. Pesquisas mostram que ouvir pode ser mais difícil do que ler, especialmente quando o material é complexo ou desconhecido.
A compreensão auditiva e a compreensão de leitura são mais semelhantes nos casos de narrativas simples, como histórias de ficção, do que para livros de não ficção ou ensaios que explicam fatos, ideias ou como as coisas funcionam. Minha pesquisa mostra que o gênero afeta a forma como você lê. De fato, diferentes tipos de textos dependem de redes cerebrais especializadas. Histórias de ficção envolvem regiões do cérebro envolvidas em compreensão social e narração de histórias. Os textos de não ficção, por outro lado, dependem de uma rede cerebral ajuda no pensamento estratégico e na atenção direcionada a objetivos.
Ler um material difícil também tende a ser mais fácil do que ouvir, do ponto de vista prático. A leitura permite que você se movimente facilmente dentro do texto, relendo seções específicas se estiver com dificuldade de entender ou sublinhando pontos importantes para revisitar mais tarde. Já um ouvinte que está tendo problemas para acompanhar um ponto específico precisa pausar e retroceder, o que pode interromper o fluxo da audição, impedindo a compreensão.
Mesmo assim, para algumas pessoas, como aquelas com dislexia do desenvolvimento, ouvir pode ser mais fácil. Indivíduos com dislexia do desenvolvimento geralmente têm dificuldade para aplicar seu conhecimento da linguagem escrita para pronunciar corretamente as palavras escritas, um processo conhecido como decodificação. A audição permite que o cérebro extraia o significado sem o difícil processo de decodificação.
Envolvimento com o material
Um último aspecto a ser considerado é o envolvimento. Nesse contexto, o envolvimento refere-se a estar mentalmente presente, concentrando-se ativamente, processando informações e conectando ideias ao que você já sabe.
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As pessoas geralmente ouvem enquanto fazem outras coisas, como se exercitar, cozinhar ou navegar na internet —atividades que seriam difíceis de realizar durante a leitura. Quando os pesquisadores pediram a estudantes universitários que lessem ou ouvissem um podcast em seu próprio tempo, os estudantes que leram o material tiveram um desempenho significativamente melhor em um teste do que os que ouviram. Muitos dos alunos que ouviram relataram que realizavam várias tarefas, como clicar em seus computadores enquanto o podcast era reproduzido. Isso é particularmente importante, pois prestar atenção parece ser mais importante para a compreensão auditiva do que para a compreensão da leitura.
Portanto, sim, a leitura ainda é importante, mesmo quando a audição é uma opção. Cada atividade oferece algo diferente, e elas não são intercambiáveis.
A melhor maneira de aprender não é tratar livros e gravações de áudio como iguais, mas saber como cada um funciona e usar ambos para entender melhor o mundo.
Este texto foi publicado no The Conversation. Clique aqui para ler a versão original
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7 gatinhos
'7 Gatinhos' transforma público em cúmplice de horrores familiares
Arquitetura única do Teatro Oficina potencializa experiência claustrofóbica da obra de Nelson Rodrigues
Andre Marcondes, fsp, 17/07,2025
Há algo de inquietante em assistir "7 Gatinhos" no Teatro Oficina. Não apenas pela força do texto de Nelson Rodrigues – que segue atual em sua crítica ao patriarcado – mas pela forma como a encenação nos arrasta para dentro daquele universo claustrofóbico. O espaço do teatro, com sua arquitetura que dissolve fronteiras, faz com que a plateia se torne cúmplice dos horrores da família Noronha.
Joana Medeiros, na direção e também no papel de Noronha, conduz o espetáculo com mãos firmes. Sua interpretação do pai autoritário que berra "Ninguém presta!" é um retrato acabado da violência doméstica disfarçada de moralidade. Ao seu redor, o elenco constrói personagens complexos, desde as filhas com seus desejos sufocados até a presença de Bibelô – interpretado com um charme desconcertante por Victor Rosa –, o estranho que funciona como catalisador de todas as hipocrisias familiares.
O que mais impressiona é como a peça, escrita há quase 70 anos, continua a reverberar em 2025. As dinâmicas de poder, os abusos velados, a sexualidade reprimida e a dupla moral religiosa parecem ter atravessado décadas sem perder força. A encenação não tenta atualizar artificialmente o texto – pelo contrário, deixa claro que essas mazelas continuam entre nós, ainda que com novas roupagens.
A escolha de incluir artistas como Jup do Bairro – em sua estreia nos palcos – reforça o compromisso da Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona com espetáculos que pulsam vida real. Nunca uma representação distanciada, antes um mergulho coletivo nas feridas que o texto provoca.
No final, saímos do teatro com aquela sensação característica das obras rodriguianas: um misto de repulsa e reconhecimento. "7 Gatinhos" não fala apenas sobre uma família disfuncional dos anos 1950 – fala sobre todos nós, sobre as estruturas que nos moldam e as hipocrisias que insistimos em manter.
Veja cenas do espetáculo '7 Gatinhos', de Nelson Rodrigues
Três perguntas para…
… Joana Medeiros
Na peça, você interpreta Noronha, o patriarca, desafiando a tradição de papéis de gênero. Como essa escolha amplia a crítica rodriguiana ao patriarcado?
Todos os homens abusivos em mim ressurgem. Minha história de 55 anos de vida, as escolhas que brotaram desse patriarcado, ou a que fui submetida, mas também os abusos que causei enquanto filha do patriarcado adoecido.
Sobre a personagem ser do gênero masculino, sou uma mulher e artista em vias de cura, aprendendo a escuta, envolta no meu corpo branco pansexual atento, ainda em processo, na sua escultura social, de gênero e raça, sinto um caminho longo: mesmo num chão como o do Oficina, cheio de revoluções e transgressões, o feminino tem, em Nelson e em "7 Gatinhos" a responsabilidade do olho aberto, da realidade dita abertamente, pelo texto em 1957 e por nós através dele em 2025.
