- O olho da baleia
- Verissimo
- Stalin e Trotsky
- Jota pê
- Bolsonaro é frouxo
- Iris Lettieri
- Zuzu Angel
- O personagem Macbeth ou a personagem Macbeth?
- Senhora dos afogados N. Rodrigue
- Jaguar (1932-2025)
- Tze-gu-juni, apache women
- Sapatão
- Arthur Moura: Mano Brown: a Dialética da Traição
- Japão 80 anos depois das bombas
- Como encontrar e assistir filmes raros e difíceis de achar
- Luis Fernando Verissimo é internado em UTI
- Laura Carvalho - Brasil tem estratégia de desenvolvimento?
- Istragam
- Você pensa sobre legado?
- Dostoiévski: adaptação animada
- Cubanos no Mais Médicos
- Adultização, Felca
- A Melhor Mãe do Mundo' rompe ciclo de violência com força e afeto
- Petra Costa, Especial com Wesley Teixeira, Especial com Raimundo Barreto - Entre Teologias, Teorias e Domínio, Território Negro, Ideologia de Gene
- A catedral orgânica
- Arlindo Cruz
- ‘O Leopardo?’ Não. ‘Il Gattopardo’
- Rio Amazonas
- 'Tomei vacina em 10 minutos': estrangeiros vão às redes para elogiar o SUS
- Alice: 'Não tenho medo': ela joga entre meninos no Flu e fez até gol em decisão
- Carmen Miranda
- Documentário revisita carreira e legado de Sergio Leone
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1. O olho da baleia
Sebastião Salgado, Gênesis, 517 p. Taschen, 2013 [pp. 48 e 49]
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2. Verissimo
Luis Fernando Verissimo falava muito pouco, mas fazia o Brasil inteiro rir
Cronista criou estilo único inspirado nos mestres americanos e conquistou com a sua observação elegante do absurdo cotidiano
Ruy Castro, fsp, 30/08/2025
Luis Fernando Verissimo surgiu no Caderno B do Jornal do Brasil ao mesmo tempo em que, nos Estados Unidos, Woody Allen, já famoso no cinema, se revelava como humorista pela New Yorker. O ano era 1974 e, para alguns, a identidade de estilos era óbvia.
Assim como Woody, Verissimo se punha na posição do observador que via o ridículo ou o absurdo com grande naturalidade. Também como Woody, ele não buscava a gargalhada, mas o riso silencioso. E seus personagens, assim como os de Woody, eram homens e mulheres nascidos não para, mas um contra o outro.
O escritor Luis Fernando Verissimo, em Porto Alegre, há 40 anos - Folhapress
O texto era elegante e conciso, bem diferente do coloquialismo barroco de Nelson Rodrigues e da ferina objetividade de Millôr Fernandes, os dois cronistas mais ativos da época.
Mas Verissimo não devia nada a Woody Allen. A semelhança entre eles se dava por terem em comum as mesmas matrizes —os também americanos Robert Benchley, morto há 80 anos, e S. J. Perelman, que morreu em 1979.
Apesar de vigente nos Estados Unidos desde princípios do século 20, ninguém fazia esse humor no Brasil. Verissimo foi pioneiro — ele próprio se definia como um brasileiro que escrevia "em americano traduzido". Hoje, esse tipo de humor está presente, sem a mesma qualidade, na maioria dos que praticam a comédia stand-up por aqui.
Sem querer, e justamente por admirar o autor, atrasei em um ano a consagração de Verissimo. Em fins de 1975, o Jornal do Brasil criou a Domingo, a primeira revista semanal colorida dentro de um jornal, e seu editor-executivo — eu — quis Verissimo em suas páginas.
Luis Fernando Verissimo - galeria
Com isso, ele deixou de publicar no jornal, de alcance nacional, e passou a sair só na revista, que, no começo, circulava apenas nos exemplares que se destinavam ao Rio de Janeiro. E assim, durante algum tempo, Verissimo foi um privilégio dos cariocas. Quando foi reincorporado ao jornal, o Brasil o descobriu — e se apaixonou.
Ele conseguiu a proeza de fazer o país rir com um personagem de forte sabor regional, o analista de Bagé. Outra de suas criações, a velhinha de Taubaté — a última pessoa no Brasil a continuar acreditando no regime militar — nos lavava semanalmente a alma. Minha favorita, no entanto, era uma que ele explorava pouco, a ravissante Dorinha Doravante, a socialite socialista, que escrevia ao cronista cartas deliciosamente cínicas.
Verissimo também desenhava (na minha opinião, muito bem) e construiu pequenas grandes sagas em quadrinhos.
Família Verissimo
A melhor delas, a da família Brasil, com aquele pai perplexo e sem chão, às voltas com a filha moderninha e com o genro hippie e parasita —um porta-voz de muitos de sua geração, que já não se reconheciam muito bem no mundo. Com seus toques de Jules Feiffer no desenho e Neil Simon nos diálogos, a família Brasil teria feito bonito em qualquer jornal do mundo.
Fomos colegas e contemporâneos no Jornal do Brasil, em O Estado de S. Paulo e na revista Playboy e, no decorrer de 40 anos, nos encontramos dezenas de vezes. Mas tudo que dissemos um para o outro, sobre jazz, futebol ou literatura, caberia numa única página.
Verissimo falava pouco. Eu o entendia — com a quantidade de material que tinha de escrever diariamente para jornais e revistas, falar devia parecer a ele uma queima de energia. E ele não abria mão da qualidade, como se pode ver em seus livros — em quase 100% saídos do que produzia para a imprensa.
Adepto de primeira hora do Partido dos Trabalhadores, Verissimo vinha sofrendo ultimamente com seu partido — assunto de que evitava tratar nas colunas. Sofria também cobranças, às vezes agressivas, dos que não pensavam como ele.
Esses agressores não entendiam que, com seu jeito único e intransferível de enxergar a fragilidade humana, Verissimo, na verdade, nunca pensou como ninguém.
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3. Stalin e Trotsky
A história das divergências entre Stalin e Trotsky - análise de Breno Altman
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4. Jota pê
boppismo entrevista #98 - Jota.pê
Jota.pê - Ouro Marrom (Ao Vivo)
Jota.pê Folha
Mayra Andrade - Manga (Official Video)
Jorge Drexler Pongamos que hablo de Martínez
Djavan - Cigano (Ao Vivo)
5 a seco - pausa - interior [OFICAL]
Lenine - Todas Elas Juntas Num Só Ser (Lenine In Cité)
Todas elas juntas num só ser
Não canto mais Bebete nem Domingas
Nem Xica nem Tereza, de Ben Jor;
Nem Drão nem Flora, do baiano Gil;
Não canto mais Luiza, do maior;
Já não homenageio Januária,
Joana, Ana, Bárbara, de Chico;
Nem Yoko, a nipônica de Lennon;
Nem a cabocla, de Tinoco e de Tonico;
Nem a tigreza nem a vera gata
Nem a branquinha, de Caetano;
Nem mesmo a linda flor de Luiz Gonzaga,
Rosinha, do sertão pernambucano;
Nem Risoflora, a flor de Chico Science –
Nenhuma continua nos meus planos.
Nem Kátia Flávia, de Fausto Fawcett;
Nem Anna Júlia, do Los Hermanos.
Só você, hoje eu canto só você;
Só você,
Que eu quero porque quero, por querer.
Não canto de Melô pérola negra;
De Brown e Herbert, uma brasileira;
De Ari, nem a baiana nem Maria,
Nem a Iaiá também, nem a faceira;
De Dorival, nem Dora nem Marina
Nem a morena de Itapoã;
De Vina, a garota de Ipanema;
Nem Iracema, de Adoniran.
De Jackson do Pandeiro, nem Cremilda;
De Michael Jackson, nem a Billie Jean;
De Jimi Hendrix, nem a doce Angel;
Nem Ângela nem Lígia, de Jobim;
Nem Lia, Lily Braun nem Beatriz,
Das doze deusas de Edu e Chico;
Até das trinta Leilas de Donato,
E da Layla, de Clapton, eu abdico.
Só você,
Canto e toco só você;
Só você,
Que nem você ninguém mais pode haver.
Nem a namoradinha de um amigo
E nem a amada amante de Roberto;
E nem Michelle-ma-belle, do beatle Paul;
Nem Isabel – Bebel – de João Gilberto;
E nem B.B., la femme de Serge Gainsbourg;
Nem, de Totó, na malafemmená;
Nem a iaiá de Zeca Pagodinho;
Nem a mulata mulatinha de Lalá;
E nem a carioca de Vinicius
E nem a tropicana de Alceu
E nem a escurinha de Geraldo
E nem a pastorinha de Noel
E nem a namorada de Carlinhos
E nem a superstar do Tremendão
E nem a malaguenha de Lecuona
E nem a popozuda do Tigrão
Só você,
Elejo e elogio só você,
Só você,
Que nem você não há nem quem nem quê.
De Haroldo Lobo com Wilson Batista,
De Mário Lago e Ataulfo Alves,
Não canto nem Emília nem Amélia:
Nenhuma tem meus vivas! E meus salves!
E nem Angie, do stone Mick Jagger;
E nem Roxanne, de Sting, do Police;
E nem a mina do mamona Dinho
E nem as mina – pá! – do mano Xis!
Loira de Hervê e loira do É O Tchan,
Lôra de gabriel, o Pensador;
Laura de Mercer, Laura de Braguinha,
Laura de Daniel, o Trovador;
Ana do Rei e Ana de Djavan,
Ana do outro rei, o do baião:
Nenhuma delas hoje cantarei:
Só outra reina no meu coração.
Só você,
Rainha aqui só você,
Só você,
A musa dentre as musas de a a z.
Se um dia me surgisse uma dessas
Moças que, com seus dotes e seus dons,
Inspiram parte dos compositores
Na arte das palavras e dos sons,
Tal como Madelleine, de Jacques Brel,
Ou como Madalena, de Martinho;
Ou Mabellene e a Sixteen de Chuck Berry,
E a manequim do tímido Paulinho;
Ou como, de Caymmi, a moça Rosa
E a musa inspiradora Doralice;
Se me surgisse apenas uma dessas,
Confesso que eu talvez não resistisse;
Mas, veja bem, meu bem, minha querida:
Isso seria só por uma vez,
Uma vez só em toda a minha vida!
Ou talvez duas… Mas não mais que três…
Só você…
Mais que tudo é só você;
Só você…
As coisas mais queridas você é:
Você pra mim é o sol da minha noite;
É como a rosa, luz de Pixinguinha;
É como a estrela pura aparecida,
A estrela a refulgir, do Poetinha;
Você, ó flor, é como a nuvem calma
No céu da alma de luiz vieira;
Você é como a luz do sol da vida
De Stevie Wonder, ó minha parceira.
Você é para mim e o meu amor,
Crescendo como mato em campos vastos,
Mais que a gatinha para Erasmo Carlos;
Mais que a cigana pra Ronaldo Bastos;
Mais que a divina dama pra Cartola;
Que a domna para Ventadorn, Bernart;
Que a honey baby para Waly Xalomão
E a funny valentine pra Lorenz Hart.
Só você,
Mais que tudo e todas, só você;
Só você,
Que é todas elas juntas num só ser.
Gravado ao vivo na Cité de La Musique nos dias 29 e 30 de abril de 2004 | Paris
(Vídeo remasterizado em HD em 2020. Áudio remixado e remasterizado em 2020.)
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5. Bolsonaro é frouxo, e isso o Brasil não perdoa
As coxas de Lula devem ganhar em 2026
Tati Bernardi, fsp, 28/08/2025
Gostaria de parabenizar a equipe que cuida das redes sociais do presidente Lula. Toda vez que o algoritmo me oferece as coxas do Lula na academia ou o seu fôlego jovial correndo e subindo rampas, eu me lembro da última campanha do Boulos e penso: evoluímos muito.
Na tentativa de convencer abastados estúpidos de que Boulos não invadiria seus closets de porcelanato cimentício acetinado, tentaram transformar o aguerrido barbudo dos movimentos sociais em garoto-propaganda fofo de café hipster da Vila Buarque. Não serviu para nada e ainda foi sofrido de assistir.
Capa da revista The Economist, com ilustração sobre Jair Bolsonaro, afirma: 'O que o Brasil pode ensinar aos EUA' - Reprodução/The Economist
O brasileiro de esquerda tem algo em comum com o brasileiro de direita, e todos têm uma similaridade importante com o brasileiro que se diz de centro e com o brasileiro que nem se diz nada porque é só alienado mesmo: a gente tem raiva de frouxo. Meu tio Carlinhos, por exemplo, é bolsonarista raiz. A única vez que ele teve dúvidas sobre Bolsonaro não foi quando milhares de pessoas morreram de Covid por falta de vacina ou quando o ex-presidente disse dormir ao lado da biografia de um militar que chamava crianças para verem seus pais sendo torturados, muito menos quando ficou bem claro que o inelegível liderou uma organização criminosa.
A única vez que Carlinhos repensou sua corte a um fascista golpista foi quando Michelle Bolsonaro disse que dentro de casa o marido não tinha a mesma energia que tinha nas ruas. Daí titio deprimiu seriamente: "Será que o presidente anda broxa?". Imperdoável.
Quando Bolsonaro chorou histericamente trancado no banheiro, ao perder as eleições em 2022, eu pensei, com um contentamento descomunal, que ele estava perdendo 2026 também. Eu sei que aquilo machucou mais os corações dos adeptos da destruição da humanidade do que a derrota em si. Daí o cara fugiu do país enquanto asseclas golpistas depredaram a praça dos Três Poderes, alguns se utilizando de armas poderosíssimas como déficit cognitivo, maquiagem e resíduos psicóticos absolutistas pós-visita a um castelo de princesa na Disney. Daí o cara começou a vender relógio pra pagar conta de rodízio pra filho que nem gosta dele! E isso era só o começo de derrocada mais vexatória da história do Planalto.
Entenda como vai ser o julgamento de Bolsonaro e outros réus na trama golpista
Brasileiro evangélico gosta de pastor que grita "eu venci, eu posso, eu quero". Quem vai respeitar o tadinho e o esquecido de Deus? Bolsonaro é o cara que perdeu seu indiscreto charme populista para um sujeito cuja face lembra, além de areia mijada, nada mais. Ninguém sabe quem é o governador de São Paulo. Bolsonaro é o cara que deixou seu filho boca-suja entregar as eleições de 2026 de bandeja pra esquerda.
