Orípia, minha mãe, também conhecida como Finoca, nasceu em 21/09/1922 na cidade de Barretos. Estudou no Colégio Anjo da Guarda em Bebedouro até formar-se professora em 1942. Casou-se com Sebastião, o Tatau, barretense nascido em 02/12/1919. No embalo deste enlace surgiram quatro filhos e quatro filhas. A mãe, a esposa, a mulher e a professora sempre estiveram na mente e no coração da Finoca.
Finoca vem da família Marques, povoadores da cidade de Barretos, os librinas. A mãe da Finoca é a Maria Cândida e o pai, Joaquim Cândido, que nasceram em 1887. A avó da Finoca é Maria Cândida de Jesus (Mãe Cândia), casada (em 1874) com Jerônymo José Marques (Jerominho). Finoca é trineta de Simão Antônio, um dos fundadores de Barretos: é filha de Maria Cândida que era filha de Jerônymo José que era filho de Joaquim Simão Marques que era filho de Simão Antônio Marques. Até casar Finoca vivia na fazenda Córrego do Meio (mais popular como Córgo do Meio), em Barretos, propriedade de Joaquim Cândido e Maria Cândida.
A família de Maria Cândida e Joaquim Cândido se reunia em fins de semana, na fazenda, para fazer farinha de mandioca, fazer pamonha e matar porco. Filhos, filhas, netos, netas, agregados e agregadas se reuniam em mutirão. E toma arrancar, lavar, descascar, ralar, secar mandioca e torrar resultando na farinha e no polvilho que ainda hoje existe nas feiras de Barretos. Reproduzíamos o que os índios brasileiros já faziam nos idos de 1500, como relatado por Hans Staden.
Córrego do Meio era uma fazenda antenada com o século XX. Tinha uma hidrelétrica que fornecia energia para iluminação da sede e para mover um moinho que produzia fubá. A água encanada do Córrego do Meio chegava até a sede através de uma bomba hidráulica. O gado bovino produzia leite e o queijo era produzido sob a coordenação da Maria Cândida. Tinha também a lavoura de milho e um belo pomar com jabuticaba, manga, banana, laranja, pitanga, amora e muitas outras frutas.
Finoca foi criada neste meio e teve filhos e filhas nele misturado. A netaiada de Maria Cândida se divertia neste ambiente integrado com a natureza. Hoje, em 2011, a família da Orípia e Sebastião está assim: 4 filhos, 4 filhas, 12 netas, 5 netos, 4 bisnetas e 5 bisnetos.
Orípia teve sua educação formal no Colégio Anjo da Guarda em Bebedouro (colégio interno) no período de 1932 a 1942. Foram 11 anos de colégio interno divididos em quatro de primário, cinco de ginásio e dois de escola normal. Lá estudou Latim, Francês, Português, Geografia, História, Matemática, Física, Educação Moral e Cívica, Música, Trabalhos Manuais, Desenho, Sociologia, Pedagogia e Prática Pedagógica.
Professora formada, Finoca começou o magistério, em 1943, numa escola em Alberto Moreira, distrito de Barretos, como professora substituta efetiva. Esteve por lá até 1944. A rotina da Professora Orípia, quando em Alberto Moreira, era a seguinte: ia da fazenda dos pais a cavalo (chamado “Docinho”) até a fazenda do tio Rosa (Olintho Marques). Depois a pé, na companhia de alguns alunos, atravessava o Córrego da Mixórdia e caminhava até Alberto Moreira. Após as aulas o caminho de volta: a pé até a fazenda do Tio Rosa e depois no lombo do “Docinho” chegava em casa.
A rotina da Finoca não ficava só na escola. No sábado, de trem, fazia o trajeto Alberto Moreira - Barretos. Em Barretos ficava na casa dos pais (Avenida 21 entre as ruas 14 e 16) e no sábado ministrava aulas de catecismo na Catedral. Eram nestes fins de semana que Finoca se encontrava com o Tatau para namorar, meio que a contragosto do pai, Joaquim Cândido. Na segunda-feira estava ela de volta à rotina das aulas em Alberto Moreira.