Para mim é fundamental sentir na pele, através desse texto, a violência desse patriarcado, para me curar de qualquer concessão, com a confiança na integridade das palavras certeiras como flechas de Nelson, para que, nossa obra e o público se decidam de uma vez por todas a reconhecer e recusar essa forma obsoleta e apodrecida de patriarcado: decisão sem volta nem trégua para todes!
A peça aborda a sexualidade feminina de forma crua. Como atualizar essa discussão para os debates contemporâneos sobre gênero?
A peça me pergunta: como renascer e desfrutar de um feminino em todos os corpos, matando o patriarcado abusivo? Nelson mata literalmente os tês homens: o jovem cafetão Bibelô, o velho pai incestuoso Noronha e o medico pedófilo obstetra Bordalo; o quarto homem é ferido de guerra e não tem sexo!
Quantas escolhas diárias o feminino tem que enfrentar na sua delicadeza e firmeza, sem concessões nem firulas, e no entanto numa concepção abrangente da união pós gênero do feminino, no renascimento da Xamã telúrica corpo/alma/sexo. A escolha na peça vai se dando aos poucos, a sexualidade "usada pelo masculino" vai sendo ressignificada e afirmada quadro a quadro: a grandeza da Revanche do Feminino (tema usado por nós na elaboração dos ensaios), se apresenta integralmente, mais do que somente a queda do patriarcado. Acredito, como diretora, nesta concepção dos quadros da peça. Nelson não nos traz cenas, traz quadros, são plasticidades, é cinema, tempo não linear, tempo/memória: "são os fatos, os fatos!
Teatro Oficina encena 'Os 7 Gatinhos' na noite de Natal
O Teatro Oficina é conhecido por dissolver fronteiras entre palco e plateia. Como esse espaço dialoga com a claustrofobia da família Noronha?
A grande claustrofobia dessa peça para mim é a descoberta da pesquisa de todos os tipos de abuso que o autor meticulosamente lista, (eu sinto Nelson investigando os crimes pessoais de todos os tipos de abuso possíveis numa só obra, por isso o impacto dela em cena).
A princípio se vê o abuso do feminino, mas o masculino se mostra abusado e exausto também através do abuso social: quando o contínuo (Noronha) diz "não vou mais servir cafezinho nem água gelada a deputado nenhum!"; o abuso da falta de cumplicidade entre as irmãs, o abuso racial que também aparece no texto: "faz de graça parto de negra"; a pedofilia, juntamente com o abuso médico, político, psicológico, emocional, físico e espiritual.
Em "7 Gatinhos" no Teatro Oficina percorremos as galerias atrás do público que se encontra envolto na trama; conseguimos crescer a casa no subúrbio do Rio, do texto do Nelson, em um grande cortiço do Bixiga, trazendo a bateria jovem da Vai-Vai desde a rua, na fila da bilheteria, até a introdução do nosso enredo. Comemos o Bixiga assim como Nelson come o crime e Zé come a tragédia orgiástica candomblaica!!! Axé!
Teatro Oficina - rua Jaceguai, 520 - Bela Vista, região central. Ter. e qua., 20h. Até 20/8. Duração: 150 minutos. A partir de R$ 35 (meia-entrada) em sympla.com.br. Morador do Bixiga: R$ 25 (compra presencial na bilheteria, mediante a comprovante de endereço em próprio nome, um ingresso por comprovante). A bilheteria do teatro abre com 1h de antecedência ao espetáculo.
Os sete gatinhos - peça
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O começo do fim
Há 80 anos, 1ª explosão de uma bomba atômica marcou o início de uma nova era
Com teste Trinity, em 1945, humanos se tornaram capazes de destruir sua própria biosfera
Reinaldo José Lopes & Luciano Veronezi, fsp, 13/07/2025
FOTO Bomba capa Às 5h29 de 16 de julho de 1945, cientistas de Los Alamos realizaram com sucesso o teste Trinity. Jack Aeby, membro do grupo liderado pelo físico italiano Emilio Segrè, capturou esta imagem colorida da nuvem em forma de cogumelo após a detonação da bomba - Jack Aeby/Centro Nacional de Pesquisa em Segurança (EUA)
"De repente, houve um enorme lampejo de luz, a luz mais brilhante que eu já vi ou que qualquer pessoa já viu, creio. Ela explodia; dava botes; cavava um buraco dentro da gente. Era uma visão que podia ser vista com algo mais do que com os olhos. Dava a impressão de durar para sempre."
A descrição, feita pelo físico ganhador do Nobel Isidor Isaac Rabi, é um dos diversos relatos da experiência assombrosa de presenciar a primeira explosão de uma bomba atômica. O teste Trinity, realizado às 5h29 (horário local) de 16 de julho de 1945, no deserto do Novo México (sudoeste dos Estados Unidos), marcou o início da era em que os seres humanos se tornaram capazes de destruir sua própria biosfera.
Oito décadas depois do teste, o que impressiona nos relatos dos participantes é a estranha mistura de incerteza sobre como seria a explosão (se é que ela chegaria mesmo a acontecer) com a compreensão imediata, após o sucesso da empreitada, de que o mundo jamais seria o mesmo.
Foi o momento culminante do Projeto Manhattan, um esforço que acabaria empregando 130 mil pessoas, ao custo de US$ 2 bilhões de então (ou quase R$ 200 bilhões em valores de hoje), entre 1942 e 1946. Ironicamente, a inspiração original para o projeto partiu do pacifista Albert Einstein e de seu colega húngaro Leo Szilard.
Em carta formulada pelos dois, assinada por Einstein e entregue ao presidente americano Franklin Roosevelt em outubro de 1939, os cientistas alertavam sobre o risco de a Alemanha nazista desenvolver armas atômicas e pediam que os EUA estimulassem suas próprias pesquisas sobre o tema.