Lula é o cara que saiu da cadeia mais forte, mais apaixonado, mais vitorioso e mais um grande malhador de coxas. Hoje na banca vi sua face altiva na capa do The New York Times, estampando a frase "Ninguém está desafiando Trump como Lula", e ao lado estava a revista The Economist, também elogiosa à postura inabalável de um líder político: "uma lição de democracia".
Lula é o cara que passou fome na infância e tirou o Brasil do mapa da fome duas vezes. Bolsonaro é o cara que riu de quem sufocava de insuficiência pulmonar e agora quer se internar por crise de soluço. Para o bolsonarismo, pior do que um líder preso na Papuda é um líder com espasmos no diafragma causado por uma condição de saúde muito comum chamada "cagaço". Bolsonaro é frouxo, e isso o Brasil não perdoa.
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6. Iris Lettieri
Morre Iris Lettieri, a eterna voz do aeroporto do Galeão, no RJ
Com sua voz macia, a jornalista também foi a primeira locutora de telejornais da TV brasileira
Claudinei Queiroz, fsp, 28/08/2025
Por 37 anos, a jornalista e locutora Iris Lettieri foi a voz do Aeroporto Internacional Tom Jobim, conhecido como Galeão, no Rio de Janeiro. Sua voz macia se calou nesta quinta-feira (28), dois dias após completar 84 anos, de infarto fulminante em casa, no bairro de Botafogo, na zona sul da capital fluminense.
Ela havia tido alta hospitalar um dia antes, após ter sido internada por complicações do diabetes.
O velório está marcado para 12h45 desta sexta-feira (29) no Cemitério Parque da Colina, em Pendotiba, em Niterói.
Iris Lettieri Costa (1941 - 2025) - Bia Guedes - 17.jun.12/Agência O Globo
Nascida no Rio em 26 de agosto de 1941, Iris era filha do alagoano José Avelino da Costa, locutor da Rádio Cruzeiro do Sul, e de Josélia Lettieri, professora de piano, teoria, harmonia, canto e dicção.
Inspirada pelo pai, ela iniciou sua carreira de locutora na Rádio Continental em 1959. Nos anos seguintes, se tornou a primeira mulher a atuar como locutora de telejornais no país, atuando nas TVs Tupi, Excelsior e Manchete.
Em entrevista a Jô Soares em 1997, ela contou que em 1976 já estava louca para deixar os telejornais, por achá-los muito monótonos. Queria liberdade. Como já gravava propagandas, naquele ano ela recebeu um convite da Infraero para participar do processo seletivo para ser a locutora do Galeão. Ela foi a escolhida.
Após ela fazer alguns tipos diferentes de locução, os diretores escolheram a que ficou eternizada: uma voz com dicção muito clara que transmitisse paz, para acalmar os passageiros que têm medo de viajar de avião.
A voz aveludada passou a ser escolhida para as várias campanhas publicitárias que fazia e também para a locução de outros aeroportos, como os de Guarulhos e Congonhas (São Paulo), Eduardo Gomes (Manaus) e Foz de Iguaçu (Paraná). Em 2012, também emprestou sua voz para o BRT Rio.
Iris Lettieri
Nos 37 anos que foi locutora do Galeão, ela sempre acertou um contrato de prestação de serviço autônomo, que era renovado anualmente. Com isso, tinha a obrigatoriedade de ir uma vez por mês ao aeroporto para fazer novas gravações.
Em 1993, sua voz foi considerada a mais bonita do mundo, motivo pelo qual foi entrevistada por vários meios de comunicação internacionais. Na entrevista a Jô, ela se disse surpresa pelo reconhecimento ter ocorrido somente depois de 17 anos de trabalho como locutora do Tom Jobim.
Íris recebeu diversas homenagens ao longo da carreira, como o título de Personalidade Aeroportuária pela Infraero (1995), o selo de qualidade Abrajet–Rio (1995) e a Medalha Pedro Ernesto, concedida pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro (1996).
Em nota, a concessionária RIOgaleão, que administra o terminal carioca, lamentou a morte da locutora.
"O RIOgaleão lamenta o falecimento de Íris Lettieri, voz inesquecível que marcou gerações nas rádios e nas mensagens do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Seu trabalho se tornou parte da memória afetiva de milhares de passageiros que passaram pelo Tom Jobim. Manifestamos nossa solidariedade à família, amigos e admiradores dessa profissional que ajudou a escrever a história da aviação e da comunicação no Rio de Janeiro."
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7. Zuzu Angel
Certidão de óbito de Zuzu Angel, morta pela ditadura, é retificada
Familiares da estilista, e de outras 20 pessoas, receberam o documento com informações atualizadas sobre as mortes causadas pelo Estado
Cristina Camargo, fsp, 29/08/2025
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, entregou a familiares nesta quinta-feira (28) 21 certidões de óbitos retificadas de pessoas mortas e desaparecidas durante a ditadura militar (1964-1985).
Entre as certidões está a da estilista mineira Zuzu Angel, que fez sucesso ao vestir estrelas de Hollywood com suas criações e causou ira na ditadura ao enfrentar as autoridades após a morte sob tortura de seu filho, Stuart Angel.
A retificação é uma determinação da Resolução nº 601, de 2024, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Certidão de óbito retificada de desaparecido político na ditadura militar - Ministério dos Direitos Humanos
A resolução determina que as mortes sejam especificadas como não naturais, violentas e causadas pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição à população identificada como dissidente política do regime ditatorial. O novo documento tem também informações sobre a idade e o estado civil das vítimas, além da data e do local da morte.
Zuzu morreu em 1976 em um suposto acidente de carro na saída do antigo túnel Dois Irmãos, que hoje tem o nome da estilista, em São Conrado, no Rio de Janeiro. Em 1988, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos reconheceu o regime militar como responsável pela morte. Ela teria sido jogada para fora da pista por um veículo ocupado por agentes da ditadura.
Além de Zuzu, foram entregues as certidões de Adriano Fonseca Filho, Antônio Carlos Bicalho Lana, Antônio Joaquim de Souza Machado, Arnaldo Cardoso Rocha, Carlos Alberto Soares de Freitas, Ciro Flávio Salazar de Oliveira, Gildo Macedo Lacerda, Eduardo Antônio da Fonseca, Pedro Alexandrino Oliveira Filho, Raimundo Gonçalves de Figueiredo, Walkíria Afonso Costa, Hélcio Pereira Fortes, Idalísio Soares Aranha Filho, Ivan Mota Dias, João Batista Franco Drumond, José Carlos Novaes da Mata Machado, José Júlio de Araújo, Oswaldo Orlando da Costa, Paulo Costa Ribeiro Bastos e Paulo Roberto Pereira Marques.
O Ministério dos Direitos Humanos informa que espera entregar 400 documentos até o final deste ano.
Há 40 anos: acidente de carro mata Zuzu Angel, estilista que aliou moda à sua luta pessoal contra a ditadura
A cerimônia desta quinta foi realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais a familiares de mineiros mortos pela ditadura ou cujas mortes ocorreram no estado.
"Eu tinha dois anos e meio de idade quando ele, aos 33 anos, foi assassinado", recordou Iara de Figueiredo, filha de Raimundo Gonçalves de Figueiredo, sobre a morte do pai. Ele era bancário e militante da organização VAR-Palmares.
"Trata-se do reconhecimento da verdade histórica sobre a causa da morte dessas pessoas", disse a secretária-executiva do ministério, Janine Mello.
A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, participou remotamente da cerimônia.
"O Brasil tem profundas sequelas de períodos históricos nefastos, que vêm desde a escravização até a ditadura, e segue em muitas periferias, favelas e no campo. É importante nomear o óbvio e o vivido para que não se repita", afirmou.
Ocupação Zuzu Angel - galeria
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8. O personagem Macbeth ou a personagem Macbeth?
As duas frases estão corretas. Personagem é um substantivo não-binário.
Fonte: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa, 3ª edição, 2128 p., Nova Fronteira, 1999 – formato: 27,5x21 cm
" Personagem. [Do fr. personage.] S.f. e m. 1. Pessoa notável, eminente, importante; personalidade, pessoa. 2. Cada um dos papéis que figuram numa peça teatral ou filme, e que devem ser encarnados por um ator ou uma atriz; figura dramática. (...)"
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9. Senhora dos afogados
'Senhora dos Afogados' conquista pelo sarcasmo contagiante do coro
Montagem de Nelson Rodrigues faz bom uso dos discípulos de Zé Celso e espaço do Oficina, mas erra em algumas atuações
Maria Eugênia de Menezes
Senhora dos Afogados
Elenco Marcelo Drummond, Regina Braga e Leona Cavalli, Direção Monique Gardenberg
"Senhora dos Afogados" é a primeira grande produção do Teatro Oficina após a morte de seu criador —o ator, dramaturgo e diretor José Celso Martinez Corrêa. E leva adiante um desejo que o artista alimentou por anos sem chegar a concretizar: encenar um dos mais difíceis e complexos textos de Nelson Rodrigues.
Muito conhecido por suas criações que ambientam os dramas da sociedade brasileira no microcosmo do Rio de Janeiro, Nelson também escreveu quatro peças que são classificadas como míticas. Nesses títulos, o olhar não se detém na dinâmica dos subúrbios cariocas, mas em mitos universais, de forte caráter simbólico e estreita vinculação com os arquétipos da herança grega.
Imagem de 'Senhora dos Afogados', nova peça do Teatro Oficina - Divulgação
Coube a Monique Gardenberg levar adiante a missão de encenar "Senhora dos Afogados" junto aos discípulos de Zé Celso. Diretora experiente, ela é reconhecida ainda hoje por seu trabalho em "Os Sete Afluentes do Rio Ota" — um dos grandes espetáculos dos anos 2000. Para a montagem atual, selecionou um elenco estelar. Combinou integrantes históricos do Oficina, como Marcelo Drummond e Sylvia Prado, a atores que — mesmo tendo trilhado trajetórias independentes do grupo — tiveram suas carreiras fortemente impactadas pelo encontro artístico com Zé Celso, como Giulia Gam e Leona Cavalli.
Outros atributos significativos da encenação são, curiosamente, aspectos nos quais as estéticas do Oficina e da encenadora se aproximam. São eles: a aptidão para usar a música, a presença forte do audiovisual desvelando outros pontos de vista para o espectador, assim como sua capacidade de criar cenas visualmente impactantes.
Obra emblemática da arquitetura brasileira, o Teatro Oficina propõe um espaço distinto dos tradicionais palcos italianos. Ali, os espectadores sentam-se em galerias laterais e a ação se dá num palco-passarela. O formato propõe tanto desafios quanto vantagens. Uma delas é a criação de situações de interação com a plateia, borrando os limites entre o fora e o dentro da cena; outra é a possibilidade de se criar cortejos cênicos, um dos aspectos mais marcantes da visualidade de Zé Celso, que valorizava a festa, a coletividade e a dimensão performática do teatro.
Veja cenas da montagem de 'Senhora dos Afogados', do Teatro Oficina
Ciente dessas potencialidades, a presente versão de "Senhora dos Afogados" explora um dos elementos-chave desse texto rodriguiano. Para escrever sua história sobre a família Drummond —um clã devastado por assassinatos e paixões incestuosas— Nelson inspirou-se declaradamente em Eugene O’Neill e em sua "Electra Enlutada". O grande autor americano, por sua vez, bebera diretamente em Ésquilo e sua Oresteia.
Lá, Agamemnon retornava da guerra de Tróia e reencontrava a mulher adúltera, Clitemnestra, e a filha Electra. Na releitura rodriguiana, vários elementos se deslocam, outros motores movem os crimes, mas permanecem dois dos pilares centrais da tragédia: a paixão incestuosa que a filha Moema, papel de Lara Tremouroux, alimenta pelo pai Misael, personagem de Marcelo Drummond, e a onipresença do coro, a comentar a cena e guiar o espectador.
Sempre à espreita, o coro de vizinhas — representado com brilho por Giulia Gam, Cristina Mutarelli, Michele Matalon e Ligia Cortez — é o ponto alto da montagem. Cabe-lhes a ironia, o comentário sarcástico, o respiro humorístico e até mesmo o ritmo da narrativa. Enquanto Moema e D. Eduarda, vivida por Leona Cavalli, dilaceram-se internamente, as vizinhas traduzem isso em discursos públicos, vertendo a tragédia íntima para o âmbito comunitário.
Nelson Rodrigues - galeria
Em papel análogo ao coro grego, que orientava a leitura do público, as vizinhas sugerem como os fatos devem ser enquadrados, expressam o julgamento moral da sociedade e até mesmo esclarecem a plateia sobre as motivações das personagens principais.
A despeito da declarada admiração por Nelson Rodrigues, Zé Celso encenou apenas uma de suas peças: um bem-sucedido "Boca de Ouro", em 1999. É impossível saber qual teria sido sua abordagem diante de Senhora dos Afogados. Mas pode-se afirmar que a dramaturgia, com seu inusitado lirismo, impõe dificuldades que a condução de Gardenberg e parte do elenco não puderam contornar.
Ainda que escapem com êxito do melodrama, que tantos crimes e assassinatos poderiam suscitar, falta encontrar a chave para algumas questões de interpretação. O amor desmesurado de Moema — que a faz matar as irmãs para ser a única aos olhos do pai —, assim como a contenção total de Misael — que não se permitiu um único gesto de amor nem mesmo no casamento—, pairam desencarnados, irrealizados, sem encontrar lugar nas atuações.
Teatro Oficina apresenta “Senhora dos Afogados” + Ventura Profana + café e cerâmica | 19/05/25
A peça: Seenhora dos afogados
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10. Jaguar (1932-2025)
Pasquim, novembro de 1973
Morre Jaguar, cartunista e fundador de ‘O Pasquim’, aos 93 anos; relembre trajetória
Desenhista fez história no semanário satírico e criou personagens como Sig, Gastão, o Vomitador, Bóris, o Homem-Tronco
Por André Carlos Zorzi, O Estado, 24/08/2025
Jaguar, cartunista e um dos fundadores do semanário O Pasquim, morreu aos 93 anos de idade no Rio de Janeiro. A morte foi confirmada ao jornal O Globo pela viúva de Jaguar, Celia Regina Pierantoni, neste domingo, 24.
