Deu na Folha de São Paulo em 6 de maio de 2013
Redução de maioridade penal e internação forçada vão fracassar no Brasil
César Gaviria
IDADE: 66
FORMAÇÃO: Economia na Universidad de Los Andes, em Bogotá
CARGOS PASSADOS: Eleito vereador aos 23, chegou o Legislativo colombiano em 1974. Na
década de 1980 foi ministro. Presidente da Colômbia (1990-1994)
Secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) entre 1994 e 2004
Secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) entre 1994 e 2004
CARGOS ATUAIS: Membro da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Pesquisador
sênior da Universidade Columbia (EUA)
Ex-presidente
colombiano defende regulação das drogas e mobilização para recuperar criminosos
menores de idade
FABIANO
MAISONNAVE DE SÃO PAULO
Para
enfrentar as drogas e a violência, São Paulo implementou a internação
compulsória e o Congresso discute a redução da maioridade penal.
Na visão do
ex-presidente colombiano César Gaviria, essas políticas são inócuas e estão na
contramão de experiências bem-sucedidas.
Ele é um dos
três ex-presidentes da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. A
iniciativa inclui Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Ernesto Zedillo (México) e
defende medidas como o fornecimento controlado de drogas pelo Estado para
diminuir o lucro e o tamanho do narcotráfico.
Gaviria, 66,
fala de cátedra. Seu governo (1990-1994) enfrentou os cartéis de Cali e
Medellín. Em seu mandato, o narcotraficante Pablo Escobar foi morto.
A seguir, a
entrevista, feita por telefone na sexta-feira:
Folha - Pesquisa recente do Datafolha revela que o envolvimento de um
jovem da família com drogas é o principal temor entre os moradores de São
Paulo, com 45% do total. Isso o surpreende?
César Gaviria - Não me surpreende. Esses números são consequência de uma política que
todos os latino-americanos e os EUA já observam por várias décadas, e o que
temos para mostrar são apenas fracassos.
O Brasil tem
de olhar as experiências europeias de menor dano e começar a tratar como
problema de saúde, e não como um tema criminoso. E tentar desmontar o imenso
tamanho desse negócio, que o transforma em um problema de segurança tão grave.
Ainda que
seja fácil pensar numa solução autoritária, isso não resolve. Basta ver o que
está acontecendo nos EUA, onde as pessoas estão votando em massa pela
legalização da maconha.
Mas no Brasil o problema crescente tem sido o crack. Não há diferença na
hora de lidar com um droga muito barata e mais viciante?
O que o
Brasil tem de fazer é olhar Portugal, onde podemos observar o que há de melhor
no mundo para enfrentar esse problema.
Portugal
decidiu, anos atrás, tratar isso como um problema de saúde pública. Qualquer
consumidor pode chegar a um hospital e receber atenção, tratamento, prevenção.
E tem sido uma política bem-sucedida, que tem reduzido a violência, a corrupção
e que permite ao Estado enfrentar problemas de vício como o do crack.
O que o
Brasil faz, em contrariedade com toda a América Latina, Europa e Estados
Unidos, é começar o caminho de criminalizar mais o consumo ou de pensar que
enfiar mais pessoas na prisão vai resolver os problemas. Obviamente, é preciso
combater os cartéis. Mas é possível apoiar os consumidores no sistema de saúde.
A internação compulsória é uma solução?
É uma
política que se presta a todo tipo de abuso de direitos humanos. A China está
abandonando por causa de enorme quantidade de abusos. Por que não olhar
Portugal, onde não passou pela cabeça o tratamento compulsório? É preciso
apoiar as pessoas a partir do sistema de saúde, para que não tenham medo de ir
a hospitais.
O tratamento
compulsório é uma má ideia e quem olhar a experiência internacional concluirá
que os resultados são ruins.
Mesmo com relação ao crack?
O principal
problema no crack, e se viu há pouco nos EUA, onde a diretriz está sendo
retificada, é que termina sendo uma política terrivelmente discriminatória
contra afro-americanos e pobres. Ser mais duro com o crack do que com as outras
drogas só serve para enormes discriminações e para que pobres e negros acabem
nos presídios.
O Brasil voltou a discutir a redução da maioridade penal. Qual é a sua
posição?
Essas
decisões não servem para nada. A única coisa que funciona são políticas integrais.
Temos experiência na Colômbia. Medellín chegou a ter 300 mortes por 100 mil
habitantes. Isso é mais do que qualquer guerra civil, é dez vezes a taxa do
Brasil. Saímos por meio de trabalho social, tratamento integral. As empresas da
cidade criaram fundações para levar educação e saúde aos meninos.
É possível
transformar um assassino de 14 anos num bom cidadão se a sociedade se mobiliza
para fazê-lo. Esses problemas não mudam com leis, mudam quando a sociedade
decide resolver.
É o que as
pessoas do Rio e de São Paulo têm de fazer. Se todas as empresas se dedicarem,
verão como esses meninos sairão da violência.
Dói em mim
ver o que está ocorrendo no Brasil, pensando em soluções tão contraindicadas e
alheias ao que está acontecendo no mundo.
O sr. defende a administração de doses pequenas de droga. Como
funcionaria?
Dou um
exemplo. Na Suíça, há muitos anos, se fez um grande esforço para que as pessoas
deixassem a heroína. No entanto, para os viciados que não foram capazes de
abandoná-la, se a pessoa tem uma vida produtiva, o Estado fornece a morfina, e
ela vai trabalhar todos os dias.
A sociedade
tem de ser prática. Esses programas não podem ser administrados com moralismo e
preconceito.
É melhor que
o Estado forneça as drogas aos viciados que não se recuperam e não respondem ao
tratamento do que ter meninos assaltando pelas ruas do Rio e de São Paulo para
conseguir dinheiro e assim comprar drogas.
Por que o sr. prefere falar em regular em vez de legalizar?
Legalizar é
uma palavra que expressa cansaço, um rechaço à política. Mas o que precisamos
fazer é regular, porque obviamente só se vai permitir o acesso às drogas a
pessoas de certa idade, em certas condições, com os controles necessários.
A regulação
é algo que chegará aos EUA em breve, enquanto o Brasil começa o caminho
contrário, ao insistir numa política fracassada.
A política brasileira para as drogas está defasada?
Esse
tratamento compulsório do qual o Brasil está se aproximando não é o caminho do
Uruguai, da Argentina, da Colômbia, do Peru.
O Brasil
está começando a tomar o caminho do autoritarismo ao usar uma legislação de
2005, que parecia razoável, mas que os juízes aplicam de tal maneira que o que
fizeram foi multiplicar a população carcerária. E isso não está levando a lugar
nenhum. Alguns Estados dos EUA condenam jovens a até sete anos de prisão por
consumir maconha, mas 60% dos presos de lá fumam maconha. Qual é o sentido de
destruir a vida de uma pessoa para que ela inche as prisões e faça a mesma
coisa?
Redução de
maioridade penal e internação forçada vão fracassar no Brasil
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