30/10/2016 22:44
Como dizia um sábio
professor, o pós-eleição é o momento em que nós jornalistas de política e
sociedade matamos nossa inveja dos colegas que cobrem esporte e organizamos
nossos bate-bolas, fazendo contextualizações, análises e previsões. Nós sabemos
e vocês também sabem que o Brasil não respeita previsões e, portanto, boa parte
disso será letra morta em breve.
Tendo
isso em vista, faço algumas considerações sobre os resultados deste segundo
turno sob a ótica da esquerda:
1)
O PT foi (mesmo) o grande derrotado das eleições municipais, como era de se
esperar após a Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma, o noticiário
amplamente desfavorável e, principalmente, a crise econômica e o aumento do
desemprego. Não há resquício de esperança para se agarrar. Se o partido não
cair na real, parar de culpar os outros e fazer a autocrítica, não voltará a
disputar a narrativa.
2)
Certamente, houve uma onda conservadora, como já tratei no post sobre os
resultados do primeiro turno. Mas não afirmaria que o país deu uma guinada para
a direita, uma vez que nunca conseguiu-se implementar por aqui um projeto social,
econômico e político de esquerda. Apenas aproximações bem questionáveis. O
orignalmente trabalhista PT aliou-se a coisas mais estranhas que ele em nome da
governabilidade. Reforma agrária, reforma tributária democrática, reforma
política, reforma urbana, garantia de direitos humanos? Ninguém sabe, ninguém
viu.
3)
Interessante como mesmo políticos de esquerda que sempre tiveram um
posicionamento crítico ao modelo de desenvolvimento do PT foram colocados no
mesmo saco e punidos pelo eleitor. Sim, boa parte da esquerda foi levada junto
para o buraco, mesmo que tenha reclamado do governo Dilma o tempo inteiro. Um
exemplo disso é Crivella, que foi ministro dela e membro de sua base de
sustentação durante um bom tempo. Ele não foi tão identificado com ela quanto
Freixo foi – apesar do PSOL ter se posicionado contra o governo do PT.
4)
Com Marcelo ''Universal'' Crivella, o neopentecostalismo televisivo dá um salto
para a implementação de seu projeto de poder. Desconfio que o Brasil terá um
presidente assumidamente evangélico neopentecostal antes de ter um presidente
assumidamente ateu. Para isso, certamente acabará se distanciando de
extremistas, como Silas Malafaia – que surtou, no Twitter, na noite deste
domingo, xingando a Globo, a Veja, o PT, o PSOL, Freixo, a esquerda, e bradando
''Chora Capeta'' – assim, sem vírgula separando o vocativo.
5)
Marcelo Freixo teve 1.163.662 votos no Rio de Janeiro, maior do que sua última
votação para prefeito em 2012. Considerando que sua campanha foi feita com
poucos recursos financeiros e sem máquina partidária, isso é um feito
considerável. Por isso, não acho que ele sai derrotado. Pelo contrário, Freixo
se cacifa como uma das lideranças políticas da esquerda nesse momento em que o
campo progressista terá que se reinventar.
6)
Com os resultados do segundo turno das eleições, pode-se dizer que a esquerda
foi abandonada pela periferia das duas maiores cidades do país. De certa forma,
o cenário lembrou as votações majoritárias do PT durante a década de 90. Vale
lembrar que o partido levou anos, em um lento trabalho de base, com uma
militância engajada, para que a periferia ''comprasse'' a sua narrativa. Claro
que a periferia que votou em Lula em 2002 também estava cansada da crise do
segundo governo FHC e queria mudança. Mas depois ficou ao lado do partido por
conta do crescimento econômico, do aumento do salário mínimo, da diminuição da
fome, do Bolsa Família e da melhoria na qualidade de vida. Quando o cenário
muda, alterado pela crise econômica, da qual o PT tem culpa, o povão procura
outra saída.
7)
E vendo a estratificação dos bairros em que Freixo e Haddad foram os mais
votados, a esquerda vai ter que suar – e muito – para reencontrar-se com o
discurso de mudança, saber disputar o simbólico e reconquistar a periferia.