Jaguar em foto de agosto de 2000. Foto: Fabio Motta/Estadão
Nascido no Rio de Janeiro como Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, já dava mostras de que seria diferenciado no próprio dia do nascimento: 29 de fevereiro de 1932, um ano bissexto. Deixou a capital do País aos três anos de idade, quando seu pai, funcionário do Banco do Brasil, foi transferido para Juiz de Fora - recomendação de um pediatra para ajudar com a asma de Jaguar. Depois, o banco enviou-o para Santos, onde o jovem fez o primário e o ginásio. Por volta dos 15, pôde, enfim, voltar ao Rio.
“De carioca autêntico eu não tenho nada. Eu simplesmente curto o Rio como se fosse um cara de fora”, explicava o ex-morador de bairros como Lapa, Copacabana e Leblon. Orgulhoso boêmio - jurava que chegou a tomar 50 latinhas de cerveja num único dia - foi um dos fundadores da Banda de Ipanema, que juntava jornalistas, escritores, artistas e cartunistas, e até hoje existe como bloco do carnaval carioca.
Os livros de Jaguar
Foi autor de dois livros. Ipanema - Se Não Me Falha a Memória (2000), abordava suas lembranças do bairro, em especial do que chamava de “anos gloriosos”, ou seja, as décadas de 1960 e 1970. “Eu quis desistir [de escrever a obra], mas não pude porque já tinha bebido o dinheiro do adiantamento. Mudei [de Ipanema] porque depois da meia-noite já estava tudo fechado, e no Leblon ainda dá pra brincar de boêmia”, contava num evento de lançamento em São Paulo. Já Confesso Que Bebi (2001) era um compilado com suas histórias pessoais e sua peregrinação pelos cardápios dos bares cariocas.
Desenhava desde a época de menino, mas “pessimamente”. “Aliás, desenho mal até hoje, é que eu engano muito”, contava em longa entrevista à Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em 2009. “Eu detesto desenhar! Se um dia eu puder ou tiver que parar de desenhar, não desenho mais. Minha única inspiração é a seguinte: ‘Eu tenho que entregar a porra do desenho!’ [Risos]. Se não, eles não me pagam…” , brincava, alegando “não ter saco para personagens” ou “paciência para história em quadrinhos”
Jaguar durante conversa com os humoristas Hubert e Reinaldo na 12.ª edição da Flip (Feira Literária Internacional de Paraty), em julho de 2014. Foto: Marcos De Paula/Estadão
Os personagens de Jaguar
Mesmo diante dessa ‘má vontade’ surgiram personagens marcantes. Entre os principais, o ratinho Sig [alusão a Sigmund Freud], um dos símbolos do Pasquim e apaixonado por mulheres como Odete Lara e Tânia Scher. Sua origem remete ao lançamento da cerveja Skol no Brasil, quando o publicitário Zequinha Castro Neves pediu que Jaguar desenhasse uma história para marcar a ocasião. Surgia o Chopnics, mistura da palavra “chopp” com o movimento “beatniks”, tirinha estrelada pelo personagem BD, o Capitão Ipanema. A inspiração era o amigo Hugo Bidê, que, reza a lenda, levava um ratinho branco para os bares. O roedor ganhou uma versão em desenho, o Sig, e permaneceu mesmo após o fim do Chopnics, se tornando a figura mais frequente nas páginas do Pasquim por anos.
Gastão, o Vomitador, fez sucesso com as inúmeras ocasiões em que passou mal e pôs tudo para fora ao se deparar com os absurdos do noticiário. Em entrevista à Folha de S. Paulo, em 2015, Jaguar relembrou que o personagem surgiu “na entrevista que O Pasquim fez com Carlos Manga, publicada no número 153 (julho/1972). Nela, Manga confessou um crime hediondo: ele foi o inventor do júri de televisão. Ilustrei sua declaração com o Gastão vomitando. Gastão teve vida breve. Como não sabia fazer outra coisa além de vomitar, enjoei de desenhá-lo e o despedi”.
Havia também Bóris, o ‘Homem-Tronco’ personagem sem pernas que saía por aí ‘pela metade’, em um carrinho quadrado, e o protagonista de Átila, Você É Bárbaro, primeiro livro lançado por Jaguar, em 1968.
Teve seu primeiro trabalho publicado na Penúltima Hora, seção de Leon Eliachar no jornal Última Hora. Também naqueles tempos, ao mostrar alguns desenhos para Borjalo na Manchete, recebeu um conselho: “Eu assinava Sérgio Jaguaribe. Ele falou: ‘Nem pensar! Não é nome de humorista. Vai ser Jaguar!”. E assim ficou.
Mudança profissional
No começo da vida adulta, quando saiu do exército, decidiu que iria viajar, e foi para o Amazonas por cerca de um ano. Ao voltar para o Sudeste, passou em um concurso da marinha mercante, onde tinha o sonho de se tornar comandante, “levar um monte de livros, ficar lendo, deixando uma mulher em cada porto”. Mas acabou se casando e prestou um concurso para o Banco do Brasil. Zerou a parte de datilografia, mas, pela média geral, foi aprovado. Ironicamente, acabou no setor de telegramas. Teve que aprender a bater a máquina.
O cartunista Jaguar entre os irmãos Chico e Paulo Caruso em foto de agosto de 2008; ele morreu neste domingo, 24 de agosto de 2025, aos 93 anos de idade. Foto: Fabio Motta/Estadão
Da experiência, destacava: “Nunca tive uma falta. Uma falta sequer! Isso foi fundamental na minha vida, me deu uma puta disciplina! As pessoas duvidavam: ‘O Jaguar? Tá bebendo, ele não vem! Não vai entregar a porra da matéria!’. E eu nunca deixei de entregar nada, assim como nunca faltei ao banco”.
Permaneceu no BB por cerca de 17 anos, pedindo demissão em 1974. Segundo ele porque, justamente na hora em que a redação do Pasquim ficava mais “animada”, ele precisava sair para o outro emprego.
Desde a década de 1950, passou por inúmeros veículos, como as revistas Manchete, Senhor, Civilização Brasileira e Revista da Semana, os jornais Tribuna da Imprensa, Última Hora, A Notícia e O Dia, além do histórico Pif-Paf, de Millôr Fernandes, e do já citado Pasquim. Também foi editor da Bundas, publicação lançada no fim dos anos 1990 com parte da turma pasquinesca.
O Pasquim
Um marco na carreira de Jaguar, assim como na de tantos outros cartunistas brasileiros, o semanário O Pasquim foi fundado em junho de 1969, durante um dos períodos mais difíceis da ditadura militar (1964-1985) - vale lembrar que o Ato Institucional Número 5 havia sido decretado por Costa e Silva no ano anterior.
“A fundação de O Pasquim logo depois do AI-5 foi uma coisa inteligentíssima, né? [Risos]. Um grupo de pessoas consideradas de um certo QI, esperou o AI-5 pra abrir um jornal pra falar mal do Governo! Foi uma idéia brilhante! [Risos] Deu tanto resultado que, seis meses depois, 80% da redação estava em cana”, ironizava.
O pontapé inicial foi dado ao lado de Sérgio Cabral, Claudius Carlos Prósperi e Tarso de Castro. Na equipe da publicação passaram ainda outros nomes históricos do jornalismo alternativo como Millôr Fernandes, Ziraldo, Henfil, Paulo Francis, Ivan Lessa e Sérgio Augusto. O nome do jornal foi sugestão do próprio Jaguar, uma referência ao termo italiano Paschino, um panfleto difamador.
“Nós fizemos o jornal porque estava todo mundo demitido e a gente precisava de um meio de ganhar dinheiro. Queríamos produzir um informativo de Ipanema, feito nos botecos, mas, pela própria natureza dos participantes, começamos a fazer aquela brincadeira toda”. Em seu auge, O Pasquim chegou a vender mais de 200 mil exemplares numa única edição. A maioria das páginas não surgia de reuniões de pauta formais, mas de conversas de bar.
Foi em sua época de Pasquim que acabou preso, no segundo semestre de 1970. À época, o jornal fez uma sátira com o quadro Independência Ou Morte, de Pedro Américo, na qual, em vez da famosa frase, Dom Pedro dizia: “Eu quero é mocotó!” [Referência à música de Erlon Chaves].
Na semana em que parte da redação foi para a prisão (ou ficou “gripada”, termo que usavam para falar sobre a situação por conta da censura), Jaguar tinha viajado para pescar em Arraial do Cabo. Na volta, foi aconselhado a se esconder. “Pra você ver como o Brasil é surrealista, eu fiquei na casa do sujeito que era um dos mais reacionários: [o apresentador] Flávio Cavalcanti. Ninguém iria procurar um subversivo na casa do Flávio Cavalcanti [Risos]”, lembrava à ABI.
Posteriormente, Paulo Francis, que estava preso, lhe ligou, pedindo para que se entregasse, “caso contrário, ninguém seria solto”. Foi junto a Sério Cabral, que também estava foragido, e se entregaram. Ao longo das décadas, Jaguar se acostumou a relatar de forma bem-humorada o período em que passou na cadeia, como os frequentes subornos aos guardas para que pudesse beber cachaça diariamente na cela. “O Ziraldo fica puto quando começo a contar essas histórias engraçadas, pois ele acha que elas estragam a nossa imagem pública. ‘Pô, você fica nos esculhambando, todo mundo fica rindo... Parece que foi uma brincadeira! Não era, eu sei disso”, ponderava. Mas o tempo de cadeia nos anos de chumbo era só um entre tantos outros assuntos dos quais Jaguar falava dando risada.
Ainda sobre a época da ditadura, relembrava a forma encontrada pelo Pasquim para tentar driblar a censura, que se intensificou em 1974: “O negócio ficou feio, pois tudo tinha que ser mandado pra Brasília. A gente colocava um monte de secretárias copiando Os Sertões, Rachel de Queiroz... Então, de cada 20 páginas, apenas três eram de O Pasquim. Só que eles [censores] tinham que ler aquela merda toda, entendeu? Censuravam Rachel, Fernando Sabino, Rubem Braga [Risos]. Era uma guerrilha, a gente fazia isso muito bem. Mandávamos um volume de material que daria pra três edições, torcendo pra que, após os cortes, o que voltasse salvasse pelo menos uma”.
Mesmo com a tática, os atrasos começaram a se tornar as recentes, fazendo com que a publicação perdesse parte da sua atualidade. “Foi aí que começou a decadência. Fora aquela história de incêndios e explosão nas bancas”. O semanário continuaria sendo publicado até outubro de 1991, época em que o povo já votava diretamente para presidente, e as vendas estavam longe de serem as mesmas dos tempos áureos.
“A democracia é péssima para esse tipo de publicação. A gente esculhambava o Governo. E só a gente, né? A chamada ”imprensa nanica”. Depois que todo mundo pode esculhambar o Governo, virou zona. A democracia é a pior coisa para um jornal de humor e de sátira, do ponto de vista econômico”, analisava Jaguar.
As polêmicas de Jaguar
“Dizem que sou mal-humorado, o que é uma mentira. É que eu prefiro ir contra a corrente”, dizia Jaguar ao Jornal do Brasil em fevereiro de 2004. A postura do cartunista lhe rendeu diversos momentos polêmicos ao longo da vida.
Num deles, em outubro de 1999, protestou contra a posse de Roberto Campos, ferrenho crítico da esquerda e do comunismo, como um dos imortais da Academia Brasileira de Letras (ocuparia a cadeira de Número 21, que já havia sido de Dias Gomes). Em certa ocasião, havia dito que se Campos fosse realmente indicado, iria ao local para arremessar ovos podres. Segundo ele, não passava de blefe. Mas Arnaldo Niskier, então presidente da ABL, chamou-o de “covarde”, dizendo que não cumpriria com sua palavra. Foi aí que decidiu que teria que realizar o ato pra valer.
Fantasiado como Dom Pedro I, foi para a frente da Academia no dia da posse, mas muitas horas antes. Diante da presença de inúmeros seguranças e policiais, além da imprensa, acabou se amedrontando. No fim das contas, em vez de arremessar os ovos em direção a Campos, limitou-se a deixar três ovos cozidos na calçada. “É para que o novo imortal chegue à academia pisando em ovos, assim como todos os que votaram nele”, disse na ocasião, segundo o Diário do Grande ABC.
Em junho de 2006, Chico Alencar, então vereador pelo Rio de Janeiro, indicou Jaguar para receber a medalha Pedro Ernesto da Câmara Municipal. Após tê-la recebido, o cartunista ficou incomodado ao descobrir que o deputado Roberto Jefferson, à época envolvido em escândalos de corrupção, também havia recebido a honraria (por indicação de sua filha, Cristiane Brasil, outra vereadora da casa), resolveu devolvê-la. Diante de funcionários que não sabiam bem como proceder no caso inédito, acabou deixando o prêmio com a presidente da Câmara e foi embora.
Em abril de 2008, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça decidiu que Jaguar receberia uma indenização de mais de R$ 1 milhão e uma pensão mensal de R$ 4 mil, assim como Ziraldo, pelos prejuízos que sofreram com a perseguição política durante a ditadura militar (1964-1985). O valor rendeu críticas, e Jaguar chegou a se dizer decepcionado com a reação do público e mídia: “Não esperava levar tanta porrada”.
Já idoso, passou por alguns problemas de saúde. Em 2012, aos 80, revelou que sofria de cirrose e de câncer no fígado (carcinoma hepatocelular), precisando ser submetido a uma cirurgia. Depois de parte do tratamento, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo: “Eu não sei quanto eu [ainda] tenho de vida, mas é mais do que eu esperava.”
“O médico ficou perplexo comigo. ‘Quer dizer que não vou morrer dentro de 20 dias?’ Ele falou: ‘Não’. Falei: ‘Porra, mas que sacanagem! já bolei todo o esquema, vou ter que reformular tudo de novo, voltar à vida normal, fazer planos para o futuro e o cacete, mas que merda! [Risos]”, continuava, como sempre, dispondo de bom humor nas mais variadas situações.
