O Dia da Desforra, La resa dei
conti, 1967, Sergio Sollima
César Deve Morrer,
Cesare deve morire, 2012, Paolo Taviani & Vittorio Taviani
Deus da Carnificina, Carnage,
2011, Roman Polanski
O Estrangeiro, Lo straniero,
1967, Luchino Visconti
O Último Dragão,
The Last Dragon, 1985, Michael Schultz
A Um Passo do Estrelato,
Twenty Feet from Stardom, 2013, Morgan Neville
Aconteceu Perto da sua Casa,
C'est arrivé près de chez vous, 1992, Rémy Belvaux&André Bonzel &Benoît
Poelvoorde
A Fortaleza,
Namhansanseong, 2017, Hwang Dong-hyuk
O Nosso Homem em Havana, Our
Man in Havana,1959, Carol Reed
O Pranto de um Ídolo, This
Sporting Life, 1963, Lindsay Anderson
Assassinato no
Expresso Oriente, Murder on the Orient Express, 1974, Sidney Lumet
O Franco-Atirador,
The Gunman, 2015, Pierre Morel
Homicídio, Homicide, 1991,
David Mamet
O Espião
Submarino, The Spy in Black, 1939, Michael Powell
O Xerife do Queixo Quebrado,
The Sheriff of Fractured Jaw, 1958, Raoul Walsh
Cangaço Novo,
Série de TV, 2023, Aly Muritiba & Fábio Mendonça
A Mãe, Mat, 1926, Vsevolod
Pudovkin
O Enforcado, The Hanged Man,
1974, Michael Caffey
O Dia da Coruja,
Il giorno della civetta, 1968, Damiano Damiani
Morituri, 1965, Bernhard Wicki
Os Piratas de Capri, I pirati
di Capri, 1949, Edgar G. Ulmer & Giuseppe Maria Scotese
Onoda - 10 Mil Noites na Selva,
Onoda, 10 000 nuits dans la jungle, 2021, Arthur Harari
20/7/23
O Dia da Desforra, La resa dei conti, 1967, Sergio Sollima
Crítica: O dia da desforra por Bruno Barrenha em 25.6.11
Direção: Sergio Sollima, Roteiro: Sergio Sollima e Sergio Donati, Produção: Edward Lewis
Ano: 1966, Elenco: Lee Van Cleef, Tomas Milian, Walter Barnes…, Duração: 107 minutos
O western spaghetti em sua melhor época: novos e talentosos diretores aparecem, juntamente com novas maneiras de transmitir ideias e difundir os diferentes clichês do gênero.
Análise: Em meio aos clássicos do spaghetti lançados no ano de 1966, como Três Homens em Conflito (Sergio Leone) e Django (Sergio Corbucci), curiosamente surge mais um Sergio para se juntar aos diretores acima citados: desta vez é Sergio Sollima, com uma de suas obras-primas, O Dia da Desforra. Fora ele, ainda faz parte desta geração o importante roteirista de faroestes italianos Sergio Donati, responsável pela escrita deste trabalho e muitos outros, como Quando os Brutos se Defrontam (1967), Era uma vez no Oeste (1968) e Quando Explode a Vingança (1971).
Contando com a presença de elementos cômicos e do humor negro, O dia da desforra chega a ficar mais leve e, em alguns momentos, com um ar de paspalhice. A criação dessas situações chega por conta de um personagem mais do que rodado em westerns spaghettis: aquele homem engraçado, sujo, azarado e carregado de humor; exemplificando, temos o inesquecível Feio (Eli Wallach), de Três Homens em Conflito. Já no caso deste filme, quem dá alma para tal papel é Tomas Milian, interpretando o mexicano errante e procurado pela lei Cuchillo Sanchez, o qual é rápido como uma faca, porém imprestável como uma arma descarregada.
A política também é outro tema abordado pela película, sendo que dificilmente encontramos tal assunto nos filmes do gênero italiano. Ela aparece devido ao senador Jonathan Corbett (Lee Van Cleef), sendo aquele que luta contra todos os bandidos possíveis, tentando deixar a região onde vive a mais limpa possível. Apesar de novamente utilizar suas famosas roupas pretas, ele é um ser mais sensibilizado comparado aos seus outros papéis (normalmente de vilão). Portanto, ao saber da existência de Cuchillo, não hesita e corre atrás do bandido trapalhão, travando conflitos e muita expectativa ao longo de todo o filme.
Como dito anteriormente, as características dos personagens de Lee Van Cleef e Tomas Milian entram para uma galeria clichê do gênero, porém eles atuam de forma magistral e ditam o ritmo do filme por completo. A direção de Sollima não surpreende, mas se mantém dentro do objetivo proposto, podendo assim ser comparada com as dos filmes norte-americanos. Já a fotografia de Carlo Carlini sabe aproveitar as cores dos desertos espanhóis de Almería. E para finalizar com chave-de-ouro, Ennio Morricone, o qual merecia um parágrafo somente seu, já que apresenta um de seus trabalhos mais completos como compositor de trilhas sonoras, quase chegando ao êxtase de emoções que proporcionou em Três Homens em Conflito; ou seja, sua música é indispensável, causando as mais diversas sensações em nós, espectadores.
Apesar de ser uma obra obscura dentro do cinema italiano, o desconhecido trabalho do novo e talentoso diretor Sergio Sollima ganhou um destaque a mais pelo uso constante do humor negro, da comicidade e da política, fugindo um pouco dos clichês do gênero spaghetti e acrescentando um patamar maior ao trabalho. Por tudo isto, o diretor quase desconhecido mundialmente impôs seu próprio estilo e se diferenciou do contexto que possuía os filmes do expoente artista e xará Sergio Leone
21/7/23
César Deve Morrer, Cesare deve morire, 2012, Paolo Taviani & Vittorio Taviani
Critica por Robledo Milani
“Quando conheci a arte, essa cela se tornou uma prisão”. Essa frase, dita num dos momentos mais críticos de César Deve Morrer, resume bem o que o filme dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani busca transmitir ao seu espectador: a arte enquanto elemento transformador. Quem a pronuncia é um dos homens mais perigosos da Itália, condenado à prisão perpétua pelos crimes que cometeu contra a sociedade, e que mesmo assim consegue se deixar levar pela emoção quando entra em contato com a história daquele que tanto fez e que por tantos foi penalizado: César, o governante que conquistou o mundo e que por ele foi traído. O homem que a todos dominava e que pelo seu filho mais próximo foi apunhalado pelas costas, dando fim a uma trajetória de vitórias e sucessos. O fim surgindo de onde menos se espera. O começo se manifestando no lugar mais inóspito.
Os limites entre ficção e realidade mais uma fez ficam borrados e indefinidos em César Deve Morrer. E os Taviani procuram exatamente isso, acabar com as certezas pré-concebidas. A trama é bastante simples e tem início no ponto mais popular do texto clássico de Shakespeare, quando César, após a traição do filho, vira-se para ele e diz: “até tu, Brutus?”. Deste contexto notório, aquele em que certamente qualquer um da plateia terá sua própria referência, parte-se para o início, voltando-se para os fatos prévios que originaram aquele ato, há poucas semanas antes. Percebe-se um movimento de introdução de atividades artísticas no presídio, e um diretor teatral chega com a proposta de encenarem, com a ajuda dos presidiários, uma versão literal de Júlio César. Os cenários serão providenciados mediante as condições locais, os atores são todos amadores, os ensaios, curtos, e os espectadores estarão ali mais para cumprir uma exigência do programa do que por genuíno interesse cultural. Mas a arte tudo transforma, e o que se passará neste contexto ao qual somos apresentados não será diferente.
O ponto de partida são testes com voluntários que desejam se envolver na montagem. Os melhores são escolhidos e os ensaios começam. O texto shakespeariano, neste momento, ganha vida quando dito por homens que poderiam muito bem ser aqueles que, dois séculos antes, sentiram na pele as consequências de cada um destes atos que hoje são apenas imaginados. E aquilo que era apenas uma tarefa recreacional vai ganhando outras dimensões, impactos e, acima de tudo, interpretações. O que, enquanto espectadores, estamos vendo? O cinema se fazendo mágico e nos levando de volta ao tempo da Roma antiga? Atores dedicados entregando a melhor das mentiras? Ou homens de verdade, mostrando que tanto ontem quanto amanhã suas vidas serão sempre iguais, estejam elas nos autos jurídicos ou em cima de um palco? Poucos poderão apontar uma resposta firme e sem hesitações, pois a crescente mudança se estenderá aos dois lados da tela, num movimento contagiante e irreversível.
Premiado com o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim 2012, César Deve Morrer foi também o grande vencedor do David di Donatello – o Oscar italiano – levando 5 das oito indicações que recebeu, inclusive como Melhor Filme e Direção. É, ainda, o título escolhido pela Itália para disputar uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Tantas honrarias ainda são poucas diante dos inúmeros e inegáveis méritos que essa obra única e arrebatadora apresenta.
Um filme pequeno, feito aparentemente com poucos recursos técnicos e de modo bastante simples, de aparência quase simplória e de duração tímida – são apenas 75 minutos. Mas que, no seu desenvolver, se agiganta de tal forma que se torna marcante e inesquecível, alterando nossa própria percepção do que é e de como dialogar com essa manifestação artística ainda conhecida como cinema. Um marco capaz de mudar conceitos e estimular, em primeira instância, a revisão dos nossos conceitos mais básicos.
22/7/23
Deus da Carnificina, Carnage, 2011, Roman Polanski
DEUS DA CARNIFICINA por Marcelo Müller
Roman Polanski é cineasta afeito a espaços exíguos. Um superficial exame em sua filmografia já aponta para esta predileção por ambientes restritivos, que não raro desempenham função dramática específica. O apartamento é fundamental em O Bebê de Rosemary, assim como a moradia da instável protagonista de Repulsa ao Sexo e a residência que serve de cenário basilar para O Escritor Fantasma. Seguindo a linha, em Deus da Carnificina quase toda ação transcorre num pequeno apartamento, cuja força delimitadora das ações e reações em eminente choque é significativa. É uma jaula repleta de portas e janelas não transpostas.
Como base dos créditos iniciais, há um plano revelador de certa celeuma ordinária entre garotos. Tal evento desencadeia a necessidade de uma conversa conciliatória entre os responsáveis pelos adolescentes. Michael e Penélope Longstreet (John C. Reilly e Jodie Foster), pais do menino agredido, recebem em sua casa os progenitores do agressor, Alan e Nancy Cowan (Christoph Waltz e Kate Winslet). À medida que as gentilezas iniciais vão dando lugar a pequenas alfinetadas, a aparente calmaria se transforma em repetidos ataques, que inevitavelmente abrem fissuras numa relação até então bastante diplomática.