Os americanos ainda demorariam dois anos para entrar na Segunda Guerra Mundial. Mas, após o início da participação do país no conflito, grande parte dos maiores físicos do mundo passou a receber apoio das Forças Armadas no desenvolvimento das primeiras armas atômicas.
Coordenado pelo nova-iorquino Julius Robert Oppenheimer no laboratório de Los Alamos, no Novo México, formou-se um "dream team" da ciência mundial. O objetivo inicial de muitos desses cientistas era usar o "novo tipo de bomba" como arma decisiva contra o nazismo, encerrando de vez o conflito global.
Entretanto, os imensos desafios envolvidos na fabricação do artefato –ou "a geringonça", como era chamado informalmente pela equipe– fizeram com que a guerra se aproximasse do fim, com a chegada do ano de 1945, sem que o trabalho estivesse concluído. Na Europa, a vitória dos Aliados contra os nazistas foi proclamada em 8 de maio.
Mas o Japão, país aliado de Hitler cujo ataque ao Havaí tinha levado os americanos a entrar na guerra, ainda não se rendera. Os EUA se preparavam para uma invasão do território japonês, mas consideravam que as bombas atômicas poderiam aterrorizar o adversário a ponto de fazê-lo se entregar incondicionalmente.
Diante disso, o trabalho em Los Alamos prosseguiu a todo vapor. A equipe de Oppenheimer havia desenvolvido dois modelos diferentes da primeira bomba, um bem mais simples e ineficiente, outro considerado mais elegante do ponto de vista da física envolvida, mas também mais complexo.
Em 1945, explosão da bomba atômica fotos
No teste, marcado para acontecer numa área do deserto conhecida como Jornada del Muerto, a "geringonça" era composta de uma complexa combinação de elementos químicos radioativos, em especial o plutônio e o urânio, e explosivos convencionais.
A ideia era que a detonação dos explosivos acontecesse de tal maneira que eles aumentassem de forma intensa e rápida a densidade do núcleo radioativo da bomba. Isso desencadearia a reação em cadeia que "quebra" os núcleos dos átomos, liberando imensas quantidades de energia em minúsculas frações de segundo.
Ainda há certo mistério acerca de como a testagem acabou ganhando seu codinome oficial. "Oppenheimer apelidou o teste de ‘Trinity’, embora, anos depois, não soubesse com muita certeza por que escolhera esse nome", escrevem os biógrafos do físico, Kai Bird e Martin Sherwin.
Ambas as possíveis inspirações para a designação, de qualquer maneira, refletem o caráter vagamente místico e as obsessões literárias do líder do Projeto Manhattan. Uma delas é um poema do sacerdote anglicano John Donne (1572-1631) sobre a Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo, na crença cristã). Outra possibilidade, dizem Bird e Sherwin, é que ele estivesse pensando em outra trindade divina, a da religião hindu, formada por "Brahma, o criador, Vishnu, o preservador, e Shiva, o destruidor".
O local escolhido para o teste, repleto de cactos, escorpiões, cascavéis e aranhas de grande porte, precisou receber infraestrutura praticamente do zero.
'Dia da pescaria'
A data de 16 de julho –apelidada de "dia da pescaria" nas mensagens cifradas do grupo– acabou sendo fixada em parte por motivos políticos.
O novo presidente dos EUA, Harry Truman, estava se reunindo naqueles dias com os demais Aliados em Potsdam, na Alemanha ocupada, e queria usar o resultado para ganhar peso político e militar diante dos soviéticos. Era mais um motivo de tensão, já que o meteorologista da equipe, Jack Hubbard, estava prevendo tempestades próximas da data, o que poderia afetar o equipamento.
O processo de levar todo o material de Los Alamos para Jornada del Muerto começou no dia 12, depois de a equipe ter recoberto o núcleo de plutônio da bomba com folhas de níquel e ouro, para evitar a corrosão do material e absorver as partículas radioativas alfa emitidas pelo elemento químico.
Robert Oppenheimer, o pai da bomba atômica fotos
No dia seguinte, as peças começaram a ser montadas, e a equipe tomou um susto quando viu que o "concentrador" de urânio que recobriria o plutônio não parecia se encaixar direito. Eles perceberam que o problema era a diferença de temperatura –a radioatividade do plutônio era suficiente para esquentá-lo, enquanto o urânio estava mais frio. Bastou deixar as peças em contato para que o encaixe enfim desse certo.
Depois foi a vez dos explosivos convencionais, em parte presos no formato certo com a ajuda de fita adesiva. A bomba, por fim, foi levada para o alto da torre por um guindaste elétrico, e militares colocaram uma pilha de colchões embaixo, só para o caso de acontecer algum acidente.
Membros do projeto fizeram apostas sobre qual seria a força da explosão, conta o jornalista americano Richard Rhodes no livro "The Making of the Atomic Bomb" ("A Criação da Bomba Atômica", sem versão brasileira).
Efeitos da primeira explosão da bomba atômica foram subestimados Radiação do teste nuclear Trinity alcançou 46 estados americanos, Canadá e México
Houve quem apostasse que não aconteceria nada, enquanto o italiano Enrico Fermi, já então ganhador do Nobel, mencionou a possibilidade de que a explosão incendiasse a atmosfera, chegando a destruir o Novo México ou mesmo o mundo inteiro (os cálculos da equipe sugeriam que isso era praticamente impossível).
Hubbard, o meteorologista, garantiu que, pouco antes do amanhecer do dia 16, as tempestades parariam, o que de fato aconteceu. A maior parte da equipe de Los Alamos chegou ao posto de observação a 32 km de distância.