Em 2014, Jaguar participou da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que naquele ano homenageava Millôr Fernandes.
Ele foi entrevistado na mesa de abertura. Veja abaixo na íntegra.
Flip 2014 - "Millôrmaníacos", com Hubert, Reinaldo e Jaguar (áudio na íntegra)
@nelsonbravo357 há 5 anos (editado)
Tenho o prazer de dizer que conheça essa fera "Jaguar", desde 1968. Antes, já era amigo do pai dele, o velho Francisco de Paula Alencar Jaguaribe. Na manhã de 13 de dezembro de 1968, encontrei-o no posto 5, no calçadão da praia de Copacabana. Ali ele me perguntou se eu sabia o que era "dica". Claro que eu sabia. Em 68, o Pasquim ainda demoraria um ano para ser criado. Pois bem, nessa noite de 13 de dezembro de 68, foi lançado o livro "Dez em humor", no Bar do Veloso (depois, Garota de Ipanema). Ainda tenho o livro com os autógrafos da patota que lá estava. Comoesse foi o dia fatídico da assinatura do AI-5, pelo Ministro Gama e Silva, parte da galera que lá estava foi presa ali, nessa mesma noite, mas isso não presenciei, pois saiu antes da meia-noite. Na época, a censura comia solta e a gente de nada sabia, pelos jornais ou televisão. Tempos sombrios da ditadura.. Dentre os caras do livro,, ali presentes, ainda me lembro do Jaguar, Zélio, Ziraldo, Claudius e Leon Eliachar. Há anos não mais vejo o Jaguar, pois resido deixei o Rio há duas décadas. Naocasião do livro "Dez em Humor", eu morava na rua Gomes Carneiro, 84, vizinho do cafofo de criação do Millôr Fernandes, em Ipanema, pertinho do apê dos pais do jaguar,numa cobertura maneira da Praça GeneralOsório, onde sempre nos encontrávamos. O Jaguaria lá para filar um whysky da sua ma~e, d. Helena, uma velhinha esperta e que bebia bem. Certa vez, o Jaguar me convidou e fomos juntos, no carro dele, a uma fazenda não me lembro onde, no estado do Rio, para buscar seu filho adolescente Pedrinho, que lá estva curtindo uns dias de férias. No meio do caminho, o Jaguar ficou tentando me aliciar para eu conseguir que meu amigo Carlos Drummond de Andrade desse uma entrevista pro Pasquim. Claro que eu nunca fiz isso, pra não queimar meu filme com o nosso maravilhoso poeta, que, então, não dava entrevista nem pro Papa. Também me lembro que uma noite, na casa dos seus pais, topei com o Jaguar , que acabara de voltar da Escócia, para onde ganhou uma viagem. Perguntei-lhe o que achou do país e ele me respondeu que bebera tanto que não conseguia mais se lembrar de nada. Noutra ocasião, o Jaguar, tambémi na casa de seus pais, me "cantou" para eu ir a um Cine Show de Madureira, num sábado à noite, ir lá apanhar a vedete Marta Anderson, que tinha saído no Pasquim dias antes, e trabalhava na peça Nokupirus, do Ziraldo, com o Tonico Pereira e outras figuras. Deuime a grana pro táxi e me pediu pra pegar a estrela Marta Anderson ao final da peça, e levá-la pra quadra da Mocidade Independente, de Padre Miguel, onde o bicheiro Castor de Andrade, seu presidente, edurante um ensaio da Escola, homenageava a galera doPasquim, como seus convidados de honra. Castor de Andrade mandou um ônibus Frescão buscar a turma do Pasquim, em Copacabana,. Nessa festa, com muito samba no pé, o Whisky comeu solto e o camarão e outros acepipes sofisitcados eram servidos com fartuira. O Jaguar me encarregou da missão por estar com um olho roxo. Disse-me que sofrera um acidente de carro, mas eu seui que a história teria sido bem outra. Mas isso, não posso contar. Bons tempos !.
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11. Tze-gu-juni
Geronimo’s ‘Bravest’ Wife Fled Mexican Captivity and Fought a Mountain Lion
Huera, also known as Tze-gu-juni, served as an interpreter, a mother figure to Apache women, and as a shaman
[tadução live] A esposa “mais corajosa” de Gerônimo fugiu do cativeiro mexicano e lutou contra um leão da montanha
Huera, também conhecida como Tze-gu-juni, serviu como intérprete, figura materna para as mulheres apaches e xamã.
by John P. McWilliams - 6/9/2017
TzeThe famous chief called Huera, also known as -gu-juni, the "bravest" among Apache women. [TzeA famosa chefe chamada Huera, também conhecida como -gu-juni, a “mais corajosa” entre as mulheres apaches.]
A tradição oral Apache registra várias mulheres corajosas, como Lozen, irmã do chefe Chihenne Victorio, que supostamente participou de ataques Chiricahua https://www.historynet.com/tag/chiricahuas/ nas décadas de 1870 e 1880.
Não tão conhecida, mas certamente corajosa por mérito próprio, estava Huera, ou Tze-gu-juni (seu nome Chihenne, que significa “Boca Bonita”). Ela não era uma combatente, mas seu segundo marido, o guerreiro apache Bedonkohe Geronimo, a chamava de “a mais corajosa das mulheres apaches”.
Pouco se sabe sobre a juventude de Huera. Ela nasceu por volta de 1847. Durante uma forte tempestade, um raio atingiu ela, sua mãe e sua irmã, e apenas Tze-gu-juni sobreviveu. Ela tinha cerca de 30 anos em 14 de outubro de 1880, quando uma emboscada mexicana tirou a vida de Victorio, outros Chihennes e seus aliados apaches mescaleros em Tres Castillos, Chihuahua, México.
REFÉNS DOS SOLDADOS
Os líderes guerreiros renegados provavelmente trouxeram suas famílias com eles. Mais tarde naquele ano, porém, os soldados capturaram Huera e muitas das outras esposas e filhos em incursões e os mantiveram como reféns — primeiro no Forte Apache e depois no Forte Bowie. As autoridades esperavam que seu cativeiro convencesse os guerreiros renegados a se renderem.
Em março de 1886, Gerônimo e outros prometeram se render a Crook em Cañon de los Embudos (Canyon of the Funnels) na Sierra Madre de Sonora. Mas, ao se aproximarem da fronteira do território do Arizona, Gerônimo, Naiche e cerca de 40 seguidores fugiram, e apenas Chihuahua e seu bando se renderam. Somente em 4 de setembro Gerônimo e Naiche também se renderam ao brigadeiro-general Nelson Miles em Skeleton Canyon, no território do Arizona.
O governo enviou não apenas Gerônimo e os outros apaches renegados para a Flórida como prisioneiros de guerra, mas também os batedores apaches que haviam trabalhado para o Exército, bem como a maioria dos chiricahuas de San Carlos restantes, incluindo os bravos Huera, Lozen e Dahteste (considerada uma guerreira como Lozen).
Seu status de prisioneiros de guerra deveria durar dois anos, mas se estendeu por um quarto de século para muitos, a menos que morressem primeiro de desnutrição ou doença. A taxa de mortalidade em Fort Marion era especialmente alta entre crianças e idosos, e Huera cantava cantos fúnebres, muito apreciados pelos outros prisioneiros enlutados. Ela também desempenhava um papel religioso como xamã.
ENTERRADOS LADO A LADO
Geronimo, Huera e os outros acabaram sendo transferidos para Fort Sill, no Território Indígena (atual Oklahoma), e ele mais tarde a tomou como uma de suas muitas esposas. A data da morte de Huera é incerta. Alguns dizem que ela morreu em 1892. O autor Peter Aleshire afirma que foi em algum momento após 1894. Outras fontes afirmam que ela morreu em Fort Sill em 1901 ou 1902, quando tinha cerca de 54 anos.
O próprio Gerônimo morreu aos 79 anos, em 1909. O chefe Chiricahua e sua mais corajosa esposa estão enterrados lado a lado no Cemitério Apache de Beef Creek, em Fort Sill.
John P. McWilliams publicou recentemente a segunda edição de seu livro Against the Wind: Courageous Apache Women (Contra o vento: mulheres apaches corajosas), que traça o perfil de Lozen, Huera e outras quatro heroínas apaches. Ele dá palestras regulares sobre elas no Novo México.
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12. Sapatão
'Sou sapatão, sim, com muito orgulho, mas isso não é tudo o que eu sou', diz Bruna Linzmeyer
A atriz catarinense comemora 15 anos de carreira com a estreia da série 'Máscaras de Oxigênio (Não) Cairão Automaticamente' e se prepara para seu primeiro trabalho como roteirista e diretora
Teté Ribeiro, fsp, 23/08/2025
A atriz Bruna Linzmeyer - Maria Magalhães / Divulgação
"Adoro falar que eu sou sapatão, tem muito a ver com a minha estratégia de enfrentar o preconceito", diz Bruna Linzmeyer numa conversa de mais de uma hora no começo desta semana. "As pessoas xingavam as mulheres queer de sapatão no passado, aí a gente pegou essa palavra para a gente e tomou posse dela. Ninguém vai me atingir me chamando de sapatão", afirma.
Muitas vezes na conversa com Bruna ela fala "a gente", mas isso não é esquisitice de celebridade de falar de si mesma na terceira pessoa do singular. O "a gente" de Bruna quer dizer a comunidade queer, ou LGBT, na qual ela naturalmente transita, mas que também virou um objeto de pesquisa da atriz e modelo.
"Estudo teoria queer, me interesso por esse universo, estudo audiovisual queer, cinema queer. É um campo de pesquisa e de muito interesse meu", conta. "Tem muitos trabalhos autorais que estou desenvolvendo que se relacionam com essa temática, por isso eu não me canso nunca de falar sobre esse assunto."
Não dá para me aprofundar muito nesse assunto dos trabalhos autorais por um pedido da produção, não podemos revelar nem o nome do longa-metragem nem o tema. "Mas não é a história da minha vida, todo mundo me pergunta isso", adianta. O que dá pra dizer é que Bruna Linzmeyer vai estrear como roteirista e diretora ainda neste ano.
Bruna mora no Rio, mas passou por São Paulo para fazer parte do lançamento da série "Máscaras de Oxigênio (Não) Cairão Automaticamente", que estreia no próximo dia 31 na HBO. A série tem oito episódios de mais ou menos uma hora cada e é baseada em fatos reais. Se passa nos anos 1980, quando a epidemia da Aids, que atingia principalmente os homens gays, era quase uma sentença de morte. Sem cura nem tratamento eficaz.
O AZT, único medicamento disponível para conter o vírus na época, ainda não tinha sido liberado pelo governo brasileiro. Diante do desespero e da falta de perspectiva, um grupo de comissários de bordo passa a contrabandear a droga dos Estados Unidos.
Bruna interpreta a comissária Léa, da companhia aérea fictícia Fly Brasil, melhor amiga do comissário Fernando, personagem de Johnny Massaro, que contrai o vírus. E começa a fazer parte do esquema de contrabando por convicção de que aquela era a coisa certa a ser feita diante de tamanho descaso do governo brasileiro.
"Ela tem muita empatia com a causa, bota o trabalho dela, a vida dela, em risco para ajudar as vítimas do HIV/Aids. É a única personagem que não entra no esquema por causa própria ou para favorecer irmão, filho, marido", diz Bruna. Sua personagem, apesar de não ser baseada em uma pessoa específica, foi construída a partir de muita pesquisa da atriz.
"Conversei com várias ex-comissárias de bordo que trabalhavam nessa época, inclusive uma delas que viveu uma história de amor muito parecida com a da minha personagem, que tem um caso com um piloto casado e acaba engravidando", conta a atriz. "Foi um encontro muito lindo, ela me trouxe o uniforme da Varig que usava na época, tinha guardado esses anos todos. E contou que o piloto tinha sido o grande amor da vida dela."
Apesar de tratar de um assunto terrível, triste e sério, a série não é sombria. Os comissários são muito amigos, mesmo fora do trabalho, e aproveitam a vida de viajante com a qual a maioria de nós só consegue sonhar. Um romance em cada porto, sabe? Muita balada, muito bom humor, mesmo lidando com uma ameaça impensável. "Foi com muita responsabilidade social e emocional que contamos essa história, de um momento terrível da nossa vida, do Brasil, do mundo. Ao mesmo tempo, fizemos uma escolha de falar sobre esse assunto de um jeito bem queer", afirma.
O jeito queer a que Bruna se refere tem a ver com não se entregar diante de um inimigo tão poderoso. "A comunidade LGBT faz isso muito bem, dar a volta na dor. ‘Isso aqui é um problema, mas o que a gente faz com isso?' E essa comunidade criou uma rede de solidariedade muito impactante que mudou de fato o curso da história."
"O que essas pessoas fizeram nos anos 1980 transformou a visão do governo brasileiro da época e fez com que a gente seja, hoje, o único país do mundo que tem tratamento 100% gratuito no SUS, tanto para quem já contraiu o vírus como para quem quer se prevenir", afirma.
Bruna mergulha de cabeça nas coisas por que se apaixona. Foi assim com o seu trabalho audiovisual, com a comunidade queer e, mais recentemente, com o futebol feminino. "O mundo do futebol tem muitas mulheres lésbicas e bissexuais, e elas falam muito abertamente sobre o tema e também sobre o preconceito. Essa foi a minha primeira conexão", diz a atriz. "Agora sou uma aficcionada, não só pelo jogo em si mas por tudo o que ele significa culturalmente e socialmente. Só pra ter uma ideia, em 2015 não tinha transmissão de muitos jogos e a gente foi campeã da Copa América naquele ano, mas o Brasil não viu essa final", conta.
A indignação dela vem repleta de dados: "O futebol feminino foi proibido durante 40 anos, desde a Era Vargas até 1981. Em 1941 foi assinado um decreto oficial que proibia as mulheres de jogar futebol, porque não seria compatível com o corpo da mulher, que devia ser mãe. Se foi proibido é porque existia e incomodava, né?"