Orípia casou-se com Sebastião no dia 5 janeiro de 1946 e exonerou-se da escola durante o período de 1945 a 1948. Neste período tiveram Aluisio (1946) e Maria Cristina (1949). Sebastião pedira à esposa que ficasse em casa para cuidar dos filhos. Mas em 1949 Orípia voltou a trabalhar a contragosto do marido, para ajudar no sustento da família. Finoca contrariou o pai para casar e agora contrariava o marido para voltar ao trabalho como professora. Isto na década de 1940. Ela seguiu a história de outras duas librinas porretas: Inácia Bernarda e Mariana Librina (tias-triavó de Finoca) sobre as quais já escrevi.
Nos anos de 1949 e 1950 Orípia trabalhou na Escola Antônio Olympo (1º Grupo), em Barretos como professora substituta efetiva. Efetivou-se em abril de 1951 e se mandou para Nova Granada para lecionar numa Escola Típica Rural. Nesta época Finoca já estava com o terceiro filho Edson (1950). Sem o marido e os outros dois filhos que ficaram em Barretos ela seguia seu destino de mãe e professora, amamentando e lecionando.
Um parêntesis: Edson formou-se em engenharia na década de 1970. Resolveu, na época, ser professor. Finoca não concordou. Um absurdo argumentava. Onde se viu, estuda engenharia cinco anos e vai para sala de aula. Edson bateu o pé e seguiu seu destino. O que ela queria? O cara nasce e praticamente vai do hospital direto para uma sala de aula acompanhar a mãe. Tinha ou não tinha que ser professor!
Em 1952, Orípia se transferiu para uma escola em Ibitú e por lá ficou até 1954. Em 1955 voltou para Barretos e trabalhou numa escola isolada situada no bairro Vila Nogueira. Voltou para a Escola Antônio Olympio em 1957 e lá trabalhou até se aposentar. A mãe continuou sua lida: teve Cândida em 1955, Ana Maria em 1957, Clóvis em 1958, Cláudio em 1961 e Mônica em 1965.
Quando Finoca chegava na Santa Casa para ter nenê as freiras logo diziam: Ih, lá vem ela de novo!
Sebastião se formou em ciências contábeis na Escola de Comércio Álvares Penteado, em São Paulo. Ele trabalhava na serraria da família Cardoso Carvalho, mas teve passagem, como contador, pela prefeitura de Paulo de Faria e em Ibitú trabalhou na Socelis, empresa de bomba d’água. A seguir voltou à serraria a pedido do pai, João Cardoso de Carvalho. Finalmente Tatau passou a trabalhar como agricultor, no sítio herdado por Finoca. Nesta batida os dois criaram e educaram seus oito filhos e filhas. Sebastião faleceu no dia 11 de março de 1986 aos 66 anos, depois de 40 anos de casamento.
Orípia foi muito querida pelos alunos e colegas de trabalho. Reproduzo aqui um trecho da homenagem que recebeu de suas colegas em 1996.
“(...) Para falar de uma pessoa autêntica, cheia de simplicidade e valores seria preciso que pudéssemos traduzir mensagens que brotam diretamente de nossos corações. E para isso melhor do que pobres palavras basta que a Orípia olhe nossos sorrisos, que perceba a expressão sincera de ternura, amizade e admiração que todas nós temos em nossas faces. Então nossas palavras, nossas simples palavras, revelam o que está além das palavras, por mais expressivas que sejam. Orípia é assim, professora e mãe que nos dá a maior lição, a lição de viver. Professora exemplar durante 30 anos batalhou sempre pela educação dos alunos como se fossem seus próprios filhos. Mãe carinhosa de oito filhos: Aluisio, Maria Cristina, Edson, Cândida, Ana Maria, Clóvis, Cláudio e Mônica, que com seu exemplo e dedicação deu-lhes valores e qualidades para vencerem na vida. Que Deus lhe dê, Orípia, muita saúde para poder continuar a dar-nos sua lição de vida. Deus a conserve assim por muito tempo serena e feliz entre nós. Associação dos Professores Aposentados de Barretos – 1996”
Atualmente Finoca vive por conta de cuidar da casa e acompanhar, junto com filhos e filhas, o crescimento de seus netos, netas, bisnetos e bisnetas. Além disso, têm as novelas, as músicas, as viagens para ver a família e para apreciar música em teatros, as plantas, os gatos e os cachorros... e a laranja depois do almoço.
Hoje, dia 21, Dona Orípia completa 89 anos.
Por tudo isso Finoca pode entrar em casa com dignidade.
Edson Pereira Cardoso, 21 de setembro de 2011