Em registro tragicômico, o verborrágico Deus da Carnificina esfrega na cara do espectador constantemente “o que somos enquanto espécie”, e só não cede a quaisquer inclinações moralistas porque preenche a instabilidade com um humor sutil, amplificando alguns desdobramentos pela via do patético. O embate “casal vs casal”, motivado inicialmente pela briga dos filhos, logo se vê menor ante expedientes mais, digamos, reveladores, como a ética (ou a falta dela) de quem representa infratores, o pseudo-engajamento de alguns preocupados com a situação africana, a inércia de homens que escondem temperamento explosivo sob a aparente calma, e mulheres que precisam de algumas doses para dizer o que pensam.
Em Carnage são evidentes as habilidades do roteiro e da montagem, promotores de um fino equilíbrio no fluxo narrativo. Certamente um cineasta menos competente sucumbiria à tentação de dar mais relevo a esta ou aquela figura, e esta assertividade diretiva se observa igualmente na escolha nada aleatória de dois americanos para interpretar um casal atolado em sua própria mediocridade, e outros dois europeus para dar vida à dupla de bem sucedidos profissionalmente e carentes de humanismo. Além de genuíno filme de ator – rótulo possível graças ao desempenho brilhante dos quatro protagonistas – Deus da Carnificina também deve muito à direção coesa e incisiva de Polanski.
Ainda envolto em problemas judiciais por conta de um crime cometido no passado, pelo qual não pode mais pisar em solo americano, Roman Polanski parece cada vez mais arguto em suas observações, ciente de que ao artista cabe refletir acerca da sociedade que o circunda conforme seu ideário motriz. Ele conhece como ninguém os que lhe apontam o dedo condenatório, guardadores de seus próprios pecados cotidianos a sete chaves. O apego aos objetos (celular, bolsa, livros de arte, charutos e bebidas) que os personagens de Deus da Carnificina têm, por exemplo, evidencia aspectos definidores desta nossa sociedade ensimesmada, viciada em projetar nos artefatos seu sustentáculo. Entre vomitar nas tulipas da sala, largar um hamster à própria sorte, defender interesses escusos ou esconder-se numa falácia, não há o que exaltar ou condenar, não há partidos a tomar, pois a razão (ou a falta dela) habita todos.
24/7/23
O Estrangeiro, Lo straniero, 1967, Luchino Visconti
No iutubi aqui
Crítica | O Estrangeiro (1967) por Guilherme Almeida 28 de abril de 2018
Pouco se fala a respeito de O Estrangeiro (1967), adaptação feita por Luchino Visconti da obra-prima do filósofo Albert Camus. Quando o filme é referido, no mais das vezes discutem-se seus aspectos negativos, tais como o fato de o diretor o ter renegado, sua baixíssima circulação nos circuitos cinematográficos ou sua pretensa fraqueza e irrelevância estética. Se devemos admitir que ele realmente não configura uma grande realização artística, impõe-se também a necessidade de não o rejeitar a priori, sem darmos chances a nós mesmos de conhecermos essa obra periférica do mestre italiano. Isso porque, como ficará mais claro ao longo de minha crítica, os filmes menores podem iluminar com força inesperada pontos fulcrais da filmografia de um cineasta, às vezes de maneira mais representativa do que fazem os grandes clássicos.
Se retraçamos a trilha que percorre o protagonista Mersault, o que encontramos é uma série de eventos aos quais ele só consegue retribuir uma postura apática. Sua mãe morreu num asilo em Marengo (região da Argélia)? Não importa. Ele pode ser alçado a alto cargo no emprego e ir para Paris? Tanto faz. O que parece realmente incomodá-lo é um aspecto mais climático, o escaldante calor argelino, ressaltado por Visconti através da profusão de significantes como panos para secar o suor, abanadores, ventiladores e enfoques no sol. O mormaço enche a tela e ajuda a destacar o sentimento de não pertencimento que abate Mersault, membro de família francesa que reside na Argélia à época da dominação colonial.
Ele dorme no velório de sua mãe e se enche de enfado durante o enterro. No mesmo dia, reencontra sua antiga colega de trabalho Marie Cardona (Anna Karina), por quem se enamora e com quem toma divertidos banhos de mar e assiste uma comédia no cinema. Nenhum vestígio de luto, nenhuma tristeza explicita- o protagonista chega inclusive a concluir que após o falecimento da familiar é como se tudo continuasse como sempre foi. O estilo literário de Albert Camus, bem recriado por Visconti, promove a secura e o esvaziamento dramático mesmo da mais trágica das ocorrências. Não há melodrama rocambolesco, nem choro nem vela, só a vida em sua cruel dureza absurda e fortuita.
O mundo de Mersault vem abaixo quando ele vai para a praia com Marie e com Raymond (Georges Géret), um conhecido seu, cafetão e violento. Lá, um grupo de árabes quer atacar Raymond, por este ter agredido uma mulher aparentada a eles. E eis que, de repente… Mersault dispara quatro tiros em um dos membros do grupo, sem aparentemente ter planejado o assassinato. Acaso súbito que irrompe inesperadamente, a violência é ainda mais ininteligível por não ser racionalmente premeditada.
O protagonista é preso e aguarda o julgamento que decidirá a pena de morte.
Relembro aqui a crítica que escrevi a respeito do filme A Vida de Emile Zola (1937), no qual figura uma notável cena de tribunal em que Zola deslinda um discurso loquaz e tocante, defendendo-se magistralmente. A postura de Mersault é justamente a oposta: laconismo, desinteresse e alienação. Em vez da retórica inflada e eloquentemente moldada, duas frases irrisórias: “Eu não queria matar o árabe” e “Foi culpa do sol“. Vemos aqui um personagem de consciência atrofiada, com pouco controle de seus próprios atos e sem nortes existenciais bem definidos; um personagem a la Camus, preocupado em problematizar o mal-estar no mundo moderno, resultado da morte histórica de Deus e da ruína de certezas até então bem constituídas. Um mundo moderno, pois, balizado pelo absurdo, pelo sentido abstraído aos fatos, conturbado e em estágio de anomia.
Fiz referência ao estilo de Camus para encaminhar o que considero ser o traço semiótico mais interessante deste filme. O filósofo franco-argelino prima pela condensação dos recursos narrativos, procedimento que tem como consequência uma objetividade estilística pouco palatável. Visconti dá espaço a esse timbre seco por meio da voz em over do narrador Mersault e da interpretação intencionalmente escassa de Mastroianni. Mas ele não para por aí. É possível perceber em O Estrangeiro a convivência de dois vieses narrativos, um mais aproximado ao cariz camusiano, o outro mais afeito ao gosto de Visconti. A câmera faz os típicos zooms que recheiam a filmografia do diretor; no caso específico desse longa, ela acrescenta uma ênfase não presente no original literário, como a apontar explicitamente que a releitura feita da obra de origem não se deu sem mediações autorais. Essas duas posturas, materializadas como duas formas distintas de olhar o mundo, convivem, entretanto, com grande harmonia, sem desnudar qualquer dissonância aberrante.
Coabitação pacífica, sim, mas que ao mesmo tempo destaca, por contraste, o que há de próprio na direção de Visconti. A postura enfática da câmera em O Estrangeiro é uma espécie de remédio contra o niilismo de Mersault. Os enfoques exagerados e os movimentos que salientam hiperbolicamente pessoas e objetos operam não apenas uma retomada de caracteres próprios ao estilo do diretor como postulam, eles também, um conjunto de valores filosóficos — a saber, a recusa à isenção frente o mundo, a afirmação de um pathos afetivo e interessado. Era a isso que me referia quando sugeri, no início deste texto, que esse filme menor e menos pretensioso consegue curiosamente aclarar muito do projeto estético de seu diretor. Resta evidente que essa obra não alcançou a maestria de um Rocco e Seus Irmãos (1960) ou O Leopardo (1963). É aconselhável, porém, agir tal como faz Visconti: conferir ao longa a devida ênfase para que a indiferença não escamoteie o que possa nele haver de interessante.
28/7/23
O Último Dragão, The Last Dragon, 1985, Michael Schultz
Michael Schultz
Sinopse
Situada na cidade de Nova York, a trama segue um adolescente estudante de artes marciais chamado Leroy Green (muitas vezes referido como "Bruce Leroy", embora ele nunca chame a si mesmo assim) com sonhos de se tornar um grande artista marcial, como seu grande ídolo Bruce Lee. Leroy vai em uma busca para alcançar o mais alto nível de realização de artes marciais, conhecido como "O Nível Final". É dito que artistas marciais que chegam a este "Nível Final" possuem "A Aura", uma energia mística que só pode ser alcançada por um verdadeiro mestre das artes marciais. Quando as mãos de um lutador brilham, ele é um dos melhores do mundo e quando seu corpo inteiro brilha, ele é o maior mestre de artes marciais. Em sua jornada para se tornar o "Último Dragão" e obter o poder da "Aura", Leroy deve enfrentar vilões como uma gangue arcade do magnata Eddie Arkadian (Murney) e o grande vilão Sho'nuff , o Shogun do Harlem, de quem também deve proteger seu irmão mais novo Richie (Leo O'Brien) e seu interesse amoroso, a VJ Laura Charles (Vanity). Wiki
29/7/23
A Um Passo do Estrelato, Twenty Feet from Stardom, 2013, Morgan Neville
Morgan Neville: 2014 Vencedor Oscar, Best Documentary, Features, A Um Passo do Estrelato
Crítica | A Um Passo do Estrelato por Ritter Fan 19 de fevereiro de 2014
A Um Passo do Estrelato, novo documentário sobre o mundo da música de Morgan Neville, já escolado no assunto, é irresistível. Não é perfeito, longe disso, mas mesmo assim ele consegue nos prender pelo tempo de duração da projeção e nos agraciar com vozes jovens e mais idosas absolutamente impressionantes.
Como o título (que em português foi milagrosamente bem traduzido) deixa entrever, o documentário versa sobre os cantores que sempre estão a um passo do estrelato: os backing vocals. Com depoimentos atuais de grandes nomes da música, como Bruce Springsteen, Sting, Mick Jagger, Sheryl Crow e Stevie Wonder, o filme nos faz passear desde os backing vocals burocráticos – lidos, como são pejorativamente chamados – feitos por mulheres brancas na década de 40, até o “surgimento” dos backing vocals de mulheres negras, que literalmente rasgaram o livro de regras e passaram a improvisar e a muitas vezes chamar os holofotes para si.