A proibição acabou com as ligas, com os clubes da época, tudo que era oficial ou profissionalizante deixou de existir. "Só que as mulheres nunca pararam de jogar futebol. O que aconteceu foi que o futebol feminino se espalhou pelo interior e pelas periferias, onde tinha menos fiscalização." O encanto de Bruna com esse esporte também passa por sua vida privada, já que sua namorada, Kin Saito, é diretora-executiva da Federação Paulista de Futebol Feminino.
"Eu fui para as duas últimas Copas do Mundo, na França e na Austrália", conta ela, que quase não se aguenta de emoção com o fato de que a próxima Copa do Mundo será no Brasil, em 2027. "Vai ser muito especial, tenho certeza. Quem tiver oportunidade de entrar no campo para ver essas mulheres jogarem vai ser impactado pelo resto da vida."
Pergunto se ela tem vontade de ter uma carreira internacional. "Acho que eu já tenho, de alguma maneira. Estive em festivais internacionais com filmes em que atuei nos últimos sete anos. Fui a Berlim, Roterdã, fui ao Sundance e esse ano fiz parte do Torino Film Lab, um dos laboratórios de roteiros mais importantes da Itália."
"Se aparecer uma oportunidade para atuar em outra língua, beleza, mas tem muita gente no Brasil com quem eu tenho vontade de trabalhar", diz a atriz. Por fim, conta que o que ela não quer perder, de jeito nenhum, é a oportunidade de encontrar as amigas paulistas e sair para dançar quando passa por São Paulo.
"São Paulo tem uma cena queer/sapatão eletrizante, principalmente no centro da cidade. São lugares de encontro, de flerte, de diversão. E eu adoro comer, beber, dançar. Dançar organiza muito a minha cabeça", afirma. Só não peça fotos com ela na madrugada.
"Às vezes são quatro da manhã, eu tô no meio da rua, feliz da vida, bebendo minha cachaça, meu uísque, e vem alguém pedir para tirar uma foto. Eu negocio com a pessoa, ‘não prefere um abraço? Ou cinco minutos de conversa?’ E assim vou seguindo minha vida, tentando sempre estabelecer diálogos."
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13. Arthur Moura: Mano Brown: a Dialética da Traição (Crítica aos Líderes)
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Técnica, criatividade e pesquisa fazem do Tuju melhor restaurante de SP
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14. JAPÃO 80 ANOS DEPOIS DAS BOMBAS: MILITARISMO E EXTREMA-DIREITA EM ASCENSÃO
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15. COMO ENCONTRAR E ASSISTIR FILMES RAROS E DIFÍCEIS DE ACHAR
https://rarefilmm.com - https://worldscinema.org
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16. Luis Fernando Verissimo é internado em UTI em hospital de Porto Alegre https://
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17. Laura Carvalho - Brasil tem estratégia de desenvolvimento? Opera Mundi
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18. Istragam
Como salvar o bebê CLT
Não falam, não andam, mas já são embaixadores de marcas
Tati Bernardi, fsp, 14/08/2025
Minha filha pediu que eu a filmasse dançando e colocasse no meu "istragam"- acho o nome bom demais para corrigi-la. Perguntei o que ela esperava com isso e ouvi o seguinte: "Que a minha professora Lili veja porque eu sei que ela te segue". Falei que mandaria o vídeo diretamente para a professora e ela topou.
Essa cena me lembrou a quantidade infinita de vezes em que entrevistei jovens atrizes e geradoras de conteúdos que defenderam a exposição publicitária de seus filhos pequenos nas redes sociais com a maior cara de sonsa consciente: "ele que pede porque adora aparecer, eu só estou respeitando a natureza do meu filho". Ou ainda: "mas toda publicidade que ele faz vai em parte pra poupancinha dele porque eu não estou explorando meu filho".
Será que o filho ou filha adora mesmo TRABALHAR pros milhões de seguidores desses pais ou só gostariam de ser vistos brincando dentro de um mundo amoroso e seguro (que não existe)? Quando entenderem que a vida real é cheia de pedófilos e a virtual infestada de deep fakes, o que vão sentir por terem a vida exposta por férias na neve e na Disney desde que eram fetos? Será que sabem que são peças importantes no sustento de um alicerce que deveria ser erguido apenas para protegê-los?
Como será o futuro dos bebês CLT? Não falam, não andam, mas já são embaixadores de marcas e já pagam o salário da própria babá que vai ficar com eles para os pais viajarem pra alguma rota imbecil de vinho ou pra algum resort idiota em Dubai (também com a grana que o filho pequeno ajudou a levantar). O que esse bebê, quando adulto (se Deus quiser com algum discernimento) vai sentir quando souber que o primeiro teste de gravidez já foi uma publi? Que todas as festas de mesversários foram infinitas publis? Que a primeira papinha foi...adivinhem? Publi. Que a vida toda dele é como um Truman Show publicitário?
Há alguns anos eu tenho horror de influenciadores e geradores de conteúdos que expõe publicitariamente seus filhos e a sua plena e salutar vida em família (e mesmo que um vídeo não tenha uma marca por trás é sempre no intuito de que os clientes apareçam que são exibidos diária e escancaradamente). Deixo bem claro para a equipe que trabalha comigo: não entrevisto mais bolsonaristas e nem pais de bebês CLT. Vez ou outra escapa uma dessas criaturas e é só ver a minha face as entrevistando.
Transformar rotina familiar em série de sucesso só funciona e fica de bom gosto se você for parente do Gilberto Gil. Quando pais largam seus empregos para se dedicar a filmar filhos pequenos abrindo recebidinhos o dia todo eu tenho vontade de pedir para alguma deputada do PSOL entrar com projeto de lei em defesa do bebê CLT (que nem CLT é, coitado, é só mais um uberizado por patrões ricos).
Tenho ainda mais ódio quando exibem a criança chorando, fazendo manha, caindo, sendo enganada. E asco quando o filho sai meio chapado de algum exame com anestesia e eles pensam "ah que ótimo! Uma criança drogada! Vai dar engajamento!".
São seres humanos, são seus filhos, são a coisa mais sagrada que vocês têm! Quer ganhar dinheiro de publi explorando criaturas pequenas escolha ser pai ou mãe de Pet. Eu não me incomodo em ver um bebê labrador fazendo sua mãe enriquecer com publis de rações orgânicas, ainda que eu espere, do fundo do meu coração, que esse cãozinho também tenha sua poupancinha pra fazer terapia quando se tornar um cão adolescente revoltado.
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19. Você pensa sobre legado?
Unicef Brasil lança websérie 'Legados que Transformam'
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira,fsp, 14/08/2025
Cynthia Araújo, Doutora em Direito, autora de 'A Vida Afinal: Conversas Difíceis Demais para se Ter em Voz Alta'
Quando se lembra que um dia a sua vida vai terminar, há algo que você gostaria de ter deixado no mundo? Para alguém ou alguma causa?
Muitas pessoas acreditam que deixar um legado é algo importante. Na mesa de que participei na última Flip com o filósofo Renato Noguera e o escritor Daniel Dornelas, com mediação da jornalista Tatiany Leite, falamos bastante sobre isso. Há quem queira deixar uma marca profissional. Há quem queira deixar escritos, conhecimento.
Já tive esse pensamento. Hoje, legado para mim é, acima de tudo, o material que minha filha vai ter para construir nossas memórias se eu faltar.
A gente sabe que a morte pode acontecer a qualquer momento. Mas costuma imaginar que ainda vai dar tempo de fazer um monte de coisas. Para sensibilizar sobre finitude, envelhecimento e legado, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil produziu a websérie "Legados que transformam", apresentada por Bete Marin. O programa terá a participação da antropóloga e colunista da Folha de São Paulo, Mirian Goldenberg, e de uma entusiasta do projeto,a cantora Adriana Calcanhotto.
"Vi um anúncio sobre o Legado Solidário Unicef e achei interessante pois não conhecia. Nem todo mundo pode doar, mas para quem pode, é importante saber que essa possibilidade existe." Adriana Calcanhotto
Quando a ideia de legado tem a ver com patrimônio financeiro, é natural que a gente pense que os bens que eventualmente acumularmos sejam destinados aos nossos filhos, familiares próximos ou pessoas muito queridas. Mas nem todo mundo tem vínculos afetivos tão profundos, especialmente ao fim da vida. Além disso, nossos valores e ideias sobre o que queremos fazer com o que construímos também podem ser diferentes, e isso acontece nas variadas classes sociais.
Caio Império Catelli, 81, decidiu deixar uma parte do seu patrimônio para o Unicef. Ele diz que os bens que juntou serviram a ele e sua família durante sua vida, e que lhe parece mais do que razoável que uma parte deles seja aplicada em iniciativas voltadas para crianças.
"Principalmente quem tem condições semelhantes a mim, espero que considerem o seguinte: se a gente viveu, educou e criou os filhos, se eles têm um patrimônio, eu acho que é bem possível que se doe uma parte dele. A gente não vai levar nada, o único bem que a gente leva é o que está dentro da gente". Para sua esposa, Masako Matsumura, "é muito importante que alguém que tenha alguma coisa a mais passe a dar para outras pessoas que não têm".
Sei que, mesmo para quem pensa na finitude com frequência, o assunto é visto à certa distância. Apenas 15% dos brasileiros têm seguro de vida, por exemplo, o que poderia ser justificado pela necessidade de atender demandas mais imediatas da vida: sobreviver e pagar contas. Mas, mesmo entre as classes A e B, o percentual é de menos de 30%.
Pensar na morte é tarefa difícil. Para Carolina Santos, coordenadora no Brasil do Programa de Heranças e Legados do Unicef, ter as informações necessárias sobre a destinação de eventual patrimônio material ajuda a dar tranquilidade, principalmente no processo de envelhecimento. Muitas pessoas querem a segurança de que será respeitada a sua vontade de direcionar parte do patrimônio herdado ou construído —ou mesmo um bem específico, como um carro — para um projeto que julga importante.
O programa que Carolina coordena para implementar o instituto chamado "testamento solidário" foi criado há seis anos no país, mas existe há muito tempo em outros lugares. Conforme informações da agência, "o Testamento Solidário Unicef é uma maneira de garantir que a sua solidariedade será estendida às futuras gerações, alcançando um mundo melhor para todas as crianças, suas famílias, sua comunidade e seu país". A prioridade dos programas é para os mais vulneráveis, especialmente afrodescendentes; indígenas; povos e comunidades tradicionais, quilombolas e ribeirinhos; com deficiências; e migrantes afetados por crises humanitárias e desastres ambientais.
Carolina lembra que o trabalho do Unicef, voltado para auxiliar governos na proteção da infância, da desnutrição, do desabastecimento de água, das violências, da evasão escolar e de diversas formas de vulnerabilidade social, depende integralmente das doações. "Há pessoas que doam R$ 15 por mês. Há empresas que doam valores altos. A viabilidade dos nossos projetos depende da soma de todas essas contribuições e cada uma conta".
A destinação em heranças ainda responde por uma parte pequena dessa soma no Brasil. Uma das razões é a nossa dificuldade de lidar com a concretude da morte. Mas também existe grande desconhecimento sobre as formas de destinar parte do patrimônio como legado para uma causa.
A websérie que estreia em 18 de agosto junta-se a outras campanhas de conscientização, promovendo reflexões sobre o fim da vida com informações práticas de especialistas sobre como realizar planejamento sucessório — ações que planejam a transferência de bens que acontecerá após a morte, para evitar conflitos futuros e garantir que a vontade do detentor do patrimônio seja cumprida —; e manifestações afetivas de quem entendeu o direcionamento de bens para iniciativas que podem impactar a vida de crianças como um legado importante. Os testadores podem escolher se querem que seus nomes sejam mantidos em anonimato, e existe um serviço interno de acompanhamento dos casos com atendimento personalizado para cada interessado.
Algumas informações da coordenadora do Programa de Heranças e Legados me chamaram a atenção: nunca houve questionamento de herdeiros sobre a destinação de parte do patrimônio para as ações do Unicef; o Unicef é isento do pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o que torna o testamento solidário uma forma mais eficiente de doação; e o Unicef pode ser incluído como beneficiário em eventual seguro de vida.
Os episódios de "Legados que Transformam" serão exibidos semanalmente. Ao final da websérie, em 15 de setembro, será realizado um webinar gratuito para tirar dúvidas sobre o tema.
Interessados em acessar todos os episódios já podem se inscrever aqui.
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20. Dostoiévski: adaptação animada
Crime e Castigo | Fiódor Dostoiévski
Crime e Castigo | Fiódor Dostoiévski - EP. 02
Noites Brancas | Fiódor Dostoiévski
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21. Cubanos no Mais Médicos
Cubanos ocupam hoje só 10% das vagas do Mais Médicos, programa alvo dos EUA
Carlos Madeiro, UOL, 14/08/2025
Os profissionais cubanos estão ocupando hoje apenas 10% das vagas do programa Mais Médicos, que ontem foi alvo de ataques do governo dos EUA com a suspensão de visto de autoridades brasileiras.
Segundo o painel de monitoramento do programa, são 26.414 profissionais ativos pelo país, sendo 2.659 deles cubanos. Esse percentual já foi superior a 60% na década passada.
Dos profissionais cubanos, nem todos são intercambistas: 1.064 deles são médicos que passaram pela prova do Revalida, ou seja, conseguiram o registro no CRM (Conselho Regional de Medicina) no Brasil. Os outros 1.593 são intercambistas e só vêm ao país para ocupar vagas não preenchidas por brasileiros —com diplomas do exterior revalidados ou não.
Onde estão os cubanos hoje:
883 no Sudeste
643 no Nordeste
640 no Sul
382 no Norte
111 no Centro-Oeste
O programa, segundo o Ministério da Saúde, está presente em 4,7 mil municípios do país. Os profissionais estrangeiros estão apenas na terceira escala de contratações:
Prioridade 1: médicos com CRM;
Prioridade 2: médicos brasileiros formados em outros países, mas sem revalidação de diploma;
Prioridade 3: médicos estrangeiros com cursos de formação em seus países.
Para o caso de médicos sem revalidação de diploma, é permitido apenas trabalhar em unidades básicas de saúde da rede pública e em municípios previamente indicados.