"Mandaram que ficássemos deitados na areia, com o rosto virado para o lado oposto ao da explosão e cobrindo a cabeça com os braços", recordou mais tarde o físico húngaro Edward Teller. "Ninguém obedeceu. Estávamos determinados a olhar nos olhos da fera." Vários dos cientistas passaram loção contra queimaduras no corpo, colocaram óculos escuros e se prepararam para observar o teste com máscaras de soldador.
Quando a detonação enfim aconteceu, um turbilhão de sensações inesperadas atingiu os observadores. Em primeiro lugar, foi como se a madrugada virasse dia claro por alguns segundos –quem não cobriu os olhos com alguma proteção chegou a ficar cego por meio minuto.
O barulho tremendo, o calor e a onda de choque provocadas pela explosão chegaram mais tarde, assim como a mudança de cores da luz –vermelha, azul e arroxeada– e a altura alcançada pelo "cogumelo" da bomba na atmosfera.
As primeiras vítimas da nova tecnologia foram coelhos do deserto, mortos a uma distância de mais de 700 metros da torre.
Depois de parabenizar os coordenadores da equipe pelo sucesso do método empregado na bomba, o coordenador do teste, Kenneth Bainbridge, virou-se para Oppenheimer e disse: "Agora somos todos filhos da puta".
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Ana Maria Gonçalves é eleita para ABL e se torna primeira mulher negra a virar imortal
Autora de 'Um Defeito de Cor' rompe com 128 anos de história e diz que vitória sinaliza a abertura a uma língua mais inclusiva
Walter Porto, fsp, 10/07/2025
Depois de 128 anos de história, a Academia Brasileira de Letras acaba de eleger a primeira mulher negra para sentar em uma de suas 40 cadeiras. Ana Maria Gonçalves, autora do romance "Um Defeito de Cor", foi eleita na tarde desta quinta-feira para a vaga antes ocupada pelo linguista Evanildo Bechara.
A escritora mineira de 54 anos foi a primeira a se inscrever para cadeira número 33 após a sessão da saudade de Bechara, no dia 27 de maio, um sinal de como a candidatura foi bem costurada dentro da ABL. Ela já largou à corrida como favorita.
Sou escritora negra, mas minha obra é universal, diz autora de 'Um Defeito de Cor' A autora levou 30 votos contra um da escritora indígena Eliane Potiguara. Havia outros 11 concorrentes: Ruy Lobo, Wander Lourenço de Oliveira, José Antônio Hartmann, Remilson Candeia, João Calazans Filho, Célia Prado, Denilson Marques da Silva, Gilmar Cardoso, Roberto Numeriano, Aurea Domenech e Martinho de Melo.
Exposição baseada em 'Um Defeito de Cor'
Gonçalves atendeu à Folha em meio à euforia da comemoração, durante uma recepção na casa de Roberta Machado, sócia de sua editora, a Record. A eleição, segundo a nova imortal, pode ser lida como o sinal de uma instituição mais afinada à diversidade real do Brasil.
"Pode estar mandando um recado de que a Academia está mais aberta a repensar o trato institucional de uma língua portuguesa mais inclusiva, pensando na riqueza que os africanos e indígenas incorporaram à nossa língua mátria", aponta ela. A escritora diz que, antes de se candidatar, refletiu sobre as razões que a impeliam a a ocupar uma vaga —foi a primeira vez que Gonçalves tentou ingressar na Casa de Machado.
"Pensei que posso levar para a ABL um público leitor que não se via representado, ainda, em grande parte da literatura que se produz lá dentro. Tenho muita vontade de agir institucionalmente em prol de novos escritores e novas tecnologias de saber, incorporando a oralidade e a escrevivência, por exemplo, que são modos muito nossos de fazer literatura."
A obra da autora é considerada um ponto de virada na literatura negra brasileira. "Um Defeito de Cor", publicado pela Record em 2006, foi um marco na elaboração literária da história do Brasil, com olhos voltados à diáspora africana e aos efeitos da escravidão como modulares da identidade do país.
"Gonçalves é uma das responsáveis, no Brasil, pelo encontro mais fértil entre as autoras negras e o gênero romance", afirma a crítica literária Fernanda Miranda, que estudou em seu doutorado a maneira como a produção de romancistas negras se expandiu a partir do ano de publicação da obra-prima da mineira.
O romance, aliás, ficou em primeiro lugar em lista recente da Folha que convidou 101 especialistas para escolher os melhores livros de literatura brasileira do século 21.
Segundo Miranda, que é professora da Universidade Federal da Bahia, o livro "amplia nossa concepção de África como um território multifacetado, complexo, vibrante, porque é formulado pelo conflito e não pela idealização". Da mesma forma, "traduz de forma exemplar" como o Brasil é um país que está em constante movimento entre diferentes culturas.
O romance histórico, que já vendeu 180 mil exemplares e inspirou de exposições de arte a enredo de escola de samba, acompanha ao longo de 950 páginas a vida da narradora Kehinde, desde seu sequestro na África, passando pela escravização no Brasil até a busca por seu filho perdido —a personagem tem traços inspirados na vida de Luiza Mahin, tida como mãe do advogado abolicionista Luiz Gama.
Gonçalves não voltou a escrever outro romance nos 19 anos que se seguiram ao lançamento da obra, tendo se dedicado principalmente a dramaturgia e roteiros de audiovisual —em entrevista à Folha, ela disse que ficou "muitos anos sem conseguir produzir absolutamente nada porque tinha medo de falhar" após o sucesso de "Um Defeito de Cor".
"É um acontecimento histórico", diz Fernanda Miranda sobre a eleição da escritora à ABL. "A presença de autoras negras é uma realidade no sistema literário brasileiro. O mercado editorial já sabe, a universidade está aprendendo, a crítica literária tem se revelado menos cega do que já foi. Instituições tradicionais como a ABL demoram ainda mais tempo para perceber que literatura é movimento, não algo estático."
