quarta-feira, 22 de julho de 2015

Boca do lixo

Corte temporal

Barbosa; Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Este foi o time da seleção brasileira de futebol vice-campeã em 1950. Na final realizada no Maracanã, em 16 de julho de 1950, perdemos para o Uruguai por 2x1. O Uruguai de Máspoli; Matías Gonzalez e Tejera; Gambetta, Obdulio Varela e Rodríguez Andrade; Ghiggia, Julio Perez, Miguez, Schiaffino e Morán. Ghiggia (falecido, aos 88 anos, em 17 de julho de 2015) marcou o gol de desempate aos 34 minutos de segundo tempo e sacramentou a derrota. Uma tragédia presenciada por 173.850 presentes ao Maracanã. Uma decepção nacional apenas superada pelo vergonhoso 7x1 para a Alemanha em 2014.

Boca do lixo

A Boca do Lixo foi um polo cinematográfico importante no centro da cidade de São Paulo. O cinema independente nacional teve seu auge nas décadas de 1960, 70 e 80. Nesta época a região das ruas Triunfo, Aurora e Vitória respirava cinema. No início, as chanchadas; no auge, pornochanchadas, faroestes e cinema marginal e na decadência, pornô-eróticos. Além da chanchada e pornochanchada são da época na Boca, dentre outros os filmes: O bandido da luz vermelha – 1968 de Rogério Sganzerla, A margem – 1967 de Ozualdo Candeias e Lilian M: relatório confidencial - 1975 de Carlos Reichenbach. Os filmes famosos do Zé do Caixão (José Mojica Marins) foram produzidos por lá.

Para o crítico e diretor de cinema Alfredo Sternheim  “a  Boca foi muito estigmatizada e eu, pessoalmente, levei muita pedrada ao longo dos anos. Para mim, no entanto, o saldo é positivo. A Boca mostrou que é possível fazer cinema no Brasil com diversidade de temas e autofinanciamento, sem leis de renúncia fiscal. Sabíamos economizar tudo e fazer os recursos renderem o máximo. Vale lembrar que saiu da Boca O pagador de promessas (1962) de Anselmo Duarte, único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em Cannes. Também são de lá outros filmes brasileiros importantes, como Independência ou morte (1972) de Carlos Coimbra e A moreninha (1970) de Glauco Mirko Laurelli”. [1]

Magnífica 70

A série da HBO exibida atualmente tem como pano de fundo a Boca do Lixo. A personagem central é um censor de filmes na época da ditadura militar. Vicente (Marcos Winter), o censor, de tanto ver filmes se torna um cinéfilo e se mete a dar palpite nos filmes em que lhe é designado. No primeiro episodio ele ameaça a proibição total do filme “A devassa da estudante” que tem como personagem central a atriz Dora (Simone Spoladore). Atraído pela atriz, Vicente propõe ao produtor Manolo (Adriano Garib) uma alternativa ao veto total do filme: rodar um novo final para o filme. Nela a personagem tem que se arrepender de seus pecados.  Fica mais ou menos assim:
Quando viva, pequei. Me deitei com homens e mulheres. Usei meu corpo para sobreviver. Tive orgulho disso. Errei, admito e aprendi. Todos erram um dia por descuido, inocência ou maldade. Assumo os meus erros e passarei a eternidade vivendo com eles. E ao fazer isto observo algo que me faz lembrar de ti.
Vicente dirigiu a cena final modificada e o filme foi liberado pela censura.

Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver
A parte final do 1º episódio de Magnífica 70 foi claramente baseada no que ocorreu com a liberação pela censura do filme Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver – 1967 de José Mojica Marins - https://www.youtube.com/watch?v=xKE3lfwMb1Y.
O chefe da censura em Brasília proibiu o filme. O produtor implorou pela liberação. O censor impôs uma condição: o Zé do Caixão deveria no final falar como se estivesse arrependido pelas maldades feitas durante a estória. O censor escreveu o que deveria ser dito:

Deus, Deus... Sim, Deus é a verdade...
Eu creio em tua força... Salvai-me!
A cruz, a cruz, padre...
A cruz, o símbolo do filho!

E assim ficou e até hoje o filme tem este final [2]. Desconheço uma versão do diretor.
E quem era este censor que adulterou o filme Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver? Augusto da Costa (1920-2004), o Augusto, zagueiro e capitão da seleção brasileira no final da Copa de 1950.

Coisas do Brasil, brasileiro.

Referências


2.    Maldito: a vida e o cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, André Barcinski, Ivan Finotti, Editora 34, 1998