segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Monogamia

Monogamia é cômoda e barata, mas absolutamente frágil, diz sexólogo

Para Manuel Lucas Matheu Bolsonaro e Trump exploram valores familiares nos quais ninguém realmente acredita


Sexólogo espanhol Manuel Lucas Matheu, 70, presidente da Sociedade Espanhola de Intervenção em Sexologia, bem como membro vitalício da Academia Internacional de Sexologia Médica - Reprodução/Universidad de Antioquia


A expertise do espanhol Manuel Lucas Matheu, 70, é sexo. Presidente da Sociedade Espanhola de Intervenção em Sexologia há quase duas décadas e membro da Academia Internacional de Sexologia Médica desde 2011, ele é frequentemente requisitado a falar sobre temas que aparecem cada vez mais no noticiário e na boca de governantes conservadores, como homossexualidade, poligamia e casamento. Sua visão sobre o assunto é liberal. Critica presidentes como Jair Bolsonaro e Donald Trump que, segundo ele, exploram pretensos valores familiares nos quais ninguém realmente acredita. Diz que estudos apoiam a teoria de que o medo, a ansiedade e a aversão que alguns heterossexuais sentem a gays e lésbicas podem crescer com a repressão de seus próprios desejos homossexuais.

"A sexualidade não é algo sujo. A sujeira está nas mentes que foram contaminadas com uma sexofobia patológica e doente, cheia de medos e insatisfações", afirma.

Afirma também que a monogamia estrita é quase um mito. "A monogamia não é uma lei universal e está mais ligada à pobreza que à riqueza. E, quando falo de riqueza, no caso dos humanos, não me refiro apenas à riqueza econômica, mas também à estética, intelectual, social etc."

O sexólogo diz que aqueles que fazem críticas a gays, como Bolsonaro, podem estar reprimindo seus próprios desejos homossexuais. "Pois que tomem nota o senhor Bolsonaro e os que têm o mesmo discurso homofóbico e se olhem no espelho." Segundo Matheu, "a sexualidade é um valor e uma capacidade de desenvolver, e não algo sujo."

Para ele, ações educativas são o único caminho para um futuro saudável nas camas do mundo todo. "Precisamos com urgência do fomento de atitudes de igualdade e equidade, seja qual for sua condição ou forma de viver sua sexualidade. Só assim as relações sexuais deixarão de ser genitalizadas e falocráticas."

Em uma entrevista à BBC, o senhor falou que só somos monogâmicos porque somos pobres. O senhor poderia explicar melhor esse pensamento?


Eu não disse exatamente isso. Disse que a monogamia está muito mais presente em toda a escala filogenética quando há escassez de recursos.

A monogamia só está presente em 3% dos mamíferos.

Ela tampouco é uma moda muito frequente entre nossos parentes mais próximos, os primatas. Em um estudo realizado por Ford e Beach em 185 sociedades humanas, menos de 16% restringiam seus membros à monogamia.

Em outro estudo sobre as 238 diferentes sociedades humanas em todo o planeta, Murdoch encontrou casamento monogâmico em apenas 43 delas.

Definitivamente, o verdadeiro título da minha entrevista, e não aquele que a imprensa divulgou, é que a monogamia não é uma lei universal, que as formas de relação sexual são muito diversas e que a monogamia real e efetiva está mais ligada à pobreza que à riqueza. E, quando falo de riqueza, no caso dos humanos, não me refiro apenas à riqueza econômica, mas também à estética, intelectual, social etc. Supondo que todos os seres acordassem ricos da noite para o dia.


O senhor acredita que as pessoas abandonariam imediatamente a monogamia?

A monogamia real e estrita é quase um mito. Está muito mais ligada à dificuldade de romper vínculos ou de acessar outros pares e é sustentada por fortes regras morais e religiosas. A monogamia é cômoda e barata, mas absolutamente frágil.

A monogamia está de algum modo ligada à infelicidade?