A eleição, segundo ela, sinaliza um passo da Academia na direção de um entendimento menos restrito da literatura. "Ou seja, ganha mais a ABL. É ela que se enriquece ao trazer para seu convívio uma das autoras mais prestigiadas da língua portuguesa no século 21."
É curioso que outra dessas autoras, hoje amplamente reconhecida como ponta de lança da literatura nacional, foi preterida pela mesma instituição há apenas sete anos.
Conceição Evaristo foi protagonista de uma rumorosa candidatura, em 2018, que postulava que ela passasse a ocupar a vaga de Nelson Pereira dos Santos. A escritora teve apenas um voto na ocasião, e o cineasta Cacá Diegues foi eleito —hoje a cadeira é ocupada pela jornalista Míriam Leitão, escolhida em abril.
A candidatura de Conceição, que partiu menos dela que de um movimento público que incluiu um abaixo-assinado com 20 mil assinaturas, foi percebida pela Academia como intimidação. Os imortais têm uma expectativa de que o postulante passe por um certo ritual, que envolve a manifestação do interesse na vaga, a aproximação aos acadêmicos e o envio de livros para os votantes.
Se há sete anos a escritora não cumpriu esses protocolos —e não poupou a ABL de críticas desde então—, Gonçalves fez tudo isso. E diz que a autora de "Ponciá Vicêncio" foi mal orientada na época. "Eu gostaria de esclarecer esse mal-entendido agora. Mas, de todo modo, a candidatura dela foi extremamente vitoriosa para fazer a Academia se ver como um lugar que não tinha diversidade."
Agora se arma o terreno para uma possível nova tentativa de Conceição, apadrinhada por membros mais recentes da instituição, após o pioneirismo ser quebrado por Gonçalves. E de fato, os últimos anos viram a Academia se engajar em alguns ineditismos, como o de Ailton Krenak, primeira pessoa indígena empossada em uma cadeira, no ano passado.
O compositor Gilberto Gil se tornou o raro homem negro fazendo companhia ao imortal Domício Proença Filho na instituição fundada por Machado de Assis. E a presença de mulheres aumentou de leve com Míriam Leitão e Lilia Schwarcz —mas, com Gonçalves, elas são apenas 13 em toda a história da ABL.
Por outro lado, houve a inclusão de acadêmicos do perfil masculino e branco que sempre foi regra, a exemplo do advogado José Roberto de Castro Neves e do escritor Edgard Telles Ribeiro, para citar dois dos últimos meses.
"Essas eleições recentes têm cumprido um importante papel social ao reacenderem um debate público mais amplo sobre a histórica falta de representatividade de mulheres, negros e indígenas em espaços de poder, suscitado justamente pela candidatura de Conceição Evaristo", diz a professora Michele Asmar Fanini, que pesquisa a instituição pelo recorte de gênero e escreveu "Fardos e Fardões".
O momento, diz ela, traz oportunidade de refletir sobre a "lógica arbitrária e parcial" do cânone até aqui e "identificar os mecanismos de exclusão que nele operam, fruto de uma engenhosa e intrincada construção social".
A escritora Cidinha da Silva diz que "não se pode restringir a presença de Ana Maria Gonçalves nesse pleito ao fato de ser uma mulher negra, embora seja importante ter gente negra em todos os lugares de poder, mando e decisão". Gonçalves foi convidada a se candidatar, segundo ela, "porque é uma das maiores escritoras vivas do Brasil".
A crítica Fernanda Miranda diz estar mais numa posição de observação cautelosa que de pura celebração.
"É importante estarmos alertas para não confundir um ato de auto-resgate de uma instituição tida como falida por muitos com um ato de reconhecimento verdadeiro. Foi Conceição Evaristo quem disse, o importante não é ser o primeiro ou a primeira, o importante é abrir caminhos. Vamos observar os próximos passos para saber se Ana Maria e Krenak vão figurar como elementos únicos, como símbolos de ausências, ou se a ABL está apontando para novos contornos."
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Carlos Lemos – Edifício Copan
Arquiteto do Copan e memória de São Paulo, Carlos Lemos faz 100 anos
Raul Juste Lores, UOL, 09/07/2025
Nove de Julho é feriado, nome de avenida imensa cortando bairros importantes, mas pouca gente sabe explicar bem o que aconteceu nessa data. E mesmo esses poucos talvez repitam a narrativa da ditadura varguista. Estudar história não é nosso forte. Da arquitetura, então, menos ainda. Daí a exceção superlativa da carreira de Carlos Lemos.
O arquiteto completou 100 anos, lançando livro novo, o "Cidade sem Vestígios" (sim, a nossa São Paulo), em edição do Instituto Sarasá. Não há outro paulistano com uma carreira tão longeva em defender nossa memória, com estudo e preocupação. Numa cidade de ativistas com interesses unicamente partidários ou imobiliários, Lemos é preservacionista-raiz.
O fato de não ter sido feita uma única reportagem de TV (ou reportagem mesmo) sobre esse centenário é apenas mais uma prova de que se dedicar à memória não dá audiência. O suposto interesse paulistano em tombamentos se esvai quando o imóvel não está na rua ou no bairro dos ativistas com interesses.
Mesmo no exíguo mundo da arquitetura, com exceção de Niemeyer, Artigas, Mendes da Rocha e Lina, as homenagens são escassas. Lemos não pertence a panelas, em uma categoria farta delas.
E olha que Lemos foi escolhido como braço-direito do escritório de Oscar Niemeyer em São Paulo quando tinha apenas 25 anos, formado há pouco na primeira turma de Arquitetura do Mackenzie. Foi ele quem executou e completou o edifício Copan, quando Niemeyer já havia largado as encomendas paulistanas para se dedicar exclusivamente a projetar Brasília.