Países estrangeiros com mais profissionais no Mais Médicos:
Cuba - 2.659
Bolívia - 188
Venezuela - 82
Paraguai - 55
Peru - 42
Sobre o programa
O programa Mais Médicos foi lançado em junho de 2013 pela então presidente Dilma Rousseff com o objetivo de atender a municípios com dificuldade na contratação e fixação de profissionais.
Os primeiros cubanos chegaram ao Brasil em agosto de 2013, em uma parceria com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde). Eles vieram ocupar as vagas que eram rejeitadas por médicos brasileiros, especialmente em regiões de alta vulnerabilidade social, como o semiárido e a Amazônia.
O modelo do programa gerou duras críticas já que o pagamento aos profissionais (R$ 10 mil para cada um à época) era feito diretamente ao governo cubano, que transferia apenas parte aos médicos que atuavam no Brasil.
Em dezembro de 2014, o programa chegou a ter 11,2 mil cubanos atuando no país, o que representava 62% dos 18 mil que estavam espalhados pelo Brasil.
A vinda de cubanos foi interrompida em 2018 após Cuba se retirar do acordo após a eleição e os ataques ao país do então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
O presidente Lula, ao vencer em 2022, anunciou o interesse em trazer os cubanos de volta.
Em 27 de janeiro de 2023, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) determinou a recontratação de 1.789 médicos cubanos que haviam atuado no 20º ciclo do programa, ato que marcou o início efetivo do retorno dos médicos do país caribenho ao Brasil.
Em março de 2023, Lula e a então ministra da Saúde, Nísia Teixeira, lançaram o novo ciclo do programa, com foco voltado à contratação de brasileiros para atender às cidades mais vulneráveis. O novo programa também ampliou o direito aos médicos brasileiros.
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22. Adultização, Felca
Felca e a despolitização do debate sobre exploração infantil
Janja tinha razão, mas só com Felca a pauta das redes foi levada a sério
André Santana, UOL, 14/08/2025
O vídeo de 50 minutos publicado pelo influenciador e humorista Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, no YouTube, denunciando a exploração, adultização e sexualização de crianças e adolescentes na internet, provocou um efeito imediato.
Em apenas seis dias, a ONG SaferNet registrou um aumento de 114% nas denúncias de pornografia infantil nas redes sociais.
A dimensão do problema, com plataformas permitindo a circulação de conteúdos que violam frontalmente os direitos da infância, finalmente ganhou manchetes, mobilizou autoridades e chegou ao Congresso e à Justiça, que agora discutem responsabilizar empresas por omissão e impor medidas concretas de regulação.
Mas esta não é a primeira vez que o alerta foi feito. Meses antes, a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, trouxe o mesmo assunto ao debate público e foi duramente criticada.
Em novembro de 2024, Janja defendeu a regulação das plataformas, criticou a permissividade digital e chegou a xingar Elon Musk, dono do X (antigo Twitter). Exagerou no tom, é verdade, ao usar termos "pouco afetuosos" para se referir ao então auxiliar de Trump que nem mesmo o presidente norte-americano conseguiu aturar.
O que veio depois foi um festival de ataques: Janja foi acusada de "sair do seu lugar" e de "atrapalhar" a liturgia do papel de primeira-dama, que para muitos deveria ser decorativo e silencioso.
Em maio deste ano, durante visita oficial à China, ela pediu a palavra diante de Xi Jinping para falar dos riscos do TikTok, rede social chinesa. A reação? Novamente, comentários depreciativos, insinuações de vaidade e questionamentos sobre "intromissão" em assuntos de Estado.
Integrantes da própria comitiva presidencial, formada por ministros e alto escalão do governo, vazaram à imprensa o descontentamento com a iniciativa, alimentando jornalistas sempre prontos a desqualificar Janja e, por tabela, a gestão Lula.
No auge da polêmica, a primeira-dama da França, Brigitte Macron, gravou um vídeo dirigido ao povo brasileiro em apoio à campanha de Janja contra a violência online que vitima crianças e adolescentes. Pouca gente deu destaque. Afinal, rende mais cliques a imagem de um desentendimento do casal Macron na escada de um avião do que a série de medidas adotadas na França para educar jovens e protegê-los das ameaças digitais, apresentadas por Brigitte no vídeo.
O contraste é gritante. Quando o alerta veio de um influenciador de 27 anos, com milhões de seguidores, a comoção foi quase generalizada, atraindo esquerda e direita para a mesma pauta.
Quando partiu de uma mulher, que busca ocupar espaço ao lado do presidente, o debate se dissolveu em ataques pessoais e tentativas de deslegitimar a pauta. Entrou em ação a velha máxima machista que insiste em ensinar às mulheres o seu "lugar": falar apenas do que não incomoda, sem desafiar interesses econômicos e políticos dos que lucram com a erosão dos direitos de crianças e adolescentes.
O mérito de Felca é inegável. Foi corajoso ao reunir críticas diretas à ausência de moderação nas plataformas e à dinâmica de circulação que amplia a visibilidade desse tipo de conteúdo danoso. O vídeo já ultrapassou 37 milhões de visualizações. Esse alcance ajudou a furar bolhas e pressionar autoridades por respostas urgentes.
Mas é impossível ignorar que o tema só ganhou esse fôlego midiático quando se encaixou no formato certo: a denúncia de um homem carismático, fora da política institucional, com capital de simpatia nas redes.
A seletividade da escuta também revela muito sobre como decidimos o que vale ser levado a sério e por quem.
Só com regras claras e responsabilização das big techs será possível construir um ambiente digital mais saudável, menos violento com grupos historicamente atacados e menos vulnerável à manipulação eleitoral e à destruição das ferramentas de participação social.
Enquanto não houver regulação que cobre das plataformas responsabilidade pelos conteúdos que hospedam, nossas crianças continuarão expostas a um esgoto digital onde pedófilos e oportunistas sem escrúpulos lucram com a sexualização de menores.
Se há algo que essa história comprova é que Janja estava certa desde o início. O erro foi esperar que ela pedisse licença aos homens para falar.
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23 A Melhor Mãe do Mundo' rompe ciclo de violência com força e afeto.
24. Petra Costa : Apocalipse nos Trópicos - Programa 20 Minutos
CALMA URGENTE - Especial com Wesley Teixeira - Cristãos progressistas e os desafios do Estado laico
CALMA URGENTE! - Especial com Raimundo Barreto - Entre Teologias, Teorias e Domínio
Território Negro
CALMA URGENTE! - Ideologia de Gene. O Revival Pop da Eugenia
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25. A catedral orgânica
Como o brasileiro pode amar a floresta e protegê-la se não é educado para entendê-la como central para o mundo?
Ruy Castro, fsp, 10/08/2025
"O Brazil não conhece o Brasil/ O Brasil nunca foi ao Brazil// O Brazil não merece o Brasil/ O Brazil tá matando o Brasil// Do Brasil, SOS ao Brazil/ Do Brasil, SOS ao Brazil". São versos de Mauricio Tapajós e Aldir Blanc em "Querelas do Brasil", que Elis Regina lançou em 1978 e, hoje, quase 50 anos depois, às vésperas da COP30, soam com assombrosa atualidade.
Querelas do Brasil, Elis Regina, Aldir Blanc / Maurício Tapajós
Reencontrei esse alerta na entrevista do cineasta João Moreira Salles e da ativista indígena e colunista da Folha Txai Suruí a Rosiska Darcy de Oliveira no último número da indispensável Revista Brasileira, publicada pela Academia Brasileira de Letras e dirigida por Rosiska.
"O Brasil está historicamente de costas para a Amazônia", disse Moreira Salles. "As maiores florestas tropicais do mundo estão no nosso país e não desenvolvemos uma imaginação florestal. Os EUA viveram no século 19 um processo semelhante ao nosso, em violência e dizimação dos povos originários – nós, para o norte, e eles, para o oeste. Só que, lá, os colonizadores foram colonizados pela paisagem e construíram representações simbólicas daquilo. Os faroestes sacralizaram a paisagem. Aqui pode-se destruir a Amazônia sem que isso soe como heresia".
"A floresta é um legado de 12 mil anos de coprodução entre indígenas, micro-organismos, fungos, animais etc., que dão fertilidade ao solo", continua. "Ela não existiria se não fosse isso. Quando a catedral de Notre Dame pegou fogo, todos nós choramos, porque ela nos constitui como civilização. A floresta é igual, é uma catedral orgânica. Por que isso não é ensinado nas escolas? Como o brasileiro pode amar a floresta e protegê-la se não é educado para entender a sua importância como reguladora do clima no mundo?"
"Vai ter a COP30 e quem são as pessoas que vão estar lá decidindo sobre as coisas? Indígenas? Negras?", pergunta Txai. "Ou as mesmas pessoas, as grandes empresas que lucram com o que está acontecendo dentro do nosso território falando de seus projetos sustentáveis?". Pense nisso.
Ramal do Rancho Queimada em área de floresta ao longo do ramal do Rancho, na região de planalto entre Santarém e Uruará, no Pará - Lalo de Almeida - 19.nov.24/Folhapress
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"Querelas do Brasil"
A nação desconhece a si mesma, desperdiça potencialidades, nega oportunidades
Ana Cristina Rosa, fsp, 30.jul.2023
Quando tenho a oportunidade de viajar pelo país sou tomada por um mix de orgulho, deslumbramento, felicidade e indignação. Orgulho de fazer parte deste povo tão diverso, criativo e generoso —apesar de tudo. Deslumbramento pelas incontáveis belezas naturais e pela riqueza cultural de todas as regiões. Felicidade pelo privilégio de poder conhecer um pouco da minha pátria. A indignação é com o quanto a nação desconhece a si mesma, desperdiça potencialidades, nega oportunidades, fomenta a miséria, maltrata seu povo.
Às margens do "Velho Chico", como é carinhosamente chamado o São Francisco, um dos mais importantes rios do Brasil, me vi tomada por esses sentimentos ao conversar com dois jovens negros. Além da pele preta e da idade, 20 anos, ambos têm em comum o abandono dos estudos antes do ingresso no ensino médio para trabalhar na prestação de serviços e a carência de perspectiva de futuro.
Pescadores passam perto da Gruta do Talhado, que fica no Rio São Francisco, próximo a cidade de Canindé do São Francisco, em Sergipe - Leonardo Wen - 19.maio.07/Folhapress
Um deles singra pelo rio carregando turistas por entre os Cânions do Xingó, em Canindé do São Francisco (SE). Há três anos é canoeiro. Começou na atividade depois de tentar a vida em SP. "Não queria repetir a sina dos homens da minha família", conta. Até aqui, não deu certo. Por falta de orientação, acabou trocando a educação pelos remos.
O outro trabalha como garçom no Mirante Secular da cidade histórica de Piranhas (AL). Sabe dar informações precisas sobre as rotas turísticas. Na teoria, conhece bem as cercanias da localidade visitada por dom Pedro 2º, em 1859. Mas nunca pisou na Trilha de Lampião e tampouco esteve nos cânions. "Um dia eu vou", diz.
Às margens do maior rio totalmente brasileiro, ambos dão vida a estatísticas sobre desigualdades socioeconômicas relacionadas à questão racial vigentes não há anos, nem décadas, mas há séculos. Fez lembrar a música "Querelas do Brasil", de Aldir Blanc e Mauricio Tapajós: "(...)O Brasil nunca foi ao Brazil(...)/O Brazil não merece o Brasil(...)/Do Brasil, s.o.s ao Brasil.
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Rio São Francisco, ainda jovem e limpo, recebe quem vai à Serra da Canastra
Bioma com savanas e florestas guarda, além de belas paisagens, a nascente histórica do Velho Chico
Roberto de Oliveira, fsp, 28.jun.2023
Início do rio São Francisco na Serra da Canastra, em Minas Gerais Roberto de Oliveira/Arquivo pessoal
Da sacada do bangalô da pousada, é possível avistar a cinco metros de distância cardumes a deslizar por águas límpidas e transparentes de um pequeno córrego de cor esverdeada. É o rio São Francisco, ainda jovem Chico, nascido nas alturas da Serra da Canastra, a cerca de 40 km dali.
Estamos em Vargem Bonita, acolhedora cidade mineira, uma das primeiras a ser abraçada pelo São Francisco. Ao longo de sua jornada de 2.800 quilômetros, o rio atravessará cerca de 500 cidades em cinco estados brasileiros antes de encontrar as águas salgadas do oceano Atlântico, dividindo as fronteiras de Sergipe e Alagoas.
Fauna e flora na Serra da Canastra
Chamado de "rio da integração nacional", o São Francisco desperta devoção tanto nas Minas Gerais quanto no Nordeste, região que o consagrou como o carinhoso apelido de Velho Chico.
Para que o rio pudesse ficar limpinho daquele jeito em Vargem Bonita, o município antes precisou se libertar do domínio do garimpo, dominante por aquelas terras nos anos 1930.
Bruno Vilela Goulart, 36, é o proprietário da Pousada Vale dos Diamantes, situada às margens do jovem Chico. Seu pai, uma presença constante na estalagem, desde a chegada do último hóspede, à noite, até o preparo do delicioso queijo da Canastra, servido no café da manhã, já foi garimpeiro.
O tio de Goulart também exerceu o ofício assim como o avô dele, que chegou a garimpar, mas logo se deslocou para o comércio, florescido na região junto à descoberta de diamantes.
Afinal, rememora o empresário, a cidade chegou a abrigar 30 mil pessoas em torno da exploração de pedras. Naquela época, era comum forasteiros carregarem os seus pertences dentro de maletas de couro, chamadas de canastra, nome dado à serra justamente devido a esse formato.
Serra da Canastra
Quando o garimpo foi proibido, Vargem Bonita apelou para a agropecuária, ainda presente. Por ora, vive a expectativa de ver brotar o turismo como fonte econômica e de preservação da natureza. O jovem Chico, que hoje vemos correr por ali, só ficou limpo, de fato, a partir de 1995.
Atualmente com pouco mais de 2.000 habitantes, a cidade já tem uma modesta oferta hoteleira. Carece, sobretudo, de opções gastronômicas. A vantagem é que ela oferece acesso a duas das quatro portas de entradas do Parque Nacional da Serra da Canastra, sendo que a principal delas leva até a cachoeira Casca D’Anta, com 186 metros de altura, a estrela do lugar.
