28 de dezembro de 2013 | 2h 07
Marcelo Rubens Paiva - O Estado de S.Paulo
Sachê
Você sabe muito bem do que estou falando. Onde estão aqueles recipientes com mostarda e ketchup com que estávamos habituados, e aprendemos a espremer antes de escrever? E o saleiro, o açucareiro, a maionese no pratinho, com uma espátula apropriada? É mais raro encontrá-los do que guardanapos de linho. A Vigilância Sanitária, o lucro insano das corporações e o capitalismo selvagem nos obrigam a conviver com desagradáveis e minúsculos sacos plásticos não biodegradáveis que, dizem, contêm o condimento necessário para a nossa refeição. Como abrir? Com unhas? Dentes? Dentadas e unhadas? Imaginam que andamos com canivete suíço no bolso? Como abrir sem escorrer a metade do condimento? Como abrir sem espalhar pela mesa ou pelo colo ou, pior, espirrar no rosto do garçom, um saco que não fora planejado para ser aberto, mas para apenas armazenar uma porção que alguém arbitrariamente julgou a necessária. Bem, minhas fritas precisam de dezenas daqueles saquinhos. E tiveram a cara de pau de inventar sachê com azeite, vinagre e até shoyu. Queria que o inventor dessa barbaridade almoçasse numa cantina tradiça com a minha família italiana e tentasse temperar a salada, entre as polêmicas e discussões de sempre de domingo. Sem usar os dentes.
Protocolo de Atendimento
Outra aberração da humanidade. Já tive quatro protocolos de atendimento numa reclamação para o SAC de uma telefônica num telefonema de 30 minutos. Média: um protocolo a cada sete minutos e meio. No quarto, me perguntei o que foi feito com o coitado do primeiro, perdido, esquecido solitário no buraco negro que eles nomearam "sistema". E se precisamos de quatro, por que nos soletram três antes. Nossa vingança é quando fingimos que anotamos o protocolo de atendimento. "Senhor, por favor, anotar o protocolo de atendimento." Claro, querida, pode falar, estou anotando no meu álbum de protocolos de atendimento, que coleciono desde quando inventaram o protocolo de atendimento, meses depois de inventarem o atendimento. E repetimos em voz alta um número infindável, enquanto checamos e-mails, postagens nas redes sociais, confirmamos presença em eventos em que não daremos as caras... Se tivessem a mesma eficiência nos atendimentos que no exercício de dar protocolos de atendimento, o mundo seria com bem menos protocolos. E os consumidores ligariam bem menos para o atendimento.
Controle Remoto
Foi uma bela invenção. Que piorou a saúde da humanidade, aumentou o sedentarismo e nos deixou mais atordoados. Invenção que, com o tempo e o avanço tecnológico, piorou, como o relógio digital que está até em eletrodomésticos de linha branca, piscando teimosamente no 00:00, já que não sabemos programá-lo. Tá. Não bastam os botões de ligar, desligar, volume e canal. Existem dezenas deles, com números que não são parte de uma calculadora e símbolos que não fazem sentido, indicações e termos que só conseguem ser lidos com a ajuda de um microscópio. O controle da minha TV, comprada no Brasil, tem as opções power, source, ch, pre-ch, mute, ch.list, w.link, tools, return, info, exit, cc, mts, p.mode, e.mode, p.size, fav/ch, números e flechas... E, claro, um enter que, cuidado, se você apertar, a TV não funcionará por sete dias, até seu sobrinho geek fazer uma visita. Como se não bastasse, precisamos de três deles, às vezes mais, para assistir àquele filminho água com açúcar com a família. E sincronizar operações, como abaixar o volume da TV, aumentar o do Blu-Ray e mudar para modo HDTM3. Muitas vezes, quando acertamos e, milagre, o volume está OK e a legenda sincronizada, parte da família ronca ao lado. Mais fácil pilotar um caça sueco. Quer uma dica quando der pau? Uso aqui em casa: tira da tomada, conta até 15 e coloca novamente. Geralmente dá certo.
Renovação do Passaporte
Na Europa é de 15 em 15 anos. Nos EUA, de dez em dez. No Brasil, de cinco em cinco anos. Gênio. E lá vamos nós, com fotos, DARFs pagas, digitais, enfrentar filas para pegar senhas que nos levam a outras filas. E rezarmos para o sistema, aquele labirinto obscuro de informações, o entorpecente do burocrata descontente, não cair. O que costuma acontecer justamente nas vésperas das férias. Quando a categoria não entra em operação tartaruga ou greve. Por que não uma renovação de 20 em 20 anos? Aí, sim, os policiais federais poderiam trocar o cabo de um carimbo pelo de um revólver e ocupar o tempo com operações contra o crime organizado. Sem se preocuparem em organizar filas de turistas, sacoleiros, crianças ansiosas pela Disney, gente do bem sem antecedentes criminais.
Insulfilm
Serve para ocultar aquele barbeiro que nos fecha ou buzina sem parar. Protegido pelo anonimato, nos intimida. Caso contrário, xingaríamos quatro gerações da sua família. Se tivéssemos certeza de que dentro daquele carro popular com insulfilm não está a seleção brasileira de jiu-jítsu. O insulfilm aumenta a anarquia no trânsito. Incentiva a má-educação, a imprudência e o hábito tão cordialmente brasileiro de "não dar passagem". Tenho certeza de que, por trás daquele vidro escuro, está um fracote que desconta seu complexo de inferioridade no trânsito. Caso contrário, por que precisaria de um insulfilm? Pode apostar: no dia em que o proibirem, o buzinaço em todas as esquinas diminuirá.
Radiador
Aquilo que sempre esquecemos de checar se está completo. Como uma máquina tão evoluída, com computador de bordo, injeção eletrônica, radar traseiro, câmeras, que faz a baliza sozinha, GPS, MP3, freios ABS, airbag, precisa ser resfriada por um punhado de água engradada? A mesma água que esfriou as engrenagens de catapultas romanas e apaga as churrasqueiras do tiozinho do churrasco. Engradado que, a cada três anos, fura, e nos leva à loucura, aquecendo a máquina e nos deixando na mão e a pé. Tem mais computador num carro hoje em dia do que na Apolo 11, que levou o homem à Lua. Mas se ele aquecer... Houston, we have a big problem.