Também colaborou nos inúmeros projetos para o Ibirapuera e para o amigo incorporador Octavio Frias de Oliveira, como os prédios Eiffel, Montreal e Triângulo. E ainda fez, inspirado por Di Cavalcanti, o painel na praça interna do Edifício-Galeria Califórnia (sim, Lemos também é artista, e premiado). Em carreira solo, fez diversas casas em São Paulo, Ubatuba e em Ibiúna, como a casa para seus amigos Ruth e Fernando Henrique Cardoso.
Mas são sessenta anos de luta pela preservação do patrimônio. Foi o primeiro diretor técnico do Condephaat, o conselho estadual, de 1968 a 1981, e logo depois conselheiro do órgão (1983 a 1990). Foi também conselheiro do Iphan, o órgão federal, e do municipal Conpresp. Lecionou Historia da Arquitetura por 58 anos na FAU-USP, e publicou por quase dez anos um Dicionário da Arquitetura Brasileira na revista Acrópole, em conjunto com o colega Eduardo Corona.
História e paisagem
Ao contrário de outros colegas modernistas, sua curiosidade e paixão se estendem a estilos pré-modernos. Estudou da casa de taipa à arquitetura da primeira República, dos casarões dos barões do café a intervenções contemporâneas em prédios históricos. Seu centenário deve estimular a leitura de muitos de seus livros. Recomendo A Historia do Edificio Copan, publicado pela editoria da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; "Viagem pela Carne" e "Casa Paulista", ambos da Edusp; e dois livros da inesquecível da coleção Primeiros Passos, "O que é Arquitetura" e "O que é Patrimônio Histórico".
Estes últimos facilmente encontráveis nos sebos sobreviventes pela cidade.
(O do Copan é particularmente saboroso. O prédio símbolo de São Paulo levou 18 anos para ficar pronto, e é um suco de economia, política e arquitetura do Brasil. Para tanto político e empresário pouco lido, que acha que São Paulo não tem ícones, é leitura obrigatória.)
Tive a sorte de entrevistá-lo diversas vezes para o meu livro São Paulo nas Alturas (Companhia das Letras). Com humor e memória impressionante, contava causos de quando era estudante no Mackenzie, do pequeno caos de trabalhar com Niemeyer e Di Cavalcanti na rua 24 de Maio, e das disputas do nascente mercado imobiliário da São Paulo dos anos 1950.
Até me confidenciou da ciumeira que o sucesso do autodidata Artacho Jurado provocava nos diplomados. E elogiava diversos colegas mackenzistas, de Pedro Paulo de Melo Saraiva e Joao Kon a Victor Reif e Franz Heep (estes últimos dois, professores), alguns dos que mereciam ter recebido muitas outras homenagens.
Também descobri que ele não era o único da família a deixar marcas na paisagem paulistana. Seu irmão, o artista Fernando Cerqueira Lemos, fez o enorme mural de concreto na fachada inclinada do edifício Gazeta, na Paulista. Sim, aquele Gazeta Gazeta Gazeta que dá movimento ao paredão feito pelo engenheiro Figueiredo Ferraz, autor do prédio, e que ganhou uma bem-vinda abertura-recorte no térreo com a abertura do cine Reserva Cultural.
Formado em Jornalismo, Fernando ainda foi editor do caderno de Artes Visuais da Folha de S. Paulo. Sim, São Paulo já soube chamar artistas pra reinventar fachadas, em vez de espalhar fios LED natalinos ou marcas de luxo cafona. Como Carlos, Fernando tem muita história. Parabéns aos irmãos Lemos!
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Mahler - Sinfonia No. 3 em Ré menor |Cristian Măcelaru| Orquestra Sinfônica da WDR Coro da Rádio ________________________________
Jovens de Hiroshima pintam relatos de sobreviventes da bomba atômica
Colégio para artistas renova tradição anual e revela quinze novas obras produzidas para o 80º aniversário da tragédia
Tomohiro Osaki, fsp, 07/07/2025
Masaki Hironaka tinha cinco anos quando atravessou de mãos dadas com sua mãe as ruínas de Hiroshima, quatro dias após a bomba atômica lançada pelos Estados Unidos em 1945. Agora, sua lembrança ganha vida graças à arte.
É uma das muitas cenas gravadas na memória deste sobrevivente que, 80 anos depois desse bombardeio, são transferidas para uma tela pelas mãos de um grupo de adolescentes japoneses.
Há quase 20 anos, o liceu Motomachi de Hiroshima encarrega seus alunos de arte de recolher os testemunhos dos "hibakusha", https://www1.folha.uol.com.br/blogs/andancas-na-metropole/2025/03/os-ultimos-hibakushas.shtml os sobreviventes da bomba atômica, e transformá-los em pinturas pungentes.
O centro educacional revelou recentemente quinze novas obras por ocasião do 80º aniversário da catástrofe de 6 de agosto de 1945. Nelas, veem-se soldados carbonizados se contorcendo de dor, ou uma menina petrificada em meio às chamas.
"Penso que esta pintura transmite de forma muito fiel o que eu sentia naquela época", diz Hironaka à AFP, assentindo satisfatoriamente com a cabeça diante de uma obra que imortaliza "uma página inesquecível" de sua vida.
O quadro, da estudante Hana Takasago, retrata o jovem Masaki, erguendo o olhar para sua mãe, enquanto ambos avançam entre as ruínas ainda fumegantes da cidade em 10 de agosto de 1945. "É autêntica e está muito bem desenhada", afirma o protagonista.
Hibakushas, os sobreviventes das bombas atômicas fotos
Alguns dias antes, seu pai voltou para casa gravemente queimado pela explosão e pediu que ele retirasse um pedaço de vidro profundamente cravado em sua perna. Morreu pouco tempo depois.
Na pintura, sua mãe, já viúva, segura a pequena mão de Masaki e leva nas costas sua irmã mais nova. "Naquele instante, senti uma determinação profunda de ajudá-la, apesar da minha pouca idade. É este sentimento que fica aqui capturado", diz o sobrevivente, que agora tem 85 anos.