Partindo de Vargem Bonita, passamos por queijarias do famoso queijo Canastra, produzido há mais de 200 anos naquele território de chão batido, até a chegada à portaria 4 do parque.
São 22 km por uma estrada de terra, transitável inclusive por veículos comuns, sem tração nas quatro rodas, para atingir a entrada do parque que dá acesso à parte baixa da cachoeira. A partir dali, o percurso deve ser feito a pé. São cerca de 20 minutos de caminhada por uma trilha leve, inclusive para as crianças.
Trajeto do Rio São Francisco
Cabe aos pais atenção especial nos trechos com pedras. Geralmente, esses são escorregadios, mesmo em dias de sol quente de inverno, po r causa de respingos d’água levados ao sabor do vento.
A outra portaria, a de número 1, fica mais próxima à cidade vizinha, São Roque de Minas. Leva ao poço em que brota a nascente histórica do rio São Francisco e à parte alta da cachoeira Casca d’Anta, em percursos de 12 km e 34 km, respectivamente, calcula o guia Patric Oliveira, 32, da Canastra Extremo.
Parque Nacional Serra da Canastra
Vale notar que existe uma portaria do parque em Sacramento, e uma área de visitação controlada pelo ICMBio, em Delfinópolis. Capitólio e São João Batista do Glória, outras cidades mineiras, também possuem parte de seus municípios inseridos nos limites do parque nacional, mas elas ainda não detêm espaços de visitação controlados pelo instituto, apenas particulares.
Com uma área de aproximadamente 2.000 quilômetros quadrados (área maior que a cidade de São Paulo), o parque situa-se no frágil e degradado bioma do cerrado. Nele, é possível observar diferentes tipos de formação como savanas, campos e florestas.
O Parque Nacional da Serra da Canastra abrange as bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Grande e Paranaíba, além de ser um refúgio para animais ameaçados de extinção, como é o caso do lobo-guará, do tamanduá-bandeira e do pato-mergulhão.
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26. Arlindo Cruz
Família de Arlindo Cruz convida fãs para velório e pede homenagem com roupas claras
Despedida acontecerá na quadra do Império Serrano, espaço marcante na vida do sambista
Adrielly Souza, fsp, 09/08/2025
O sambista Arlindo Cruz, em foto de 2014 - Divulgação
A despedida de Arlindo Cruz, que faleceu aos 66 anos em decorrência de complicações de um AVC sofrido em 2017, será aberto ao público e fãs foram convidados para participarem. Mais do que isso, a família do artista fez um pedido para que todos compareçam vestindo roupas claras, em sinal de luz, alegria e da energia positiva que o músico espalhou ao longo de sua vida.
O velório será realizado neste sábado (9), a partir das 18h, na quadra do Império Serrano, em Madureira — espaço que não apenas foi palco de momentos inesquecíveis na carreira de Arlindo, mas também parte de sua história. No dia seguinte, domingo (10), o corpo será sepultado às 11h no Cemitério Jardim da Saudade.
Imagens do cantor Arlindinho Cruz
Em nota, a família agradeceu as inúmeras mensagens recebidas desde o anúncio da morte e reforçou a importância do gesto coletivo no dia da despedida: "É muito significativo todo o carinho e mensagens que estamos recebendo."
A expectativa é que amigos, artistas e fãs se reúnam para prestar a última homenagem ao cantor e compositor, relembrando sua trajetória marcada por letras que exaltaram a cultura, a fé e o cotidiano do povo brasileiro.
Arlindo Cruz webstories
Músicas
O show tem que continuar
Meu Lugar
Samba de Arerê
O bem
Agora viu que perdeu e chora
Camarão que dorme a onda leva
A pureza da flor
Será que é amor?
Bagaço da laranja
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27. ‘O Leopardo?’ Não. ‘Il Gattopardo’. Os críticos de cinema dos anos 1960, deliciosamente esnobes, só tratavam os filmes pelos títulos originais
Ruy Castro, fsp, 09/08/2025
Em coluna recente sobre cinema, ousei afirmar que, em alguns casos, o título brasileiro dado a um filme estrangeiro era melhor que o original. E citei como exemplos "Matar ou Morrer" (1951), muito melhor que "High Noon", e "Os Brutos Também Amam" (1953), disparado mais atraente do que "Shane", que era apenas o nome do herói. Mas isto é o que penso hoje. No passado, influenciado por meus amigos críticos de cinema aqui no Rio — Antonio Moniz Vianna, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Sergio Augusto, Paulo Perdigão, Ely Azeredo, José Lino Grünewald —, só me referia aos filmes por seus títulos de origem. Com isso, "Shane" era "Shane" mesmo e "High Noon", "High Noon".
Era um delicioso esnobismo da parte deles, condizente com as grandes críticas que publicavam em seus jornais —posso garantir que, em conhecimento e visão do cinema, os críticos brasileiros dos anos 1960 não deviam nada a ninguém no Cahiers du Cinéma. E dá-lhe de se referirem aos hitchcockianos "Psicose" (1960) como "Psycho" [pronunciado "Sái-cou"] e a "Os Pássaros" (1963) como "The Birds".
Até aí, tudo bem. Mas era assim também com os filmes franceses. "Acossado" (1959), de Jean-Luc Godard, era, naturalmente, "À Bout de Soufle". "Uma Mulher Para Dois" (1961), de François Truffaut, "Jules et Jim". E "O Ano Passado em Marienbad" (1961), de Alain Resnais, "L’Année Dernière à Marienbad". Com os italianos, nem se fala. "A Doce Vida" (1960), de Fellini, era "La Dolce Vita". "A Noite" (1961), de Antonioni, "La Notte". E "O Leopardo" (1963), de Visconti, "Il Gattopardo".
Nem o sueco Ingmar Bergman nos assustava: "Morangos Silvestres" (1957) era "Smultronstället". Ou o polonês Andrzej Wajda, pronunciado "Ândiei Váida": "Cinzas e Diamantes" (1958) era "Popiol i Diament" — estrelado, claro, por Zbigniew Cybulski (Ij-bíguinièv Chibúlski).
O problema às vezes era o japonês Kurosawa. "Rashomon" (1950) era tranquilo: "Rashomon". Mas "O Homem Mau Dorme Bem" (1960) assustava os neófitos: "Warui Yatsu Hodo Yoko Nemuru".
Cartões postais de filmes clássicos dos cinemas americano, francês e italiano - Heloisa Seixas
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28. Rio Amazonas
Rio Amazonas
O Rio Amazonas nasce na Cordilheira dos Andes, no Peru, e percorre cerca de 6.992 km até sua foz na Ilha de Marajó, no Pará.
Sua nascente fica a mais de 5.300 metros de altitude, em um terreno bem inóspito.
É o rio mais caudaloso do mundo, com uma vazão média de cerca de 210.000 m³/s.
Sua bacia hidrográfica cobre aproximadamente 7 milhões de km², sendo a maior do planeta.
O rio atravessa Peru, Colômbia e Brasil, e ainda abastece partes de Bolívia, Venezuela, Guianas e Equador.
Tem mais de 1.100 afluentes, como os rios Negro, Madeira, Tapajós e Purus.
Ao entrar no Brasil, é chamado de Solimões, e passa a se chamar Amazonas após se encontrar com o Rio Negro, em Manaus.
Sua foz combina delta e estuário, espalhando água doce por quilômetros mar adentro.
O rio pode chegar a 300 km de largura na foz, e até 50 km perto de Manaus durante as cheias.
Sua profundidade média é de 50 metros, podendo chegar a 120 metros em alguns trechos.
Mais Geografia aqui
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29. SUS
'Tomei vacina em 10 minutos': estrangeiros vão às redes para elogiar o SUS
Rafaela Polo, VivaBem, 05/08/2025
https://youtu.be/WTd7IJ7gCig
https://youtu.be/81E77inMGfw
"Proteja o SUS. Gostoso demais." Na pandemia, as redes sociais foram inundadas por imagens que defendiam o Sistema Único de Saúde. Agora, é a vez de os estrangeiros que estão no país elogiarem o atendimento médico daqui.
Recentemente, o correspondente do jornal americano "The Washington Post" Terrence McCoy, viralizou contando sobre a agilidade com que foi atendido em Paraty —sem pagar nada— após sofrer um acidente fechando o porta-malas de seu carro.
'Nem sabia que era de graça'
Ele não é o único. O TikTok está inundado de uma trend de estrangeiros elogiando os atendimentos que receberam de forma gratuita em hospitais públicos. Eles reconhecem os enormes desafios do SUS, mas também destacam as vantagens.
Su Temitope é nigeriana e está no Brasil há cinco anos. Ela gravou um vídeo destacando que uma das coisas que ama no país é o atendimento que recebe na UBS (Unidade Básica de Saúde).
"Na Nigéria, até os hospitais públicos são pagos. É como ir a um particular aqui no Brasil", disse a VivaBem. "A primeira vez que fui ao SUS foi para fazer minha carteirinha de atendimento. Foi muito rápido. E eu nem sabia que era de graça. Queria garantir que conseguiria ser atendida quando precisasse", explicou Temitope.
Doente, foi à UBS certa vez. Estava cheio, mas o atendimento funcionou. "Peguei minha senha e algumas pessoas preferenciais passaram na minha frente, o que é normal. Na triagem, como meu caso não era grave, fui sinalizada com uma pulseira verde", conta.
Su Temitope reconhece os problemas, mas vê o atendimento do SUS como uma conquista dos brasileiros Imagem: Reprodução/Instagram
Ao fim da consulta, o médico deu uma receita e Temitope pôde pegar os medicamentos na farmácia popular. "Não pagar nada foi muito chocante para mim --nem a consulta e nem os remédios. Sei que é pago com impostos, mas é legal saber que posso correr para o SUS. Pode demorar, sim, dependendo de onde você está. Mas eles vão te atender. Ver que pessoas que não têm dinheiro podem conseguir tratamento, diferentemente da Nigéria, me deixa feliz." Su Temitope
Atendimentos aos milhões
De acordo com dados do Ministério da Saúde, de janeiro de 2022 a dezembro de 2023, 520.188 estrangeiros foram atendidos nos cuidados primários à saúde. Em 2024, 337.187 deles passaram pelo SUS e, em 2025, os números já somam 256.946.
Em atendimentos especializados, a contagem segue alta: foram 3.087.075 atendimentos entre 2022 e maio de 2025. A atenção hospitalar para estrangeiros, no mesmo período, foi de 150.180. O governo gastou com estrangeiros, em três anos, R$ 486.530.713.
Isso acontece porque o SUS tem como regra atender todas as pessoas que estão em território brasileiro, o que inclui de turistas a visitantes temporários, independentemente de origem e status migratório.
Segundo comunicado enviado à reportagem, "os acolhimentos e atendimentos devem ocorrer sem exigir documentação específica que possa impedir ou colocar barreiras no acesso".
Uma 'picadinha' em qualquer lugar do país
Nick Whincup é da Inglaterra, o berço da NHS (National Health Service, ou Serviço Nacional de Saúde) —a inspiração por trás da criação do SUS. Ele mora no Brasil há seis anos e, como tem plano de saúde, a primeira vez que precisou usar o SUS foi após ser mordido por um cachorro de rua no Rio de Janeiro. "O animal estava deitado embaixo de um banco em que sentei. Não vi e acabei pisando no rabo dele. Mesmo de calça, minha perna sangrou. Cheguei ao hospital e me falaram que eu precisaria procurar uma UBS para a vacina", conta a VivaBem.
Na saída do atendimento, ele gravou um vídeo impressionado com a forma como foi atendido. "Não conseguia acreditar no quanto meu atendimento foi rápido. Como era para vacinação, a fila estava pequena, me atenderam em no máximo 10 minutos. A médica foi simpática e ainda falava inglês bem", conta Whincup.
Ele precisaria de quatro doses de vacina antirrábica. Foi instruído sobre os intervalos, recebeu um comprovante e ouviu que poderia receber a "picadinha" em qualquer lugar do país —uma das preocupações era por ter uma viagem marcada para Salvador. Seu registro rendeu elogios à equipe de atendimento. Após o vídeo viralizar, um representante do Ministério da Saúde entrou em contato com ele, agradecendo o elogio. E também falou com a Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro, que repassou o reconhecimento para as atendentes do dia.
Ter à disposição uma vacina contra a raiva parece banal, mas, recentemente, uma brasileira narrou a saga para conseguir as doses do imunizante após ser mordida por um macaco na Tailândia. Ela chegou a gastar R$ 4.200 no país asiático para tomar vacinas. E mais uma quantia no Japão, para onde seguiu viagem. Acabou retornando ao Brasil porque teve uma reação alérgica e não conseguia atendimento no Japão.
Nick Whincup ficou impressionado com seu atendimento para vacina no SUS Imagem: Reprodução/Instagram
Nem tudo são flores
Para Temitope, que não tem atendimento médico gratuito em seu país, é chocante ouvir um brasileiro reclamar do SUS, mesmo com as limitações do sistema de saúde.
Su Temitope é da Nigéria, onde não há saúde pública Imagem: Reprodução/Instagram
"Quando as pessoas já estão acostumadas com o que têm, vão querer algo melhor. Como vim de um lugar sem nenhum acesso, acho uma maravilha. Vejo pessoas se irritando, brigando com enfermeiras, mas prefiro ficar calada, porque acho incrível ter um hospital para ir", disse.
"Em muitos países, as pessoas vão nascer e morrer sem conhecer as delícias do atendimento público de saúde." Su Temitope
Para Whincup, que vem de um país onde a oferta — e os problemas — também existem, a percepção é outra. "Saí do país há 15 anos e sempre houve reclamações. Hoje sei que o número de reclamações contra o NHS aumentou", conta.
Ele usa como exemplo tratamentos contra o câncer. Em casos graves, em que o paciente precisa ter uma consulta entre três e seis meses, o NHS pode demorar mais tempo do que isso. Problemas parecidos também afetam o SUS.
O tempo de espera é, na opinião de médicos ligados à criação do SUS no Brasil, um dos principais gargalos, sobretudo no atendimento secundário (acesso a especialistas, por exemplo, cardiologista) e terciário (hospitais de grande porte, acesso a cirurgias, por exemplo).
