sexta-feira, 16 de agosto de 2019

ANGUSTIA de Graciliano


Romance desagradável, abafado, ambiente sujo, povoado de ratos, cheio de podridões, de lixo. Nenhuma concessão ao gosto do público. Solilóquio doido, enervante. E mal escrito. A edição encalharia no depósito, roída pelos bichos. Não venderiam nem cem exemplares; repisei esta convicção, quis transmiti-la ao editor antes que ele se arriscasse.

A afirmação de Graciliano Ramos sobre o seu romance "Angustia" de 1936, está em seu outro livro: "Memórias do cárcere", publicado em 1953.

Contradizendo o autor, Angustia, se tornou o livro mais cult de sua bibliografia.

"Seu receio em relação à recepção do público vincula-se, por um lado, a sua notória autocrítica e às falhas de revisão e digitação decorrentes das circunstâncias da publicação do romance. Descarta a possibilidade de realizar algumas correções no texto, pois a hipótese de uma reedição futura lhe parece absolutamente descabida. No entanto, pode ser precipitado associar toda a apreensão do escritor alagoano à postura implacável diante de seus próprios textos. Sua preocupação com a opinião da crítica provavelmente está relacionada também ao alto teor moderno de seu romance, que poderia parecer excessivamente estranho no cenário literário nacional da década de 30... Outro testemunho do prestígio já desfrutado pelo livro narrado por Luis da Silva é um inquérito sobre os dez melhores romances brasileiros empreendido pela Revista Acadêmica entre 1939 e 1941. O resultado dessa pesquisa, na qual foram entrevistados aproximadamente cem intelectuais, é bastante surpreendente: Angústia foi considerado o segundo melhor romance de todos os tempos, perdendo apenas para Dom Casmurro. Dentro do quadro dos livros publicados na década de 30, sua primazia, entretanto, foi absoluta". (Ferreira, Carolina Duarte Damasceno)

Li Angustia recentemente (da Editora Record, 73ª edição, 2019). Impactante para quem já leu do mesmo autor Vidas secas, Memórias do cárcere, São Bernardo e Alexandre e seus heróis. Outra linguagem, outra estrutura de texto e outros temas. Presentes: memórias, paixão por uma mulher, ciumes, crime passional e culpa.

"O Brasil descrito pelas micronarrativas é o de República Velha (1889 - 1930). Ali estão plantadas as raízes sentimentais de Luis. Ele não é um citadino. Transportara-se do campo para a capital, transportando-se em representante típico da juventude tenentista, isto é, "molambo que a cidade puiu demais e sujou". Nas comunidades rurais alagoanas,o relacionamento entre os humanos é rude e áspero. São todos dominados pela vontade férrea do coronel, que toma assento no topo da pirâmide político - familiar." (Silviano Santiago).

Quanto à narrativa, Angustia tem pontos em comum com Crime e Castigo de Dostoiévski. Graciliano sempre negou esta influência. Mas a culpa pelo crime e a autopunição estão lá.

"Os defeitos de composição na frase e no discurso ficcional não empanam a alta qualidade do romance. Ponhamos abaixo o contrassenso. Dos casulos de redundância nascerão borboletas! O romance é excepcional porque recebeu a composição justa. A superabundância dos detalhes foi alimentada pela imaginação enraivecida do apaixonado. A compulsão à repetição foi impulsionada pela escrita do paranoico obsessivo. Marina e o assassinato de Julião, o crime e a autopunição - eis os pontos fulcrais da experiência de Luis da Silva em Maceió, narrada por ele próprio. Composto de outra forma, Angustia não teria sido tão exitoso. " (Silviano Santiago)

Quem ainda não leu Angustia está perdendo.

Citações
Ferreira, Carolina Duarte Damasceno,
O Lugar da ficção em Angústia, de Graciliano Ramos, Campinas, SP, 2005,
Orientadora : Maria Eugênia Boaventura.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Estudos da Linguagem.

Silviano Santiago, posfácio no livro citado, da Record

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