"Tinha apenas cinco anos quando isso aconteceu comigo e fui traumatizado por um evento tão perturbador. Quando tento contar esses momentos, mal consigo conter as lágrimas", explica.
Transmitir a memória
A bomba atômica lançada sobre Hiroshima matou cerca de 140.000 pessoas, algumas falecidas mais tarde devido à exposição à radiação.
O liceu Motomachi participa de um projeto iniciado pelo Museu do Memorial da Paz de Hiroshima que, ao longo dos anos, viu nascer mais de 200 obras. O objetivo é transmitir a lembrança desse bombardeio às jovens gerações.
Nos últimos meses, os sobreviventes como o próprio Hironaka têm se reunido regularmente com os alunos para falar sobre a evolução das obras e, às vezes, para pedir mudanças.
"No início, representei o senhor Hironaka e sua mãe de frente, mas ele me disse que (...) isso não refletia realmente o combate interior que ela vivia naquele momento", conta à AFP Hana Takasago, de 17 anos.
'Little Boy' e o grande poder de destruição - fotos
"Sem ter visto as cenas descritas, nunca estava segura de que minha representação fosse adequada", explica no enorme ateliê de seu liceu.
Sua colega Yumeko Onoue, de 16 anos, pintou algumas abóboras que Hironaka lembra ter visto cobertas de enxofre devido à "chuva negra" radioativa, mas mudou a orientação das folhas para ser fiel à lembrança do sobrevivente. "Como as fotos da época são em sua maioria em preto e branco, a pintura permite adicionar cor, destacar alguns elementos, o que me parece ideal para transmitir uma mensagem", afirma a estudante.
"A última geração"
Muitos adolescentes tiveram que recorrer à sua imaginação ou consultaram documentos históricos sobre essa catástrofe em uma tarefa nem sempre agradável.
Mei Honda, de 18 anos, diz que foi "emocionalmente exaustivo" representar a carne carbonizada e pendurada das vítimas. Seu quadro mostra uma mulher nesse estado que tenta beber água.
"Primeiro desenhei seus braços colados ao torso, mas o contato com a pele teria sido insuportável devido às queimaduras", conta a aluna.
Entre os alunos que participam deste projeto artístico, impõe-se um sentido de urgência. "Somos provavelmente a última geração a ter a oportunidade de ouvir as experiências dos 'hibakusha' pessoalmente", diz Aoi Fukumoto, de 19 anos.
Para alguns, como Hana Takasago, é uma experiência iluminadora. "Antes de participar deste projeto, as consequências da bomba atômica sempre me pareciam distantes, mesmo sendo originária de Hiroshima".
Mas depois de ouvir a história de Hironaka, "não posso ficar como uma simples espectadora", assegura.
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Di Melo, O Imorrível - Documentário
Di Melo com Charlies Gavin - no Programa "O Som do Vinil" Canal Brasil
Di Melo e Gabi Di Abade - Engano ou castigo
Di Melo imorrivel e Gabi Di Abade
Di Melo e Gabi Abade - Kilariô (AO VIVO Sesc Belenzinho)
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A morte em proparoxítonas
Alvarenga e Ranchinho, uma dupla sertaneja das antigas, punha humor e sofisticação na sofrência
Ruy Castro, fsp, 05/07/2025
"Ouve meu cântico, quase sem ritmo/ Que a voz de um tísico, magro, esquelético/ Poesia ética em forma esdrúxula/ Feita sem métrica com rima rápida.// Amei Angélica, mulher anêmica/ De cores pálidas e gestos tímidos/ Era maligna e tinha ímpetos/ De fazer cócegas no meu esôfago.// Em noite frigida, fomos ao Lírico/ Ouvir o músico, pianista célebre/ Soprava o zéfiro, ventinho úmido/ Então Angélica ficou asmática.// Fomos ao médico de muita clínica/ Com muita prática e preço módico/ Depois do inquérito descobre o clínico/ O mal atávico, mal sifilítico.
"Mandou-me célere comprar noz vômica/ E ácido cítrico para o seu fígado/ O farmacêutico, mocinho estúpido/ Errou na fórmula, fez despropósito.// Não tendo escrúpulo, deu-me sem rótulo/ Ácido fênico e ácido prússico./ Corri mui lépido mais de um quilômetro/ Num bonde elétrico de força múltipla.// O dia cálido deixou-me tépido/ Achei Angélica já toda trêmula/ A terapêutica dose alopática/ Lhe dei em xícara de ferro ágate.// Tomou num fôlego, triste e bucólica/ Essa estrambótica droga fatídica/ Caiu no esôfago, deixou-a lívida/ Dando-lhe cólica e morte trágica.
"O pai de Angélica, chefe do tráfego/ Homem carnívoro, ficou perplexo./ Por ser estrábico, usava óculos/ Um vidro côncavo, e o outro convexo.// Morreu Angélica, de um modo lúgubre/ Moléstia crônica levou-a ao túmulo/ Foi feita a autópsia, todos os médicos/ Foram unânimes no diagnóstico.// Fiz-lhe um sarcófago assaz artístico/ Todo de mármore da cor do ébano/ E sobre o túmulo uma estatística/ Coisa metódica como "Os Lusíadas".// E, numa lápide paralelepípedo/ Pus esse dístico, terno e simbólico:/ ‘Cá jaz Angélica, moça hiperbólica/ Beleza helênica, morreu de cólica.’"
O que é isso? Uma modinha, "O drama da Angélica", de certos Barreto e Lubiti, gravada em 1942 pela famosa dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho. A letra, toda em proparoxítonas, é uma obra-prima. O vídeo está no YouTube — não perca.
Sim, a sofrência das duplas sertanejas brasileiras já foi assim.