A construção amorosa ocidental se baseia em um malabarismo quase impossível: o amor apaixonado. O amor apaixonado acaba quando o amor é consumado e tão logo se transforma em amor consumido, seja pela rotina ou pelo cumprimento de um contrato amoroso daquele tipo que ninguém lê as letrinhas pequenas antes de assinar. E é um contrato diabolicamente difícil de cumprir, porque é um contrato não apenas amoroso, mas econômico, sexual, de poder, de tarefas, recreativo, e, se há filhos, pedagógico.

Qual o segredo para que um relacionamento aberto funcione?

Ainda que eu não creia que a monogamia esteja necessariamente ligada à infelicidade, um amor maduro e relativamente feliz precisa de bons conhecimentos sobre como construí-lo, e isso ninguém ensina nem na escola nem na família. Conhecimentos para resolver os conflitos inerentes aos casais, para se comunicar, para se compreender. As conveniências sociais e econômicas e fortes repressões religiosas são capazes de manter muitos casais quando eles realmente não são felizes juntos. Ainda que, repito, não seja impossível ser feliz.

No Brasil, vivemos uma onda conservadora que diz agir em defesa da família e da moral. Por que o senhor acha que, de tempos em tempos, as pessoas retornam à ideia de que a forma correta de fazer sexo é com um marido/esposa?

Estou mais preocupado do que nunca. Já tivemos de tudo na Casa Branca, mas nunca um descerebrado machista, homofóbico, racista, provincianos rico, polígamos sequencial, mal-educado e sobretudo egocêntrico. Ao lado de Putin, Bolsonaro, Boris Johnson etc., Trump explora pretensos valores familiares nos quais ninguém realmente acredita.

O presidente do Brasil já se envolveu em situações que tinham o sexo como protagonista, como quando usou sua conta oficial no Twitter para perguntar o que é golden shower e pública fixação por criticar homossexuais. Uma pessoa falar de sexo sempre com uma conotação suja pode indicar algum distúrbio?

Elizabeth Badinter, discípula de Simone de Beauvoir, disse: "A homofobia contribui para reforçar a frágil heterossexualidade de muitos homens". Isso vem corroborar um estudo multicêntrico conduzido por uma equipe formada por investigadores da Universidade de Rochester, da Universidade de Essex, e da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara que conclui que a homofobia se dá com mais assiduidade em indivíduos com uma atração não reconhecida pelo mesmo sexo.

As descobertas apoiam a teoria de que o medo, a ansiedade e a aversão que alguns heterossexuais sentem a gays e lésbicas podem crescer com a repressão de seus próprios desejos homossexuais. Pois que tomem nota o senhor Bolsonaro e os que têm o mesmo discurso homofóbico e se olhem no espelho.

A sexualidade é um valor e uma capacidade de desenvolver, e não algo sujo. A sujeira está nas suas mentes, que foram contaminadas com uma sexofobia patológica e doente, cheia de medos e insatisfações, de origem multifatorial, onde têm relação com fatores educativos, traumas infantis e graves problemas de apego.


As pessoas têm pensado mais em sexo e por isso a pornografia é tão popular ou as pessoas têm pensado mais em sexo porque a pornografia é tão popular?

A pornografia, como é produzida e comercializada, retrata claramente um modelo de relações sexuais reducionista, genitalizado, falocrático, masculinizado, produtivista, desportivo e marginalizador. E não só retrata este modelo como o consolida. Por isso é tão preocupante que este tipo de pornografia esteja disponível para todas as idades.

E, fora do ambiente virtual, as pessoas têm feito mais sexo no mundo?

As novas tecnologias têm um impacto importante na sexualidade humana. Uma das vantagens é que o acesso à informação sobre sexo fica mais democrático, bem como o acesso às terapias sexuais. O ponto negativo é a progressão de uma nova forma de solidão, a eletrônica.

Há pessoas que se fecham em si e na comodidade do seu rincão cibernético. Isso pode produzir problemas psicológicos, e, sobretudo, a amputação dos campos sensoriais em detrimento de um dos aspectos fundamentais da sexualidade: o contato corporal e a satisfação da sede de pele, que é tão intensa no ser humano.

 

Marcella Franco

SÃO PAULO, 13/01/2020

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