Com isso, vemos também os sensacionais depoimentos atuais, feitos para a fita, de backing vocals famosíssimas, da velha guarda, como Táta Vega, os Waters, Rose Stone e Darlene Love, além de outros nomes mais recentes como Judith Hill, protegida de Michael Jackson e que despontou para o semi-estrelato cantando no funeral do Rei do Pop. Mas Neville também não se esquece de contrastar os dias de hoje com o glorioso passado dessa gente, cantando de forma itinerante em diversas bandas, incluindo as de Ray Charles, Tina Turner, Elvis Presley e David Bowie.
São esses os aspectos, juntamente com a música, que impedem que o espectador desvie os olhos do trabalho do diretor e das deslumbrantes vozes que desfilam pela tela e que, mesmo em alguns casos com idade mais avançada, ainda arrasam no microfone como se fossem jovens de 20 anos. No entanto, Neville peca pela falta de foco.
Tentando abordar o máximo de assuntos possíveis dentro de breves 91 minutos, o diretor não consegue tratar de nenhum deles de maneira adequada, resultando em uma ode difusa a esses cantores e cantoras que poucos dão o real valor. Neville ensaia de embarcar em uma interessante discussão sobre a exploração dos backing vocals por Phil Spector, produtor-estrela de priscas eras. Ele mostra que Spector, sem nenhuma cerimônia, se apropriava do trabalho das vocalistas e etiquetava o nome de estrelas da época em cima. Mas o assunto para por aí, sem maiores desenvolvimentos.
O mesmo vale para a dicotomia entre as backing vocals que só querem ser backing vocals versus aquelas que tentam dar um passo além, com discos solos. O assunto é tratado de maneira perfunctória, às vezes em tom melancólico outras em tom crítco, mas sempre sem objetividade.
Ao tentar discutir muita coisa, Neville acaba não discutindo nada e o que resta é a apreciação dos talentos e da música, além dos depoimentos tanto das backing vocals quanto dos grandes astros basicamente se colocando na posição de coadjuvantes perante o poder dessas cantoras fenomenais que via de regra não ganham os holofotes.
No afã de homenagear devidamente uma categoria de artistas, o resultado é desfocado e até confuso, com a mistura de assuntos sem que o raciocínio anterior seja concluído. A Um Passo do Estrelato quase consegue, mas fica a um passo de ser um grande documentário (não resisti!).
30/7/23
Aconteceu Perto da sua Casa, C'est arrivé près de chez vous, 1992, Rémy Belvaux&André Bonzel &Benoît Poelvoorde
No iutubi aqui
Crítica- Aconteceu Perto da Sua Casa por Luis Capucci
No início do ano, eu escrevi sobre o filme “O Abutre” (leia a crítica aqui), dirigido por Dan Gilroy. No meu texto sobre o longa abordo a obsessão da sociedade pela violência e pelo grotesco, e como a mídia sensacionalista o captura e o glamouriza.
Pois a gênese da obra de Gilroy parece estar nesse “Aconteceu Perto da Sua Casa”, um mockumentary (falso documentário) belga que mostra uma equipe de cinema acompanhando o dia a dia de um psicopata.
Escrito a oito mãos, o filme nos apresenta a Ben (Benoît Poelvoorde, também codiretor e um dos roteiristas do longa), um ladrão e assassino, que começa a ser acompanhado por uma equipe de filmagens, que visa retratar seu dia a dia em um documentário. Mas com o tempo, tudo vai tomando uma dimensão aterradora.
O documentado se mostra um ser humano assustador. Ele usa o roubo como desculpa para praticar terríveis assassinatos e não mostra pudores em matar crianças e idosos. Durante a projeção, o espectador vai percebendo que Ben é extremamente preconceituoso com mulheres, estrangeiros, negros e homossexuais. Ao mesmo tempo, o protagonista parece querer chamar atenção para si constantemente e crê ser um artista nato, que entende muito de poesia, arquitetura, música e cinema. Se não bastasse, o psicopata ainda tenta ser filósofo em alguns momentos. O que consegue manter o interesse do espectador em uma figura tão odiosa é a magnética atuação de Benoît Poelvoorde, que esbanja carisma em todas as suas cenas e passa uma naturalidade essencial para as falas de seu personagem.
Mas o que torna “Aconteceu Perto de Sua Casa” ainda mais assustador é a forma como os documentaristas retratam e se envolvem nos acontecimentos. Se a própria ideia de documentar as ações (leiam-se roubos e assassinatos) de um psicopata sem intervir nelas ou contatar a polícia soa como algo muito errado, as coisas se tornam piores quando as testemunhas passivas se tornam figuras atuantes nos crimes. Então, se no início a equipe de filmagens registrava Ben enforcando uma idosa, logo são vistos segurando uma criança para que o psicopata a sufoque e participam do estupro e morte de uma mulher e de seu marido. O nível de cumplicidade entre os documentaristas e o documentado se torna tanto que eles passam a esconder os corpos para ele.
A verdade é que durante as filmagens do documentário, Ben deixa de ser apenas o objeto de estudo do projeto e assume também as funções de produtor e diretor. Ele dá dinheiro para que os documentaristas comprem equipamentos melhores e passa a dar palpites diversos aspectos técnicos, como ângulos de câmera. Um exemplo disso pode ser visto em uma cena na qual ele pede que o técnico de som coloque o microfone próximo do pescoço de uma vítima para que seja captado o barulho dos ossos se quebrando.
A hipocrisia dos documentaristas é mostrada quando o técnico de som morre durante um tiroteio. Remy (Rémy Belvaux, codiretor e roteirista do filme), o entrevistador, conta uma história de que o amigo vivia com uma garota e que os dois esperam seu primeiro filho, emendando logo em seguida que continuariam o projeto em respeito à memória do falecido. Porém, esse discurso logo se mostra falso, quando o técnico de som substituto também morre e o personagem de Belvaux conta exatamente a mesma história, que se revela um recurso de roteiro do filme dentro do filme para tocar aqueles que vão ver o “documentário”.
A discussão que “Aconteceu Perto da Sua Casa” suscita é sobre a obsessão da mídia com a violência e forma com que a sociedade lida com isso. Nesse sentido, é reveladora uma cena na qual Ben encontra outro psicopata em um prédio abandonado e ele também está sendo acompanhado por uma equipe de filmagens.
É interessante notar como alguns amigos e a namorada de Ben parecem conhecer seu lado mais sombrio, mas mesmo assim se mantêm ao seu lado, seja por medo ou mesmo por uma mórbida atração. Isso pode ser comprovado na sequência na qual o protagonista mata um homem por rir dele durante uma festa e todos fingem que nada aconteceu. Uma amiga do psicopata chega a entregar um presente para ele com o rosto sujo com o sangue do morto.
O longa também tece críticas à forma violenta com que as pessoas costumam reagir quando veem registros de uma situação de violência através da mídia. Quando se vê um assassinato durante um programa sensacionalista, os sentimentos que essas imagens e os apresentadores despertam são os piores possíveis. Sentimos a necessidade de uma punição imediata para aquela pessoa e que ela sinta a mesma dor que causou ao outro. Mas o que muitos não percebem é que rebater a violência com mais um ato monstruoso é uma insensatez. Se você fizer com o outro a mesma monstruosidade que o condenou, só estará alimentando um ciclo de violência que não tem fim e nem sentido. Por esse motivo (e vários outros) é que a pena de morte é algo condenável. A cena que melhor retrata isso no filme é aquela na qual a mãe de Ben lê no jornal a notícia sobre o assassinatode uma família. Se mostrando revoltada com aquilo, ela diz que seria o júri e o carrasco daquele assassino, sem imaginar que o crime foi cometido pelo seu próprio filho.
Apesar de toda a violência e das discussões sérias que levanta, o filme se mostra bem humorado. Logicamente que as cenas cômicas que aparecem em uma produção como essa são recheadas de humor negro. Muitos dos diálogos mais engraçados saem da boca de Ben, quando ele diz, por exemplo, que matou e enterrou dois árabes e completa um: “Mas voltados para a Meca, é claro”. Esse humor não surge da opressão de uma minoria, mas sim da maneira absurdamente preconceituosa que aquele indivíduo pensa. Outro momento engraçado é aquele no qual a dentadura de uma idosa cai enquanto o protagonista a enforca.
A metalinguagem se faz muito presente em “Aconteceu Perto da Sua Casa”. Isso pode ser visto nas cenas que o técnico de som sai procurar um bracelete de Ben e o espectador não escuta mais o que ele está falando. É interessante perceber como o filme chama atenção para suas próprias referências. Em certo momento, durante um assassinato, o documentado diz que aquela cena lembra uma que ele viu em um longa estrelado por Philippe Noiret.
Os diretores Rémy Belvaux, André Bonzel (que também interpreta o cameraman) e Benoît Poelvoorde fazem um ótimo trabalho. Eles usam câmera de mão para dar credibilidade ao documentário que estão tentando emular. Bonzel também é responsável pela fotografia em preto e branco do filme e parece ter escolhido esse estilo visual por capturar com precisão a tristeza das situações retratadas ali.
O longa ainda conta com uma ótima montagem de Belvaux e Eric Dardill. Um momento particularmente interessante criado pelos dois é aquele no qual um garotinho brinca com uma arma de brinquedo e logo em seguida, corta para o revólver real de Ben disparando contra uma vítima.
Com isso, em 1992, esses três diretores já realizaram uma obra que questionava a obsessão da mídia e daprópria sociedade com a violência. Nesse sentido, eles criaram um filme seminal que influenciou vários outros cineastas que trataram do mesmo tema.
01/8/23
A Fortaleza, Namhansanseong, 2017, Hwang Dong-hyuk
Complexo e reflexivo, filme da Netflix é uma aula de história e um pequeno diamante do cinema
Por Giancarlo Galdino, 30/11/2021
O Oriente continua a ser um dos grandes mistérios que o cinema tenta desvendar. Em “Nas Muralhas da Fortaleza” (2017), parte de uma história tão cheia de reviravoltas como de detalhes se deixa à mostra, expondo algumas das razões por que é tão difícil se compreender a visão de mundo de povos apartados do homem ocidental pelo espaço e pelo tempo.