Alvarenga & Ranchinho - Drama De Angélica vídeo
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Primeiro banho no Sena
Primeiro banho no Sena em um século tem água quente e fila pequena. Paris libera mergulho em 3 trechos do rio; praia artificial tem decoração nas cores do Brasil este ano
André Fontenelle, fsp, 05/07/2025
"Gente, eu tomava banho na praia da Ilha [do Governador]. Eu vou ter medo de água do Sena?", disse, entre gargalhadas, a carioca Carla
Os primeiros banhistas "oficiais" do Sena em mais de um século entraram na água às 8h01 de Paris (3h01 em Brasília) deste sábado (5). O mergulho foi liberado em três pequenos trechos do rio que atravessa a capital francesa, depois de uma obra bilionária de despoluição.
Apesar da expectativa, o acontecimento histórico atraiu quase tantos jornalistas quanto banhistas. Embora as três piscinas naturais comportem até 600 pessoas ao mesmo tempo, a fila para entrar na água foi pequena nas primeiras horas, em parte devido aos 18°C da manhã parisiense. Quem mergulhou, porém, se disse maravilhado com a qualidade e a temperatura da água (25°C).
"Está melhor dentro da água do que fora", opinou o contador Paul Lemoine, 27, um dos primeiros a mergulhar. Ele disse que fez questão de chegar na primeira hora. "O Sena simboliza Paris, os Jogos Olímpicos do ano passado. Virei sempre que possível."
Tomar banho no Sena foi proibido em 1923, devido à poluição. As obras para livrar o rio do lixo, do esgoto e dos resíduos industriais custaram cerca de € 1,4 bilhão (R$ 9 bilhões).
No ano passado, o rio foi usado para as provas de triatlo e maratona aquática dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, em meio a controvérsias sobre a qualidade da água. Neste sábado, porém, o nível de bactérias estava "muito baixo", segundo o governador da região Ile-de-France (à qual pertence Paris), Marc Guillaume.
Moradoras de Paris, as brasileiras Carla Soares e Patrícia Huchedé também elogiaram a qualidade da água: "Gente, eu tomava banho na praia da Ilha [do Governador]. Eu vou ter medo de água do Sena?", disse, entre gargalhadas, a carioca Carla.
A prefeita Anne Hidalgo compareceu à inauguração, mas não mergulhou - ao contrário do ano passado, quando entrou na água às vésperas dos Jogos Olímpicos, para demonstrar a balneabilidade do rio. Ela disse que vai mergulhar "como uma parisiense", sem anunciar à imprensa o dia. Segundo Hidalgo, o objetivo é que haja 30 locais de banho no Sena dentro de alguns anos.
Paris volta a permitir banho no rio Sena - fotos
Hidalgo estava acompanhada do prefeito da Cidade do Cabo, na África do Sul, Geordin Hill-Lewis, que afirmou querer criar algo semelhante em sua cidade: "O que estamos vendo aqui é muito inspirador, é exatamente o que queremos imitar."
A liberação do banho ocorreu com um toque brasileiro. Este ano, Paris Plages, nome dado às praias artificiais montadas a cada verão nas margens do Sena, homenageia o Brasil. Além de cadeiras de praia nas cores da bandeira brasileira, haverá eventos culturais relacionados ao país durante todo o verão, como uma exposição de imagens do fotógrafo João Farkas, parte da programação do Ano do Brasil na França.
Em um dos trechos do Sena, também é possível comprar bebidas e salgados brasileiros. Uma caipirinha sai por € 12 (R$ 77), enquanto uma porção de cinco salgadinhos (pão de queijo, coxinha, quibe, rissole e pastel de bacalhau) custa € 10 (R$ 64).
À tarde, a prefeita Hidalgo inaugurou Paris Plages ao lado do ex-jogador de futebol Raí, que mora em Paris, e do comissário do Ano do Brasil na França, Emilio Kalil. À noite, estava previsto um baile de Carnaval no Grand Palais. No domingo (6), a avenida dos Champs-Elysées, principal da capital francesa, abriga um desfile de Carnaval, um dos pontos altos da programação brasileira na França este ano.
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Goleador palestino entrega o bicho à Faixa de Gaza
Juca Kfouri UOL 02/07/2025
Abou Ali comemora gol marcado pelo Al Ahly contra o Porto no Mundial Imagem: Susana Vera/REUTERS
O jogador palestino Wissam Abu Ali, estrela do clube egípcio Al-Ahly, anunciou ontem, segunda-feira, que doará todo o dinheiro da sua premiação da Copa do Mundo de Clubes da FIFA para Gaza, na Palestina.
De acordo com a agência de notícias Sanad, o jogador e artilheiro da seleção palestina dedicou o dinheiro da sua premiação da Copa do Mundo, estimado em 25 milhões de libras egípcias, para apoiar os esforços humanitários e de assistência na Faixa de Gaza, vítima de genocídio e fome há mais de 21 meses.
Abu Ali se destacou durante sua participação com o Al-Ahly na Copa do Mundo de Clubes da FIFA de 2025, atualmente realizada nos Estados Unidos, marcando três gols contra o clube português Porto.
O Al-Ahly decidiu o futuro da sua estrela palestina na noite de segunda-feira, de acordo com o diretor esportivo do clube, Mohamed Youssef, que anunciou oficialmente que o jogador não seria liberado, apesar das inúmeras ofertas da Europa e do Golfo.
Abu Ali disputou 60 partidas pelo Al-Ahly, marcando 38 gols e deu dez passes para gol em diversas competições, contribuindo para os títulos da liga do clube nas últimas duas temporadas.
Ele também conquistou a Liga dos Campeões da CAF de 2024 e a Supercopa do Egito no mesmo ano, além de ter sido eleito o artilheiro da liga na temporada 2023-24.
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Emicida: a conversão da rebeldia em produto de mercado - vídeo
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