Haddad foi melhor votado, em porcentagem, em Pinheiros – bairro onde se reúne
boa parte da esquerda classe média alta paulistana, cercada de um lado pela
PUC-SP e pelo outro pelo campus da USP. Há alguns anos, o centro de São Paulo
era do PSDB e todo o gigante entorno populacional era PT. Enquanto isso, Freixo
levou os bairros mais próximos do Centro e Crivella ficou com a maior parte da
periferia.
Em
Belém, Edmilson (PSOL), que teve 47,67% contra os 52,33% de Zenaldo
Coutinho, ao contrário, tem entrada forte na periferia. Já foi prefeito, tem
recall, estabelece um diálogo. Resta saber se a Justiça Eleitoral irá cassar a
candidatura do vencedor por uso da máquina, como se discutia durante a
campanha.
8)
É cedo para decretar a morte do PT. Os eleitores mandaram um recado através do
voto. Parte da esquerda foi desalojada das Prefeituras e realocada nos
parlamentos municipais para cumprir o papel de oposição. Parte, desalojada
também das Câmaras de Vereadores, deverá ir para as ruas, de onde saiu na
década de 80. De um ponto de vista muito otimista, o retorno às ruas pode levar
o PT e os movimentos sociais a ele relacionados fazerem sua autocrítica. Isso
será um processo bem doloroso e longo, em que os diferentes grupos e movimentos
da esquerda irão bater bastante cabeça entre si, como foi na década de 70
durante a ditadura. Aliás, isso acontece nesta noite, com gente do PT e do PSOL
quebrando o pau nas redes sociais. Particularmente, não acredito que parte da
esquerda conseguirá fazer essa autocrítica. Mas isso já é outra historia
9)
Em Fortaleza, o candidato de Ciro e Cid Gomes, Roberto Cláudio (PDT), foi
reeleito. Não sei se isso fortalece as pretensões presidenciais de Ciro, mas,
ao menos, não as derruba antecipadamente. Clécio Luís (Rede) também foi
reeleito prefeito de Macapá (AP) – isso não ajuda muito as pretensões de Marina
Silva, que segue não imprimindo uma marca ao partido. O governador Flávio Dino
(PC do B), cujo partido havia eleito muitos prefeitos no primeiro turno no
Maranhão, viu o candidato em quem declarou voto (Edivaldo Holanda Jr) vencer a
capital São Luís. Apesar, é claro, do outro candidato, Eduardo Braide, também
ter disputado o apoio de Dino. Seu correligionário Edvaldo Nogueira venceu em
Aracaju (SE). Isso pode mexer com a correlação de forças entre PT e PC do B.
Será que chegou a hora dos comunistas saírem da órbita do partido do ABC e
exigir o protagonismo dessa dupla?
10)
O PSDB cresceu significativamente. Mas um rosário de partidos menores
conquistou importantes cidades e capitais. Não é possível saber o que o
fortalecimento de siglas menores fará com o já fragmentado Congresso Nacional.
Mas ainda acho que não há um grande vencedor nestas eleições. Como já escrevi
aqui, a classe política é responsável pela situação a que chegamos, com toda a
corrupção, incompetência e ignorância que minou a credibilidade de
instituições. Compra da Reeleição, Mensalões, Trensalões, Lavas-Jato e a
maioria dos escândalos, que permanece longe dos olhos do grande público. A
democracia representativa tradicional e seus vícios se mostraram insuficientes
para as demandas da população.
Ao
mesmo tempo, políticos, mídia, empresários e parte da sociedade conseguiram a
proeza de dar espaço aos que defendem que ''fazer política é escroto''. Ou
seja, ao invés de tentarmos melhorar a política, reinventar a democracia, a
saída é negar tudo o que ela representa e buscar saídas rápidas, vazias e, não
raro, autoritárias. Daí, surgiram candidatos que estufaram o peito e mentiram,
com orgulho, que não são políticos e não fazem política. Isso abre portas para
que pessoas que se colocam como ''salvadores da pátria'' ganhem espaço a fim de
nos ''tirar das trevas'' sem o empecilho da ''política''.
E
é neste momento, como nunca, que precisaremos da política
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/ em 31/10/2016
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