Épicos adquirem dimensão verdadeiramente fantasiosa no cinema e é o que se dá com o filme de Hwang Dong-Hyuk. Os enfrentamentos pela soberania da Coreia, ameaçada por uma invasão chinesa em 1636, aludem a sentimentos que qualquer indivíduo em qualquer parte do globo é capaz de absorver perfeitamente; contudo, “Nas Muralhas da Fortaleza” se aprofunda acerca das possíveis consequências da subjugação estrangeira sobre uma nação que desde seus primórdios nunca se furtara a pegar em armas a fim de defender o que considera mais sagrado: o solo onde repousam seus ancestrais. Dong-Hyuk destrincha com sutileza os fatores que permitiram a ascensão da dinastia Qing, a última casa imperial da China, que se manteve no poder por 268 anos, entre 1644 e 1912. Composta pelos manchus, etnia minoritária e nômade vinda do leste da Ásia, a dinastia Qing leva oito anos até se estabelecer de fato, com a conquista de Pequim. Os Qing são responsáveis por feitos históricos ousados, como persuadir o imperador chinês Shunzhi a abrir frentes de batalha contra reinos contíguos e dominá-los. A escala de mando e tomada de territórios chinesa não encontra resistência, até se deparar com o rei Injo, vivido por Park Hae-Il, o 16° monarca coreano pela dinastia Joseon. Injo não se conforma em se submeter ao líder chinês, que dá seguimento ao seu plano de dominação e despacha seu exército para a Coreia, o que faz com que o rei e seu séquito se enclausurem na fortaleza Namhan durante um inverno inclemente, amparado por seus generais e conservando as linhas de abastecimento. Os guerreiros Qing logo sitiam a edificação, mas o que interessa mesmo em “Nas Muralhas da Fortaleza” acontece dentro do castelo, ambiente em que se desdobra uma queda-de-braço entre os integrantes do governo que apoiam os ministros Choi Myung-Gil (Lee Byung-Hun) e Kim Sang-Heon (Kim Yun-Seok), que tentam fazer Injo considerar a hipótese de entregar o príncipe herdeiro como refém, para que a usurpação de seu trono transcorra sem derramamento de sangue, e os que aconselham o líder a se preservar irredutível, tanto mais diante de exigência tão ultrajante e perigosa.
Adaptado do romance de Kim Hoon, “Namhansanseong”, de 2007 (sem tradução para o português), o roteiro de Hwang faz referência a episódios nebulosos para o espectador comum, mas resta clara a intenção de ressaltar o caráter traiçoeiro de Choi, ao passo que para Kim é reservada a aura de grande patriota, de todo consciente de que aquela era mesmo a melhor resolução a se tomar — e o desfecho do filme evidencia o quão dura pode ser a vida mesmo para um rei, sobretudo em tempos em que o mundo tinha outros parâmetros civilizatórios.
Hwang Dong-Hyuk recebera críticas por apresentar em “Nas Muralhas da Fortaleza” um trabalho de natureza indiscutivelmente revisionista, que se estende por um tempo inestimável sobre a questão política strictu sensu, quando deveria ter optado por dar preferência às cenas de luta campal em si. No entanto, quem se dedica a estudar a história da realeza coreana encontra no filme do diretor — subitamente celebre no Brasil graças à série dramática “Round 6” — mais que um ponto de partida. A produção, que se esmera em locações de tirar o fôlego, todas reais, figurino impecável, elenco competente e uma trilha sonora que sabe pontuar a narrativa como poucas, mérito do japonês Ryuichi Sakamoto, também presente em “The Revenant” (2016), de Alejandro González Iñárritu, tem a solidez intelectual de um pequeno tratado, sem, todavia, renunciar à sua intenção primeira de entreter.
03/8/23
O Nosso Homem em Havana, Our Man in Havana,1959, Carol Reed
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O Nosso Agente em Havana, de Graham Greene
O Nosso Agente em Havana, 1959
Sábado, Out 2015, Posted by JC in Espiões na Guerra Fria
Jim Wormold (Alec Guiness), inglês, modesto vendedor de aspiradores na Havana de Fulgêncio Batista, onde vive com a sua filha adolescente, Milly (Jo Morrow), é contactado por Hawthorne (Noel Coward), que quer fazer dele um agente dos serviços secretos britânicos. Wormold não sabe como actuar, mas o seu amigo Dr. Hasselbacher (Burl Ives) recorda-o que os melhores segredos são os que ninguém conhece, incentivando-o a inventar relatórios e agentes para manter os cheques a chegar. Mas Wormhold é tão convincente nas suas invenções, que em breve todos acreditam nele. Os ingleses acham-no o seu melhor agente e enviam-lhe como apoio a agente Beatrice Severn (Maureen O’Hara). Quanto aos inimigos, começam a matar pessoas à sua volta, colocando a sua própria vida em perigo.
Análise:
“O Nosso Agente em Havana” foi projetado por Alfred Hitchcock como tema para um filme seu. O realizador procurou conseguir os direitos do livro, mas deparou com a recusa do autor, Graham Greene, o qual não se revia no estilo do mestre do suspense. Greene acabaria por chegar a acordo com o também consagrado inglês Carol Reed, famoso pelo thriller “O Terceiro Homem” (The Third Man, 1949) protagonizado por Orson Welles.
Baseado na experiência de Graham Greene na sua passagem, durante a Segunda Guerra Mundial, pelos Serviços Secretos britânicos, “O Nosso Agente em Havana” acaba, curiosamente por ter muito de Hitchcock e de Reed. De Hitchcock destaca-se a fleuma britânica, que faz do Jim Wormold de Alec Guiness uma espécie de irmão Roger Thornhill de “Intriga Internacional” (North by Northest, 1959), curiosamente do mesmo ano. Se isto aliarmos o humor fino subjacente aos personagens, e estarmos perante uma história de um herói inusitado que se vê arrastado para algo maior que ele, estamos em território perfeitamente hitchcockiano.
De Reed destaca-se o tom noturno de tantas cenas, os ângulos inclinados em planos fechados, as ruas húmidas de um brilho quase irreal, e a música perene de guitarras locais, que remetem imediatamente para a estética e banda sonora do citado “O Terceiro Homem”, o qual, como dito atrás, fora também escrito por Graham Greene.
A história é a de Jim Wormold (Alec Guiness), um modesto inglês que vive em Havan, vendedor de aspiradores, cuja filha, a cada vez mais adulta e bela Milly (Jo Morrow) é o objectivo da sua vida. Vendo os perigos que Milly vive, numa cidade gerida por perigosos predadores como o Capitão Segura (Ernie Kovacs), Wormold precisa de mais dinheiro para fazer a sua filha ir estudar para a Suíça. A oportunidade surge quando o misterioso Hawthorne (Noel Coward) lhe entra pela loja e o convida a ser espião para a Inglaterra. A princípio sem saber o que pensar disso, Wormold deixa-se convencer pelo amigo, o alemão Dr. Hasselbacher (Burl Ives), de que basta inventar relatórios, e inventar agentes à sua disposição, para receber os honorários de todos.
Só que, ao entusiasmar demais Londres, com relatórios e desenhos de fantásticas armas futuristas, Wormhold vê chegar como sua nova ligação, a agente Beatrice Severn (Maureen O’Hara), a qual vai aos poucos descobrir que tudo se trata de uma fraude. O problema é que quando os relatórios de Wormhold começam a ser interceptados por inimigos, pessoas à sua volta começam a morrer, e ele próprio passa a ter a vida em perigo.
Pelo tom jocoso, e tema sarcástico, “O Nosso Agente em Havana” é uma comédia de enganos, e principalmente uma sátira ao mundo dos serviços secretos, à crescente paranoia da Guerra Fria, e paralelamente a algumas idiossincrasias inglesas. A história passa-se na Havana de Fulgêncio Batista, embora o filme tenha sido filmado (no local) logo após a revolução de Castro. Este interessou-se pessoalmente pelo projeto, fazendo Greene e Reed entregar-lhe o guião, e sugerindo alterações, com vista a uma mais exacta descrição do terror de Batista. O próprio Greene confessaria que a sua ênfase na sátira acabou por branquear demasiado um regime de terror.
Com Alec Guiness perfeito no pacato e irrepreensível inglês, “O Nosso Agente em Havana” é uma comédia de interpretações sérias, sem caricaturismos ou comportamentos imbecis que o fizessem cair na comédia fácil. É por isso uma história inteligente, que vai prendendo à medida que se desenrola e complica, num argumento inteligentíssimo do próprio Graham Greene, que tem, ainda por cima, diálogos acutilantes de enorme criatividade.
Apesar de ser uma comédia, “O Nosso Agente em Havana”, é ainda hoje visto como uma inspiração para o género de espionagem, ajudando a celebrar o autor Graham Greene, aqui na sua terceira colaboração com Carol Reed.
08/08/23
O Pranto de um Ídolo, This Sporting Life, 1963, Lindsay Anderson
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Rachel Roberts (1927-1980)
O Pranto de um Ídolo (1963), Lindsay Anderson Por Cid Vasconcelos
O Pranto de um Ídolo (This Sporting LIfe, Reino Unido, 1963). Direção: Lindsay Anderson. Rot. Adaptado: David Storey, baseado em seu próprio romance. Fotografia: Denys N. Coop. Música: Robert Gerhard. Montagem: Peter Taylor. Dir. de arte: Alan Whity. Cenografia: Peter Lamont. Figurinos: Sophie Devine. Com: Richard Harris, Rachel Roberts, Alan Badel, William Hartnel, Colin Blakely, Vanda Godsell, Anne Cunningham, Jack Watson, Arthur Lowe.
Ex-mineiro e jogador de rugby amador, Frank Machin (Harris) vive na casa da viúva Margaret Hammond (Roberts), por quem é apaixonado, e sonha em ser contratado pelo City, clube de prestígio. Em uma apresentação virtuosa chama a atenção de um empresário do clube, Gerald Weaver (Badel). Ele é contratado pelo salário de mil libras, porém sua relação com Margaret continua complicada, pois ela nunca assume de fato a relação com ele e não consegue esquecer de todo o marido suicida. A fama e o sucesso repentinos de Machin, por sua vez, o fazem perceber que ele sempre não será mais que uma figura folclórica no mundo dos ricos e famosos, despertando a atenção tanto da Sra. Weaven (Godsell) quanto do próprio marido. Após uma briga na qual decide sair de casa, Frank retorna para a casa de Margaret, mas a vizinha lhe diz que essa se encontra no hospital. Frank vai visitá-la no hospital e testemunha sua morte.
