sábado, 14 de julho de 2018

As minhas seleções

José Eduardo Agualusa, O Globo, 13/07/2018

Continuarei torcendo pelo que a seleção francesa representa: diversidade e integração de culturas.

Já se sabe quem vai perder — aliás, quem já perdeu — quando amanhã a seleção francesa defrontar a Croácia: perdeu a extrema-direita racista e anti-imigração.

Há décadas que a seleção francesa irrita os racistas. O atual time, por exemplo, só tem cinco futebolistas filhos de pais franceses. A maioria dos jogadores é de origem africana. Blaise Matuidi, por exemplo, nasceu em Toulouse, filho de imigrantes angolanos (nós, angolanos, gostamos de pensar que, através dele, também chegamos à final). Já na seleção belga havia oito futebolistas de origem africana. Também as seleções inglesas costumam ter, como voltou a acontecer este ano, uma percentagem muito elevada de jogadores de raiz africana e asiática.

Não se pense, contudo, que a boa influência dos imigrantes, em particular daqueles de origem africana, se restringe ao desporto. Não, caros leitores, vai muitíssimo além. Se existisse uma Copa do Mundo de Literatura a seleção inglesa seria tão colorida quanto no futebol: além de dois ou três veteranos inquestionáveis, como V. S. Naipaul, Salman Rushdie, ou Zadie Smith, teria de incluir uma série de jovens estrelas em rápida ascensão, como a anglo-nigeriana Helen Oyeyemi, 33 anos, considerada pela “Granta” “uma das melhores jovens romancistas britânicas”.

Uma das grandes sensações da seleção francesa de literatura seria, sem dúvida a romancista franco-marroquina Leïla Slimani, autora do best-seller mundial “Canção de ninar” (Tusquets/Planeta, 2018) e que será este ano a principal atração da Flip. Na Flip estará um outro autor francês de origem africana: o meu amigo Alain Mabanckou, nascido no Congo-Brazzaville, e que em 2015 viu um dos seus romances, “African psycho”, chegar à short-list do Man Booker International. Também na Flip merece destaque a escritora italiana de origem somali Igiaba Scego.

Se existisse uma Copa do Mundo da Música Popular, as seleções de França, Bélgica, Inglaterra e Portugal teriam ainda mais afro-descendentes do que no futebol. Começando por Portugal, o destaque seria para as fadistas Mariza e Ana Moura, a primeira nascida em Moçambique, neta de uma famosa curandeira local; a segunda com raízes nas terras altas da Huíla, no sul de Angola. A seleção musical lusitana teria de incluir ainda craques como Mayra Andrade, Lura, Sara Tavares ou Tito Paris — todos eles de ascendência cabo-verdiana —, ou os angolanos Bonga, Paulo Flores e Anselmo Ralph. Suspeito que nessa seleção um dos raros portugueses sem ascendência africana próxima seria António Zambujo.

Stromae brilharia na seleção belga — tanto quanto o atacante Romero Lukaku no futebol, mas ainda com mais ginga. Em França a cena da música popular tem sido, desde há muitas décadas, dominada por imigrantes e seus descendentes: Josephine Baker, Serge Reggiani, Georges Moustaki, Léo Ferré, Charles Aznavour, entre tantos outros. Nos últimos anos o que mudou foi sobretudo a cor da pele desses cantores imigrantes, ou filhos de imigrantes. Hoje são, na sua maioria, de ascendência africana. Numa seleção musical francesa atual teriam de alinhar veteranos como Manu Dibango, Henri Salvador e Ray Lema, juntamente com uma mão cheia de outros grandes talentos mais jovens, dos rappers MC Solaar e Maitre Gims até Imany. No caso da França, o difícil é escolher entre tantos nomes excelentes.

Mesmo a Espanha, que há séculos se mantém de costas voltadas para a África, teria como principal goleadora da sua seleção musical uma mulher negra: esse extraordinário prodígio de paixão e energia chamado Concha Buika — com raízes na Guiné-Equatorial, o único país africano onde se fala espanhol.

Amanhã estarei torcendo pela França. Depois de amanhã, independentemente do resultado do jogo, continuarei torcendo por tudo aquilo que a seleção francesa representa: um exemplo de sucesso da diversidade e da integração de culturas. Uma demonstração clara de como as correntes migratórias provenientes da África estão revitalizando a Europa, através do rejuvenescimento da sua população, trazendo uma nova energia e dinamismo a um organismo velho e cansado.

Chorem, racistas: vocês perderam!

https://oglobo.globo.com/cultura/as-minhas-selecoes-22883060#ixzz5LEKHger4 stest

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