Uma pesquisa com 1.500 brasileiros, em 2024, mostrou que brasileiros da classe C são impactados pela longa espera no SUS. 60% afirmam que o tempo de espera para consultas com especialistas é muito longo. A mesma reclamação vale para exames (56%) e consulta com clínicos gerais (46%).
No mesmo levantamento, feito pelo Instituto Locomotiva, 94% concordam que reduzir o tempo de espera para consultas e exames deveria ser uma prioridade.
"Só usei o SUS uma vez, para vacina, então só posso falar da minha experiência, que foi ótima. Não uso o NHS há anos, mas acredito que as pessoas do Reino Unido têm um bom atendimento de saúde gratuito, só não é perfeito." Nick Whincup
Whincup diz ter orgulho do NHS, mas, assim como os brasileiros, gostaria que o serviço melhorasse.
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30. Alice
'Não tenho medo': ela joga entre meninos no Flu e fez até gol em decisão
Alexandre Araújo, UOL, 03/08/2025
Alice, que atua no time masculino do Fluminense, começou na Portuguesa-RJ Imagem: Arquivo pessoal
"Uh, vem que tem, é os 'moleque' de Xerém". O canto que se tornou tradicional nos títulos do Fluminense nas categorias de base poderia ter uma adaptação na celebração na IberCup. No sub-11, Alice Duarte conquistou espaço entre os "moleques" e, inclusive, fez gol na decisão — com o número 14 às costas, o mesmo de Germán Cano, só faltou "fazer o A".
Alice foi a primeira menina na história do Fluminense a ser aprovada para atuar com o time masculino. O gosto pelo futebol começou ainda aos 4 anos e os primeiros passos foram em uma escolinha próximo de onde mora. Posteriormente, se federou na Portuguesa-RJ. Passou ainda pelo Barra Futsal antes de chegar ao Tricolor, para o sub-9 — no clube das Laranjeiras, migrou para o campo.
"Eu comecei a brincar de bola em casa e, depois, fui treinar. E estou aqui hoje. Eu me sinto bem jogando, não me sinto com medo. Eu disputo e vou para cima", conta ela, com certa timidez.
Hada e Rômulo, pais da Alice, lembram que, desde o início da trajetória da jovem no futebol, ela teve de quebrar barreiras.
Alice, que atua no time masculino do Fluminense, começou na Portuguesa-RJ
Alice, em ação pelo sub-11 do Fluminense Imagem: Divulgação/IberCup
"Quando fomos procurar clubes para ela, encontramos essa dificuldade. Primeiramente, por ela ser muito nova e, depois, muitos locais não tinham time feminino. Então, desde sempre ela acabou jogando entre os meninos", conta Hada.
"Muito de vez em quando acontecem algumas partidas de times femininos, mas ela sempre jogou no time masculino. E se tiver de escolher, até prefere jogar entre os meninos pela competitividade", completa Rômulo.
A jovem tem como inspiração no esporte Marta e Tamires, além de Cristiano Ronaldo. No campo, Alice atua como volante, enquanto no futsal é ala-esquerda — questionada, não esconde preferir o campo. "Eu imagino um futuro muito bom no futebol e espero poder defender a seleção brasileira", aponta ela.
A pequena jogadora tem o apoio familiar na empreitada. Figuras carimbadas nos jogos, Hada e Rômulo vão com camisas personalizadas — com o nome de Alice às costas —, levam cartazes e se juntam a uma animada torcida tricolor.
Hada e Rômulo, pai da Alice, acompanham um duelo do Fluminense sub-11 Imagem: Alexandre Araújo / UOL
"Sempre apoiamos ela, até por termos jogado bola na juventude. Gostamos e sabemos um pouco como é. Mas, em casa, ela tem todo apoio, além do Fluminense e dos companheiros de time, que abraçam a Alice e gostam de jogar com ela"
Rômulo conta que, apesar do tabu, até o momento, não presenciou atos preconceituosos. "Ainda não esbarramos em um caso mais forte. Já ouvimos uma coisinha aqui ou ali na arquibancada, mas nada que tenha sido muito forte. O futebol ainda tem uma cultura masculina muito enraizada, mas vamos seguindo em frente".
Apesar disso, Hada ressalta que a família conversa com Alice sobre o que ela ainda pode enfrentar na trilha para se manter no futebol. A mãe lembra ainda que a jovem influenciou outras meninas a praticarem futebol e até rebeceu pedidos de fotos durante a IberCup.
Hada e Romulo, pais de Alice, que joga no sub-11 masculino do Fluminense Imagem: Alexandre Araújo / UOL
"Tem meninas da escola que passaram a jogar bola por causa dela. Os colegas incentivam, as amigas postam felizes da vida por ter uma amiga que joga no Fluminense. Aqui mesmo, na competição, algumas meninas vieram tirar foto com ela".
O extracampo também faz a jogadora ter de romper um obstáculo. "A Alice é tímida. Dentro de campo, ela se solta, mas fora dele, é tímida. Mas todo mundo chega com muito carinho para falar com ela".
Alice chegou ao Fluminense ainda no futsal e, hoje, também atua no campo Imagem: Arquivo pessoal
O Fluminense foi campeão do sub-11 da IberCup com uma goleada por por 6 a 0 sobre o WB Soccer. Marcos Santana, técnico do time, fez elogios à pupila:
"O diferencial dela acho que é o técnico e o cognitivo. É uma menina que já vem no processo de treinos e competição desde os sete anos. Aqui no Fluminense, ela chegou no futsal e, depois, fez a transição para o campo. Hoje, está nos dois, O cognitivido dela é muito alto e, somado à técnica, contribuiu a jogar no meio dos meninos".
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31. Carmen Miranda
A primeira a cantar em brasileiro. Carmen Miranda abriu o caminho para Dircinha, Emilinha, Marlene, Elza, Elis, Gal, Rita, Ivete e Anitta
Ruy Castro, fsp, 02/08/2025
Quando Carmen Miranda, no dia 27 de janeiro de 1930 — a dias de fazer 21 anos —, gravou a marchinha "Pra Você Gostar de Mim" ("Taí"), de Joubert de Carvalho, não havia nenhuma cantora como ela no Brasil. As poucas então no mercado, como Elisa Coelho, Zaira Cavalcanti e Aracy Côrtes, eram boas, mas tinham voz clássica, de opereta, típica da Europa. Por nunca ter tido uma aula de canto, Carmen cantou com naturalidade, quase como falava. Intuitivamente, foi a primeira a cantar "em brasileiro".
Carmen Miranda-Pra Você Gostar de Mim
As lojas de eletrodomésticos instalavam gramofones na porta, com as cornetas para a rua. Quem passasse pela calçada não tinha como não escutar. É inevitável que, ao ouvir Carmen, as pessoas pensassem: "É assim que nós cantamos. É assim que nós somos". Pelos anos seguintes até 1940, Carmen enfatizou mais ainda o jeito coloquial e moleque de cantar, "de bossa" (não confundir com a bossa nova). Basta conferir em "Querido Adão", Fon-Fon", "Eu Dei...", "...E o Mundo Não se Acabou", "Paris", "Uva de Caminhão", "Recenseamento" e tantos outros sambas e marchinhas. Estão todos na internet.
Carmen Miranda - Querido Adão - Alô! Alô! Carnaval (1936)
FON FON ...... Samba .... Carmen Miranda e ...Silvio Caldas..... 1937
Eu Dei...
... E O Mundo Não Se Acabou
Carmen Miranda - Paris 1938
Uva de caminhão - Carmen Miranda (HQ)
Recenseamento [Remasterizado em som novo] (letra) | CARMEN MIRANDA 1940
Se os cantores eram românticos ou "de bossa", Carmen foi a pioneira dessa última categoria. Foi ela quem abriu o caminho para as irmãs Dircinha e Linda Baptista, Isaurinha Garcia, Emilinha Borba, Marlene, Elizeth Cardoso, Elza Soares, Elis Regina, Gal Costa, Beth Carvalho, Rita Lee, Ivete Sangalo e, claro, Anitta.
Por causa de Carmen, recordista de vendas de discos da Victor e da Odeon, as pessoas compravam vitrolas. Para ouvi-la na Rádio Mayrink Veiga, de que ela era a maior estrela, compravam aparelhos de rádio. Foi Carmen quem levou os cassinos brasileiros, da Urca e do Copacabana Palace, a contratar cantoras nacionais –até então só queriam saber de argentinas e francesas de segunda. Foi Carmen quem levou o samba para fora do Brasil, com suas nove temporadas em Buenos Aires nos anos 1930 e, depois, para os EUA.
Aos 70 anos de sua morte nesta terça-feira (5), nunca pagamos o que lhe devemos.
Álbum de discos em 78 r.p.m. dos anos 1940 e LP com gravações de Carmen Miranda - Heloisa Seixas/Folhapress
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32. Documentário revisita carreira e legado de Sergio Leone, que mudou o faroeste
Filme na Festa do Cinema Italiano tem entrevistas com os cineastas Martin Scorsese, Quentin Tarantino e Clint Eastwood
Mario Sergio Conti, fsp, 01/08/2025
Clint Eastwood era um zero à esquerda em 1964. Fora figurante em filmes B tipo "Helena de Troia" e "Quo Vadis?". Fazia um caubói de segunda num seriado de terceira, "Rawhide". Com 34 anos, passara da idade para ser galã. Os americanos chamam gente assim de "loser".
O italiano Sergio Leone estava na mesma vala. Com pseudônimo, dirigira filmes C em que marmanjos de saiote trocavam sopapos greco-romanos, "Os Últimos Dias de Pompeia" e "O Colosso de Rodes". Sabia o que queria, e o que queria era esdrúxulo: fazer faroestes.
Conseguiu um dinheiro e foi atrás de um ator ianque. Buscava um gajo alto, esguio, de olhos claros; Henry Fonda, James Coburn ou Charles Bronson. O agente do primeiro nem lhe passou o roteiro. O segundo pediu um cachê maior que o orçamento do filme. O terceiro achou o roteiro um lixo.
Um amigo sugeriu que assistisse a "Rawhide". Leone viu um único episódio e convidou Clint Eastwood a ser o astro de "Um Punhado de Dólares". O resto é história: o "loser" virou estrela de primeira grandeza. Vinte anos depois, num depoimento ao American Film Institute, o italiano explicou com uma parábola que diabo enxergara no desconhecido.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 2 de agosto de 2025 - Bruna Barros/Folhapress
"Quando perguntaram a Michelangelo o que vira em determinado bloco de mármore, escolhido entre centenas de outros, ele respondeu que vira Moisés", contou. "O que eu vi em Clint Eastwood foi, pura e simplesmente, um bloco de mármore."
Mostra lança luz sobre glória e aflições de Michelangelo no fim da vida
Leone não fez um filme equivalente ao Moisés de Michelangelo. Mas inaugurou um gênero, o western spaghetti, e narrou, na trilogia "Era uma Vez", a dilatação do capitalismo nos Estados Unidos de 1870 a 1968. Tornou-se artista. De quebra, inventou Eastwood.
Já o bloco de mármore pariu uma armadura. Suas rugas verticais parecem talhadas a formão; os lábios finos ciciam ameaças — como com a célebre frase "make my day"—; tem a graça de uma gárgula; a manopla empunha a Magnum .44; os olhos contraídos irradiam raiva; a tensão é de quem vai dar porrada.
Dentro e fora das telas, Dirty Clint personifica Dirty Harry, o paladino da trilogia iniciada em 1971. É o meganha marrento que viola a lei para impor a ordem. O mau e o mal que perpetram malefícios e maldade.
Na recém-publicada "Clint", a mais recente de uma dúzia de biografias, Shawn Levy diz que o ator e personagem se fundiram para dar origem a "um símbolo do espírito e da psique americanas, um homem ordinário com interesses e gostos ordinários".
Veja cenas de filmes estrelados por Clint Eastwood
Em sendo assim, é vaidoso (fez implante capilar e malha diariamente). Ama conquistar e procriar (seis filhos de oito mulheres). Não tolera chefes (criou uma produtora para filmar só o que quer e como quer). Empenha-se em enricar e acumular (patrimônio de US$ 400 milhões). É um direitista da ala de Átila (militou no grupo "Celebridades Pró-Nixon").
Seus 95 anos coroaram-no com a aura de sumidade, senão sábio. O 40º filme que dirigiu, "Jurado Nº 2", foi lançado no ano passado. Não atuou nele, mas foi ator em outros 60; 16 deles depois de assoprar 75 velinhas. Ninguém é páreo para ele: Martin Scorsese dirigiu 42 filmes, e Steven Spielberg, 36 —e eles não são atores.
É rápido no gatilho e no trabalho. Se colegas gastam dois meses nas filmagens, ele leva um. Disciplinado, emprega a mesma equipe há milênios, fala pouco, exige silêncio e, para insegurança do elenco, não ensaia nem repete cenas: é sempre a primeira tomada que vai para a edição final.
Tem um pretexto estético: a primeira filmagem é a mais espontânea, e é precisamente isso que procura. Tem também uma justificativa econômica, que não divulga: com a rapidez, economiza dinheiro, agrada os investidores e aumenta a rentabilidade da sua mercadoria, os filmes.
No plano estético, a velocidade imprimiu espontaneidade à sua obra. Mas com ela vieram sequências simplórias, cenas recorrentes, a padronização e o automatismo que são inerentes à indústria cultural.
Gente séria o admirava. Norman Mailer comparou-o a Hemingway e escreveu: "Talvez não exista ninguém mais americano que Clint Eastwood. Que artista interessante". Mas nem todos.
Pauline Kael via no seu sucesso a normalização do sadismo, da estupidez e da grosseria, sinais de uma sociedade numa espiral de vulgaridade e apodrecimento.
Corta para o dia 25 de fevereiro de 2020. A pandemia matava aos milhares e Jair Bolsonaro, então presidente, difundiu numa rede social vídeos convocando uma manifestação contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso.
Em seguida, postou sua foto assistindo a um faroeste na televisão. A legenda dizia: "Boa noite a todos! Clint na tela!".