Esse filme, um dos expoentes do chamado (ainda que erroneamente) Free Cinema britânico [trata-se da corrente que ficou conhecida na Inglaterra como “kitchen sink”], parece ter envelhecido pior do que outro filme referencial do movimento, Um Gosto de Mel (1961), de Tony Richardson. Como nos outros filmes do movimento, o que se destaca é uma preocupação com a abordagem social de seus personagens de origem proletária, numa perspectiva que, guardadas as devidas proporções, também era efetivada no Brasil contemporaneamente.
Nesse retrato, as personagens populares são sempre descritas de um modo mais simpático, ou pelo menos contando com a cumplicidade do narrador, enquanto a elite é apresentada como corrupta e devassa. Aqui praticamente tudo o que se vê tem como filtro um dos mais prototípicos angry young man do ciclo. Aliás, o esporte como uma das formas de destaque para pessoas de baixa renda já havia sido tematizado em A Solidão de uma Corrida sem Fim (1962), também dirigido por Richardson. Como nesse último, a narrativa é longe de linear, sendo costurada em boa parte a partir de memórias de um Frank anestesiado após receber um murro que o fará perder alguns dentes. Apresenta mais que insinuantes alusões a um universo homo-erótico que envolve o esporte, seja na figura de um velho olheiro obcecado por Frank, no empresário que o tem como sua propriedade e que após fechar o contrato e lhe deixar em casa põe a mão na sua coxa ou numa cena de vestiário com vários homens despidos e em situação de brincadeira coletiva, aproximando-se nesse sentido, ainda que de modo mais incisivo, de Rocco e seus Irmãos (1960).
O Frank de Harris, sobretudo em sua primeira metade, é demasiado inspirado nos trejeitos de rudeza máscula que não deixa de trair certa fragilidade de atores como Brando, sendo sua interpretação um tanto over e talvez empostada para os padrões de hoje. Em alguns momentos o filme flerta com o melodrama. Como nos belos planos de Frank em meio a uma paisagem grandiosa e, ao mesmo tempo, soturna, transformando-se numa apropriada representação de seu embate solitário e ressentido contra um mundo adverso. É mais do que explícita, até no próprio título, e próxima do darwinismo social, a relação da violência e competitividade do esporte com a própria vida. Glenda Jackson surge em ponta não creditada como desafinada e atrapalhada cantora de boate.
O estilo e a temática de filmes como esse seriam fundamentais para posteriores realizadores britânicos como Ken Loach, Stephen Frears ou Mike Leigh. Foi produzido por outro nome influente do movimento, Karel Reisz. Independent Artists/Julian Wintle-Leslie Parkyn Prod. para J. Arthur Rank Film. 134 minutos
09/08/23
Assassinato no Expresso Oriente, Murder on the Orient Express, 1974, Sidney Lumet
Sidney Lumet (1924-2011)
Crítica | Assassinato no Expresso Oriente (1974) por Luiz Santiago, 27 de novembro de 2017
Em novembro de 1974, Agatha Christie esteve na estreia desta que foi a única adaptação de uma de suas obras com a qual ficou plenamente satisfeita. Esta ocasião também foi a sua última aparição pública e oficial, aos 84 anos. Um ano e dois meses depois, a autora viria a falecer.
Devido a insatisfação de Christie com adaptações anteriores de seus livros para o cinema, esta versão de Assassinato no Expresso do Oriente quase não aconteceu. A autora estava resoluta em não mais vender os direitos de uso para algum estúdio e só abriu uma exceção porque teve alguém de seu círculo social, Lord Louis Mountbatten (também parte da família real britânica), intervindo em favor da produção.
Para a escalação do elenco, o diretor Sidney Lumet, que vinha do estrondoso Serpico, lançado no ano anterior, usou a máxima de que “estrela chama estrela” e conseguiu antes de tudo que seu amigo Sean Connery (com quem já havia trabalhado em A Colina dos Homens Perdidos; O Golpe de John Anderson e Até os Deuses Erram) assinasse o contrato para interpretar o Coronel Arbuthnot. Daí para frente a escalação se tornou mais fácil. Ou quase. A maior preocupação em qualquer adaptação de um livro policial está em quem assumirá o papel do detetive e, neste caso, o famoso Hercule Poirot deveria ser, por escolha do diretor, interpretado por Alec Guinness ou, como segunda opção, por Paul Scofield. Ambos os atores estavam trabalhando em outros projetos na época e não puderam assumir o papel. Então Albert Finney foi escolhido. O problema de Lumet com o ator era apenas um: a idade. Na época das filmagens ele estava com 37 anos, o que era a “idade errada” para se interpretar Poirot, que, nesta adaptação, estava na casa dos 50. O diretor só ficou tranquilo quando viu Finney pela primeira vez com a maquiagem completa e irreconhecível.
Ali estava o Poirot ideal, algo que a própria Agatha Christie chegou a comentar, embora tenha reclamado do formato do bigode utilizado pelo ator. O elenco se completava de maneira impressionante com Lauren Bacall e sua impressionante Senhora Hubbard, mulher cheia de personalidade e que dominava o ambiente; Ingrid Bergman e a religiosa Greta, personagem que a própria atriz escolheu, embora Lumet a tivesse escalado inicialmente para interpretar a Princesa Dragomiroff; Jacqueline Bisset e sua sutil e envergonhada Condessa Andrenyi; Martin Balsam e seu alegre, barulhento e interessante Sr. Bianchi, o diretor da linha; Jean-Pierre Cassel e sua impressionante fluidez como Pierre, que adota diversas nuances, uma para lidar com cada passageiro do trem; John Gielgud e o formalíssimo Beddoes; Wendy Hiller e a afetada, mas muito interessante Princesa Dragomiroff; Anthony Perkins e seu gago, indeciso e infantil McQueen; Vanessa Redgrave e sua decidida e forte Mary Debenham e Richard Widmark, que tornou Ratchett ainda mais odioso, se é que isto é possível.
Com atores e atrizes de carreiras e padrões de atuação bastante diferentes, o diretor estava em uma espécie de Paraíso. Ele sempre se considerou um “diretor de atores” e ter um grupo tão variado, com pessoas cujo destaque vinha dos palcos e do cinema (boa parte do elenco estava em temporada de peça na época!), era meio caminho andado para realizar as gravações. Como ninguém do elenco tinha crise de estrelismo, as filmagens transcorreram sem problemas nesta seara. Todos eram muito respeitosos com os colegas e estavam encantados em trabalhar com tantos talentos da dramaturgia, cada um com um destaque oportuno na tela, ou durante o interrogatório ou na resolução final da trama, com o famoso discurso de 8 páginas em que apenas Albert Finney fala e que precisou ser filmado várias vezes, de diversos ângulos, porque Lumet não queria fazer a estrutura das cenas em estúdio, então fez questão de colocar todos em um compartimento pequeno e explorar ao máximo a sensação de claustrofobia, tomando de diferentes pontos o desenvolvimento do discurso de Poirot, o ponto máximo do filme em uma soberba interpretação de Finney.
A película encanta desde o início. Da introdução de Poirot até a partida do Expresso Oriente temos uma orgânica e muito bem construída introdução de personagens pelo roteirista Paul Dehn, que usa todas as deixas do livro para gerar o suspense e nos fazer conhecer a personalidade de casa um. Na plataforma de embarque, outra grande surpresa. Com uma montagem que dá o tempo necessário para cada bloco se resolver bem, observamos vendedores turcos, muita comida e muitos passageiros saírem e chegarem para embarcar. Cada entrada é feita de maneira triunfal, seguindo o mesmo modelo das apresentações, ou seja, marcando a personalidade de cada passageiro. Quem conhece a trama perceberá que o diretor movimenta a câmera sutilmente para mostrar os olhares entre cada um, especialmente de Michel, que checa os passaportes e dá as boas-vindas a todos. Igualmente como representação estão os figurinos. Cores, modelos e valor das peças indicam a classe social e um pouco da emoção de cada um: de conjuntos quase completamente brancos a uniformes e roupas sociais, o notório “clube da vingança” embarca no trem.
Muito se falou, à época, sobre a música de Richard Rodney Bennett. Alguns espectadores acharam um absurdo que a faixa de partida do trem fosse uma exuberante valsa e que boa parte dos temas do filme trouxessem alegria e um estranho ar de aventura. Ocorre que, para todos os efeitos, este não é o “trem da morte” quando parte da estação! Ali estão algumas pessoas muito importantes em um dos mais luxuosos trens da História (a direção de arte foi muito cuidadosa e exata na elaboração dos interiores dos carros e das cabines); ali estão os anos 1930 e a reconstrução da Europa no entre-guerras; e, acima de tudo, há no filme uma lufada nostálgica que a valsa assume em dois pontos, tanto diegeticamente, quanto para o próprio espectador, que diante daquele tema, é transportado no tempo, convidado para aquela aventura que, apesar de todo o luxo e beleza, se tornará palco de um assassinato muito bem arquitetado.
É apenas a partir dos interrogatórios que o filme vai desacelerando o passo e isto não é totalmente culpa do roteiro de Paul Dehn. Todo o miolo do livro é bastante arrastado e certamente veio do original esse lado menos interessante da obra. Por mais incríveis que sejam as interpretações, o espectador espera a mesma fluidez e linha de acontecimentos do início, mas isso não acontece. Também depõe contra a obra a diminuição de alguns pontos importantes do livro, como a revelação do botão ou da arma do crime, que aparecem na história de maneira quase sem importância, entregues com um olhar bastante irônico pela Sra. Hubbard.
Momentos antes da revelação de Poirot, que pede que todos os passageiros sejam reunidos, a trama volta aos eixos (bom, pelo menos a maior parte do tempo: a rememoração das pistas ao longo da resolução, com os flashbacks e cortes abruptos entre passado e presente são as únicas coisas verdadeiramente ruins do filme) e então temos o espetáculo de Albert Finney e a despedida. Em entrevistas, Lumet disse que não queria terminar o longa apenas com a retirada do detetive do caso. Ele via que a relação entre os personagens era muito forte e que a última sequência havia tocado a todos, portanto era preciso algo a mais para terminar. Pensando nisso foi que ele se aproveitou da atmosfera teatral que todo o desenvolvimento da história sugere e propôs um brinde, dando a oportunidade para que público veja as faces de todos os personagens pela última vez, como uma despedida e agradecimento final, antes de as cortinas descerem. Ou os créditos rolarem.
Bastante fiel ao livro, até em sua parte menos interessante, Assassinato no Expresso Oriente criou um precedente que nenhum produtor ou diretor irá querer quebrar em adaptações futuras da obra para o cinema, que é a característica estelar para composição do elenco. A obra é divertida e captura com bastante eficiência o tom do romance de Agatha Christie, uma das poucas adaptações para as telonas da obra da autora a conseguir isso. Um clássico por excelência.
10/08/23
O Franco-Atirador, The Gunman, 2015, Pierre Morel
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Sinopse: Depois de uma longa carreira como matador de aluguel, Martin Terrier pretende se aposentar e passar o resto da vida ao lado de sua amada. Mas quando ele descobre que está sendo traído por pessoas de sua confiança, começa uma viagem por toda Europa para acertar as contas com cada homem que tentou trapaceá-lo.
11/08/23
Homicídio, Homicide, 1991, David Mamet
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Crítica por / Eduardo Kaneco, 4 agosto, 2018
David Mamet é muito respeitado como dramaturgo e roteirista, e quando assume a direção produz filme magníficos como sua estreia “O Jogo de Emoções” (1987). Seu terceiro trabalho nessa função, “Homicídio”, demonstra sua genialidade como escritor, sempre trazendo tramas elaboradas, e sua competência como diretor. Além disso, por trás do enredo policial, Mamet desenvolve um enigmático arco psicológico do protagonista.
A trama
Bobby e seu amigo Tim – interpretados por Joe Mantegna e William H. Macy, dois atores que Mamet dirigiu com frequência – são policiais da divisão de homicídios encarregados de prender um traficante de drogas. Porém, quando Bobby interfere em um pequeno caso de morte em um roubo a um mercadinho de rua, ele é destituído do caso do traficante para investigar esse assassinato, a contragosto.
Como o filho da dona da loja, vítima do assalto, é influente e rico, ele consegue que Bobby se encarregue do caso. Sua preferência por ele se baseia no fato de ele ser judeu, como sua família. Porém, Bobby não liga muito para sua religião, e não aceita tão facilmente a alegação da família de que esse crime se trata de um caso de extermínio de judeus. Logo, suas investigações o levam a um grupo sionista secreto, enquanto é criticado por não manter as suas tradições.
Nova Hollywood
Sob certo aspecto, Mamet parece influenciado pelos roteiros da Nova Hollywood. Afinal, o teor de “Homicídio” é amargo, e a desesperança estampada no rosto de Bobby no final nos relembra a época do final dos anos 1960 até meados dos anos 1970, quando o sonho hippie tinha dado lugar às guerras onipresentes na televisão. Por isso, nada é preto no branco, nem mesmo a ameaça de um neonazismo que o grupo judeu combate com um ato terrorista. Para isso, usam Bobby, que pensa que dessa forma recuperará uma identificação com suas origens. No entanto, descobre que, antes disso, ele precisaria ser aceito pelo grupo.
Assim, o combate sionista, utilizando meios abomináveis, é um espelho da Guerra do Vietnã e de outras que os EUA participam com fins questionáveis. Não à toa, a dona da loja assassinada também negociava armas. Para piorar, Bobby, ao buscar essa redenção, acaba por virar as costas para Tim, que no filme é sua única ligação verdadeira.
Dúbio
De fato, o filme a toda hora trabalha com a dubiedade, um reflexo do caráter debilitado de Bobby. Nesse sentido, o policial não se nega a ludibriar a mãe do traficante para que ela revele seu paradeiro. Depois, ainda usa esse fato como uma traição da mãe, quando enfrenta o criminoso cara a cara. Mesmo oficialmente afastado desse caso, Bobby continua a trabalhar nele, à revelia, deixando de cumprir suas responsabilidades no caso em que deve investigar.
Até mesmo a conclusão do filme é incerta. Não temos certeza se o crime da loja realmente se trata somente de um assalto. Na verdade, esta é a conclusão que o delegado assume diante da frágil prova testemunhal de dois meninos. Porém, talvez tenha sido um extermínio de judeu que o grupo sionista resolveu acobertar.
Enfim, a única certeza que temos é que Bobby termina o filme questionando a si mesmo. Provavelmente, ele está em uma situação pior do que no início da estória. Mas, pelo menos, consciente de que possuía essa lacuna a preencher. Durante a estória, o protagonista foi obrigado a se questionar sobre quem ele realmente é. No entanto, no final ele ainda continua em dúvida.
13/08/23
O Espião Submarino, The Spy in Black, 1939, Michael Powell
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Adaptação de um romance de J. Storer Clouston. Durante a Primeira Guerra Mundial, um capitão da marinha alemã é enviado como espião em uma missão no norte da Escócia. Lá, ele conhece e se envolve com a professora local, que guarda um importante segredo.
17/08/23
O Xerife do Queixo Quebrado, The Sheriff of Fractured Jaw, 1958, Raoul Walsh
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Mestre Walsh e os apuros do xerife Kenneth More
Por Luiz Carlos Merten, 19/02/2009
Sua carreira sozinha oferece um resumo de Hollywood. Raoul Walsh dirigiu os maiores astros, trabalhou em todos os grandes estúdios (e até em alguns pequenos) e fez filmes que contemplam a totalidade, ou quase, dos gêneros. Apesar de sua preferência pelo western, fez também comédias, melodramas, filmes de gângsteres e de guerra. Ao longo de mais de 40 anos, Walsh só não incursionou pela ficção científica - mas sua versão de O Ladrão de Bagdá, de 1924, é considerada um marco do cinema fantástico, com o lendário Douglas Fairbanks. Em 1958/59, no ocaso de sua carreira, ele dirigiu dois filmes que desconcertaram os críticos - o western cômico O Xerife do Queixo Quebrado e o épico bíblico Esther e o Rei, filmado em Cinecittà, onde o diretor também foi, a seguir, o produtor-executivo de Quando Setembro Vier, comédia romântica de Robert Mulligan, com Rock Hudson e Gina Lollobrigida. É bom falar de um diretor tão importante, mesmo que não seja por meio de um de seus melhores filmes. As obras-primas de Walsh são O Intrépido General Custer, Golpe de Misericórdia, Fúria Sanguinária, Um Punhado de Bravos e Barba Negra. Mesmo ?menor?, O Xerife (Fox Classics, R$ 19,90) tem seu encanto. O título do lançamento em DVD está mais próximo do original The Sheriff of Fractured Jaw do que Apuros de Um Xerife, como foi lançado nos cinemas brasileiros. Kenneth More, comediante inglês hoje esquecido, mas muito popular na época, faz o gentleman britânico que vai parar no Velho Oeste. A princípio deslocado no meio hostil, ele se revela bom de mira, assume a estrela de xerife e coloca a cidadezinha nos eixos. Nos anos 30, Walsh já dirigira Mae West em A Sereia do Alasca. Aqui, ele dirige Jayne Mansfield, loira surgida nas pegadas de Marilyn Monroe e que era chamada de ?O Busto? pelos seios mais volumosos do cinema. Groucho Marx dizia que ele era a única mulher capaz de tomar uma ducha sem molhar os pés. A fleuma do xerife e a vulgaridade assumida de Jayne rendem momentos ótimos.
25/08/23
Cangaço Novo, Série de TV, 2023, Aly Muritiba & Fábio Mendonça
CANGAÇO NOVO - Herança da herança | Crítica - Saldo Final
CANGAÇO NOVO: testemunhem minha empolgação! (Comentários SEM spoilers!)
Entrevista exclusiva com ALY MURITIBA, um dos diretores de CANGAÇO NOVO
Entrevista exclusiva com ELENCO de CANGAÇO NOVO: Alice Carvalho, Allan Souza Lima e Thainá Duarte!
Entrevista exclusiva sobre a FOTOGRAFIA e a DIREÇÃO DE ARTE de CANGAÇO NOVO!
A MONTAGEM de Cangaço Novo - conversa EXCLUSIVA com os quatro montadores!
Entrevista exclusiva com os ROTEIRISTAS de CANGAÇO NOVO!
Entrevista exclusiva com FÁBIO MENDONÇA, um dos diretores de CANGAÇO NOVO
A SAGA DE VALDETÁRIO CARNEIRO, O INVENTOR DO "NOVO CANGAÇO" QUE ATERRORIZOU O NORDESTE
28/08/23
A Mãe, Mat, 1926, Vsevolod Pudovkin
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Crítica | A Mãe (1926) por Guilherme Rodrigues, 21 de janeiro de 2021
Os grandes filmes soviéticos relacionados a atos revolucionários geralmente evitam se focar em indivíduos, se apoiando em imagens de ações coletivas para contar a sua história, como A Greve e Outubro, de Eisenstein. O motivo para isso é evidente, já que a base ideológica dos filmes conta justamente com o poder da união entre os trabalhadores para conquistar seus objetivos. Nesse sentido, a obra de Vsevolod Pudovkin A Mãe se destaca dos trabalhos da época por focar na jornada de uma só pessoa, a titular mãe, mas sem perder o foco no coletivo.
O longa, baseado no livro de mesmo nome escrito por Maxim Górki de 1906, conta a história de uma família em conflito. O pai (Aleksandr Chistyakov) é um homem violento e beberrão, mais aliado aos interesses patronais do que aos trabalhadores, e o filho, Pavel (Nikolai Batalov), com ideais comunistas, frequentemente entra em atrito com o seu progenitor, especialmente quando este ameaça ser violento com a mãe (Vera Baranovskaya). A matriarca, presa entre duas figuras tão contrastantes, vive dividida e abatida. Isso tudo se soma a difícil condição da família, que vive em um casebre sem muito conforto.
A situação piora quando o conflito ideológico entre pai e filho tem um clímax trágico. Após o pai aceitar o trabalho de suprimir uma greve, ele é morto por um dos manifestantes, que é um conhecido de Pavel. Acreditando estar fazendo a coisa certa, a mãe entrega seu próprio filho às autoridades, mas logo percebe o quanto o sistema é manipulado para favorecer as elites, enquanto pouco resta aos trabalhadores, e passa a se tornar uma militante.
Ao dar ênfase em pessoas em específicas, Pudovkin consegue trabalhar e dar espaço para as atuações, que encontram grande sinergia com sua encenação. A mãe, por exemplo, é frequentemente vista com olhar abatido, cansado, e por vezes à beira das lágrimas, e sua situação difícil é potencializada pelo modo como é filmada: quase sempre de cima pra baixo, em cenários vazios, isolada. Mesmo quando ela se encontra num lugar com outras pessoas, Pudovkin faz questão de isolá-la, enfatizando seu suplício solitário.
Como disse previamente, mesmo se tratando de uma história sobre indivíduos, Pudovkin consegue dar um teor universal à história, especialmente na cena do julgamento. A imagem de uma estátua do Czar paira sobre a cena, nos relembrando do contexto maior da situação, que não se trata somente de uma pessoa sendo julgada: é o peso de toda uma classe sobre a outra.
Em A Mãe, o diretor coloca em cena suas ideias sobre montagem, na época inovadoras, de que o close não significava uma interrupção da cena. Isso é demonstrado com grande efeito, visto que o close up é frequentemente usado para denotar os sentimentos em cena. Um conflito entre duas pessoa é marcado por planos fechados nos rostos, a raiva de um homem pelo seu punho fechado, a indiferença de outro pelo como como seus dedos se mexem.
Conforme a protagonista se alia mais e mais a sua luta de classe, o modo como ela é representada também muda. Menos olhares abatidos, mais expressões serenas, e durante a manifestação ao final do filme, é genuinamente emocionante vê-la ao lado de outras pessoas, depois de tanto tempo sozinha. A grande imagem final do longa, como não poderia deixar de ser, é um close em seu rosto contra o céu, que mesmo com lágrimas, é forte, com a bandeira vermelha firmemente ao seu lado. Não é a toa que essa é a imagem mais famosa do filme, visto que durante toda sua narrativa ele foi construído para que esse momento seja merecido e impactante.
A Mãe (Mat, 11 de outubro de 1926)
Direção: Vsevolod Pudovkin
Roteiro: Nathan Zarkhi, Maxim Gorky (livro)
Elenco: Vera Baranovskaya, Nikolai Batalov, Aleksandr Chistyakov, Ivan Koval-Samborsky, Anna Zemtsova Duração: 89 minutos
02/09/23
O Enforcado, The Hanged Man, 1974, Michael Caffey
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O frio e impiedoso James Devlin (Steve Forrest) é um pistoleiro corajoso e cínico que, após sobreviver a seu próprio enforcamento, decide usar sua habilidade no manejo das armas para ajudar Carrie Gault (Sharon Acker), uma jovem viúva amargurada que está sendo ameaçada por Lew Halleck (Cameron Mitchell), um latifundiário que quer suas terras. Durante os arrepiantes tiroteios um confronto final tenso e empolgante entre James e Lew é inevitável. Filmow
03/09/23
O Dia da Coruja, Il giorno della civetta, 1968, Damiano Damiani
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Sinopse: O assassinato de um empreiteiro em plena luz do dia mobiliza a polícia siciliana. Capitão Bellodi, do norte da Itália, é designado a investigar o caso, que vai além do simples homicídio e traz a morte para qualquer pessoa que pense em denunciar os criminosos. O relato de um informante infiltrado na máfia o leva até importantes nomes da Sicília que, por mais que estejam inegavelmente ligados a atos ilícitos, permanecem livres pela relações influentes que conservam e pelo respeito às suas leis, impostas pelo medo.
04/09/23
Morituri, 1965, Bernhard Wicki
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Crítica / por Por Sérgio Vaz
Morituri, de 1965, é um daqueles casos de bons filmes que não tiveram o reconhecimento que merecem. Foi um fracasso de público e crítica na época do lançamento. Vi o filme quando ele chegou aos cinemas brasileiros, em 1966, e guardei dele, se não muito da trama, ao menos uma boa impressão. O Telecine Cult o trouxe para a programação agora, e revê-lo foi uma ótima experiência.
É um ótimo filme de guerra; tem ação, suspense – mas o ritmo, o clima, é mais de espionagem, inteligência e contra-inteligência. A trama é especialmente bem engendrada, bem costurada, os vários personagens são bem construídos – em especial os dois principais, interpretados por Marlon Brando e Yul Brynner.
Mais que apenas um filme de guerra e de ações de inteligência e contra-inteligência, é um bom estudo de personalidades, de caráter, como bem definiu a Mary.
Tem características fascinantes. Produção americana sobre a Segunda Guerra Mundial, portanto sobre o enfrentamento americanos, ingleses, russos e aliados contra alemães, feita exatos 20 anos após o fim do conflito, baseia-se em um livro do alemão Werner Joerg Luedecke, é dirigido pelo alemão Bernhard Wicki (1919-2000), e tanto o americano Marlon Brando quanto o russo de nascimento Yul Brynner fazem papel de alemães.
Enfrentam-se o tempo todo, os personagens dos dois atores centrais, dentro de um gigantesco cargueiro que leva preciosíssimo material da Ásia para a Alemanha – e foram, os dois, vítimas de chantagem para estarem naquele lugar, naquele momento.
O capitão Muller é forçado a levar uma carga preciosa para os nazistas
A primeira sequência do filme se passa – conforme indica um letreiro logo após o final dos breves crédito iniciais – no Japão, em 1942. Mais especificamente, na embaixada da Alemanha em Tóquio. O capitão Muller, da marinha mercante alemã (o papel de Yul Brynner), entra furioso na sala do almirante Wendell (Oscar Beregi Jr.) – que o espectador pode perceber rapidamente que é a maior autoridade da Marinha de Guerra nazista no Japão.
O capitão Muller veio reclamar, furibundo, que, na tripulação do seu navio, o cargueiro Ingo, haviam colocados criminosos – dois assassinos, alguns ladrões. E também um subversivo, acrescenta o almirante Wendell. E explica: é exatamente para que esses criminosos sejam levados para a Alemanha, onde serão julgados por seus crimes.
O capitão Muller continua esbravejando, dizendo que com aquela tripulação ele não fará a viagem do Japão até Bordeaux, na França ocupada pelos alemães.
O cargueiro levará da Ásia para a França e de lá para a Alemanha nada menos que 7 mil toneladas de borracha em estado cru – o suficiente, conforme será dito em outro diálogo, para fazer pneus para todos os veículos alemães em uso na guerra. Terá que atravessar boa parte do Pacífico, passar pelo extremo Sul da América do Sul e depois navegar por todo o Oceano Atlântico – expondo-se, portanto, aos ataques dos aliados. Uma tarefa duríssima, perigosíssima. Por isso é que os nazistas contam com o capitão Muller, um comandante veterano, experimentado, o melhor que poderia haver.
Muller continua dizendo que não vai – e aí o almirante Wendell expõe a chantagem. Tudo bem, Muller pode se recusar – mas com isso ele estará estragando completamente a carreira de seu filho, jovem capitão da Marinha de Guerra.
Corta, e passamos para Calcutá, na Índia, onde haverá uma outra chantagem.
Um alemão não nazista, perito em explosivos, é forçado a trabalhar para os aliados
Na segunda sequência de Morituri, o coronel Stratter, do exército britânico (interpretado, em uma participação especial, pelo grande Trevor Howard) está contando para um sujeito muito rico chamado Robert Crain, um portador de passaporte suíço vivendo há 3 anos na Índia (o papel de um Marlon Brando com os cabelos tingidos de louro), exatamente sobre o carregamento do cargueiro Ingo – as 7 mil toneladas de borracha.
A conversa se dá ao som de Mozart, na casa imensa, milionária de Crain, dando para a maravilha de um amplo rio, o Hooghly. O coronel Stratter explica a importância daquela carga – e como é de fundamental importância que as 7 mil toneladas de borracha não cheguem à Alemanha, e, muito ao contrário, caiam nas mãos dos aliados. Isso encurtaria a guerra em ao menos alguns meses e, assim, salvaria milhares e milhares de vidas.
E, com calma, mas também com firmeza, conta para Robert Crain que sabe que ele na verdade não é suíço – é um cidadão alemão, chamado Schroeder, oficial de reserva de batalhão de engenharia do Exército alemão que, ao ser convocado para servir, conseguiu fugir para a Suíça, arranjar documentos falsos e mudar-se para a Índia levando boa parte de sua fortuna.
E o militar britânico continua a explicar seu plano:
Um engenheiro alemão perito em explosivos poderia embarcar no cargueiro Ingo ainda no Japão, fazendo-se passar por um oficial da SS, o serviço secreto nazista. Lá dentro, poderia desativar os explosivos colocados pelos alemães para explodir o navio caso ele viesse a ser tomado por embarcações aliadas. (Os alemães prefeririam que o navio e as 7 mil toneladas de borracha fossem parar no fundo do oceano do que entregar para o inimigo aquela carga preciosa.) E, em algum ponto da viagem, já com os explosivos desativados, o cargueiro alemão poderia ser interceptado por um comboio americano.
Seu segredo revelado, Schroeder-Crain ainda tenta protestar, dizer que não aceita.
E não há como não pensar que Marlon Brando foi muito bem escolhido para o papel. Aquele Schroeder depois Crain e mais tarde Herr Keil é um sujeito rico demais, metido, afetado, pomposo, antipático – um personagem que parece ter sido inventado para Marlon Brando. Serve a ele como uma luva.
O alemão: “Slatter, você é um bastardo frio”. O inglês: – “Nasci numa ilha gelada”.
Falou-se muito, no que se escreveu sobre o filme, que esse Schroeder-Crain-Herr Keil é um pacifista. Na verdade, ele é um hedonista, pura e simplesmente – um sujeito que se dedica a gozar as coisas boas da vida. É pacifista? Ah, até é, porque guerra não chega a ser uma coisa propriamente muito prazerosa. Mas, em primeiro lugar, antes de mais nada, é um hedonista.
Não é nazista, de jeito algum – fugiu do país ao ser convocado para servir de fato no Exército. Mas também não quer se empenhar na luta contra os nazistas – lutar dá trabalho. De uma certa maneira, esse personagem de Marlon Brando em Morituri se parece com o Ricky Blaine de Humphrey Bogart em Casablanca, o filme fetiche de gerações e gerações, lançado em 1942, exatamente o ano em que se passa a ação deste aqui.
Schroeder-Crain é neutro, porque neutro não tem que entrar em briga.
E então, na sua mansão com vista para o grande rio que passa por Calcutá, Schroeder-Crain em breve Herr Keil da SS diz, com aquela voz absolutamente única de Marlon Brando:
– “Coronel Statter, além dos aspectos suicidas do plano, não acredito na guerra como solução de conflitos políticos. O que as guerras provam? Homens, mulheres e crianças são dizimados. Uma geração mais tarde, amigos tornam-se inimigos e vice-versa, e esse ciclo idiota recomeça. Aprecio seu nobre esforço para salvar milhares de vidas, mas perdõe-me por me preocupar com a minha vida.”
O coronel Statter passa então – como pouco antes no filme havia passado o almirante nazista Wendell – para a chantagem pura e simples: bem, ele pode se recusar. Mas nesse caso ele seria levado para a Inglaterra e em seguida lançado tudo de pára-quedas de um avião da RAF sobre território alemão. Diante da chantagem clara, o alemão diz: – “Slatter, você é um bastardo frio”. Ao que o inglês responde: – “Nasci numa ilha gelada”.
Um navio carregando uma imensa quantidade de conflitos e de morituri
A inteligência britânica provê a Schroeder-Crain todo um material falso para ser Herr Keil, da SS. E, quando o filme – que dura 123 minutos – está aí com uns 20, Herr Keil está embarcando no grande cargueiro Ingo como um passageiro de volta à Alemanha. Só que um passageiro colocado à última hora no navio com a insígnia da SS no paletó não parece a ninguém apenas um passageiro.
O capitão Muller, que não é, de forma algum, um nazista, evidentemente entende que aquele sujeito da SS está ali no seu navio para observá-lo, para espiar todos os seus movimentos. Um espião.
O subversivo, preso político, anti-nazista que está sendo levado de volta para a Alemanha para ser condenado à morte, este vai querer, durante a longa viagem através de dois oceanos, ter o prazer de matar um oficial da SS – embora o oficial da SS não seja oficial da SS, não seja sequer nazista. Tem o apelido de Donkeyman, esse subversivo (o papel de Hans Christian Blech), e terá parte importante na trama.
Já o primeiro oficial, o segundo na cadeia de comando do grande cargueiro, Kruse (Martin Benrath), esse, sim, é um nazista de carteirinha, literalmente. É um sujeito que odeia seu superior, o capitão Muller – até por saber que ele não é membro ou admirador do Partido Nacional-Socialista. E vai se encantar com o fato de ter no navio um oficial da SS.
O grande cargueiro Ingo sai do Japão para uma viagem de vários meses rumo à Europa carregando 7 mil toneladas de preciosa borracha e uma quantidade infinita de conflitos prestes a explodir – inclusive um falso oficial da SS que na verdade está, contra sua vontade, a serviço dos aliados, tentando desmontar os explosivos colocados para afundar o navio caso haja o risco de ser tomado pelos inimigos. Um gigantesco navio carregando uma imensa quantidade de morituri. E de conflitos sem fim entre eles.
Disseram que o título esquisito ajudou o filme a ser um fracasso
Pois é, morituri. Houve quem atribuísse ao título pelo menos parte do gigantesco fracasso do filme nas bilheterias.
De uma maneira geral, o público americano – é o que se dizia, o que se entendia, e a rigor é o que se diz e se entende até hoje – não é muito afeito a palavras que não compreende. Filmes com legendas nunca fazem grande sucesso no mercado americano, o maior do mundo. O americano médio (é o que o se diz) é monoglota. O que não é inglês é esquisito, bárbaro, incompreensível. Em diversos bons filmes americanos, personagens referem-se à língua que se fala noMéxico como Mexican. Imagine se americano comum, médio, vai saber que no vizinho México se fala uma língua que na verdade vem da Espanha – isso seria pedir demais. (Se fosse explicar que a rigor vem não da Espanha, mas de Castela, Castilla, em castelhano, aí seria de fundir a cuca.)
O filme até que tenta. Traz a explicação logo após os créditos iniciais: “Morituri te salutant era a forma com que os gladiadores saudavam César, na Roma de 2 mil anos atrás. Ave, César, os que vão morrer vos saúdam.”
Morituri: aqueles que vão morrer.
O filme chegou a ser relançado com o esquisitérrimo título de The Saboteur, Code Name Morituri.
A fotografia do filme é impressionante, soberba
Leonard Maltin deu apenas 2.5 estrelas em 4, e fez uma sinopse no mínimo inexata: “Brando é o maior nome do grande elenco em estudo de alemães anti-nazistas que ajudam os britânicos a capturar um navio cargueiro. O elenco e a fotografia de Conrad Hall são as únicas qualidades; o roteiro degenera.”
Para Maltin, o filme é The Saboteur, Code Name Morituri. E ele encerra sua sinopse assim: “originalmente lançado como Morituri”.
O autor dos guias de filmes mais vendidos do mundo, na época em que se vendiam guias de filmes, está certíssimo quando elogia a fotografia de Conrad Hall (1926-2003, 3 Oscars, fora outras 7 indicações ao prêmio da Academia).
É um brilho.
É preto-e-branco, claro, como ainda se faziam muitos dos filmes, mesmo os americanos de grandes estúdios, em 1965. E é um estupor. A câmara de Conrad Hall faz zooms para perto e zooms para longe de deixar tontos de prazer os cinéfilos. Pega personagens e depois se distancia deles, para mostrar o grande navio sozinho de tudo no meio do mar imenso, e, ao contrário, pega do plano mais geral possível para se aproximar e se aproximar e se aproximar que dá para o espectador mais curioso ficar imaginando como foi, afinal de contas, que aquelas sequências foram feitas, que tipo de truque, ou de conjunção de truques, foi usado para obter aquele efeito.
Eu jamais me preocupo em saber como se obteve tal ou tal efeito. Gosto de ver o que passa na tela – e gosto quando o que passa na tela é belo. Os zooms in e os zooms out de Morituri são belos como os de Titanic. Mas é preciso lembrar que Morituri é de 1965, décadas antes das imagens geradas por computador e do desenvolvimento de tantas novas técnicas de filmagem.
Um livro critica o filme por ser “uma série de equações morais”
O Guide des Films de Jean Tulard faz a seguinte apreciação: “Boa direção, mas o roteiro não evita um estereótipo sequer, e os atores exageram no cabotinismo.”
O livro The Films of 20th Century Fox diz o seguinte: “Marlon Brando fez de novo um alemão atormentado espiritualmente, mas com muito menos sucesso do que em The Young Lions.”
The Young Lions, no Brasil Os Deuses Vencidos, é um filme de guerra de 1958, dirigido por Edward Dmytryk, com Marlon Brando, Montgomery Clift e Dean Martin, baseado no romance caudaloso de Irwin Shaw. Um belo filme, pelo que eu me lembro – mas era adolescente quando o vi, quase uma outra encadernação. (Jornalista não reencarna – reencaderna.)
“Aqui ele é um espião a serviço dos britânicos, viajando num cargueiro do Japão para a Alemanha (é para Bordeaux, e isso é isso é dito várias vezes, mas tudo bem – o destino final da carga é a Alemanha) e lutando para entregar o navio para o inimigo. A viagem vira uma série de equações morais envolvendo nazismo ou não-nazismo e tensão entre as várias facções, com o capitão finalmente… (E aqui o livro faz um spoiler que omito.) Morituri é admirável no conceito, mas monótono na execução, e veio a ser um dos filmes de Brando de menor sucesso.”
Cada cabeça uma sentença. Acho que uma das qualidades do filme é ser uma série de equações morais.
O IMDb conta que Marlon Brando inicialmente se recusou a participar das entrevistas para divulgação do filme. A Fox ameaçou processá-lo, argumentando que aquilo constava do contrato. Em uma entrevista coletiva, Brando disse o seguinte: “Você não terá condições de continuar a viver a não ser que veja Morituri”. A Fox o dispensou das entrevistas seguintes. O cara era mais enjoado que gato de hotel. Mas era um grande ator – fazer o quê?
Anotação em janeiro de 2018
04/09/23
Os Piratas de Capri, I pirati di Capri, 1949, Edgar G. Ulmer & Giuseppe Maria Scotese
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EL BAILE DE LAS MÁSCARAS, lunes, 2 de noviembre de 2009
No fue desde luego su proyecto más anhelado. Ni siquiera creo que quisiese rodarla o tal vez sólo aplicó honradamente su oficio a sabiendas de que su destino estaba escrito desde siempre.
Edgar G. Ulmer - al parecer checo, aunque dicen que se autoproclamaba vienés – rodó “I pirati di Capri” (“The pirates of Capri”, pero es más italiana) en 1949, con pocas esperanzas ya de convertirse en el reconocido gran director que siempre quiso ser, aquel que tan felices se las prometía en 1929 cuando se reunió con Billy Wilder, Fred Zinnemann, los hermanos Siodmak y Eugen Schüfftan para la excelente “Menschen am Sonntag”. Los años felices.
Cuando llegó a Hollywood sus credenciales eran inmejorables. Había aprendido con Max Reinhardt, colaborado con Lang en “Metropolis” o “Die nibelungen”, con Murnau en cuatro películas, con Wiene en el “Caligari” con Wegener en “Der golem” y hasta con Lubitsch, aunque algunos de estos trabajos, que yo sepa, siguen permaneciendo "uncredited". La historia del cine, sin embargo lo ha acabado prácticamente asimilando al (no tan entusiastamente inoperante como la película de Tim Burton reflejó) Ed Wood y parece que los cuatro seguidores que deben quedarle en este mundo deban pedir perdón por admirarle.
“I pirati di Capri”, filmada en un interludio de su largo viaje por Europa en busca de financiación y de la que no creo que quisiese acordarse en sus últimos días (su vuelta a USA, donde su vitola de director barato de la productora PRC le acompañaba a todas partes, certificaba el fracaso de esa última gran oportunidad) es una prueba fehaciente de su talento, hasta si en algún sentido involuntario; malgastado, pensaría él.
Ulmer se había pasado toda la década de los cuarenta persiguiendo su sueño y demostrando mucha más versatilidad de lo que pudiera haberse esperado de su cine; con obras ambiciosas como la extraña "Carnegie Hall", misterios que prefiguran toda la serie "The Twilight Zone" como la fascinante "Strange illusion", melodramas como "The strange woman" o "Her sister´s secret", dramas muy negros, casi irreales, como "Detour", "Ruthless" o "Bluebeard", todas por lo menos notables y mucho más vistas y estudiadas por las generaciones de realizadores venideras de lo que él hubiese soñado jamás. Y todo ello sin contar las futuras obras maestras de la década posterior: "The naked dawn" y "Murder is my beat" y varias interesantes hasta el final de su carrera en los 60.
Es fácil encariñarse con "I pirati di Capri" aún sin conocer la personalidad de su creador. Dentro del género de películas de (con) piratas, una gran explosión de color en la memoria, que contrasta con su blanco y negro, brillan las características más especiales de su cine: su inteligente puesta en escena, su sentido del ritmo y su intuición para los detalles. Cuando todos aquellos compañeros de generación habían prácticamente “superado” la influencia del expresionismo, unos por haber evolucionado a otra cosa muy distinta, otros simplemente por haberse americanizado (algo muy poco peyorativo, como se puede suponer), Ulmer seguía fiel a sus maestros y estaba nuevamente empeñado en que su película no pasase inadvertida, preparando cada plano con el cuidado y la luz adecuada para que todo el fotograma resultase significativo, deslumbrante, reivindicando la grandeza del blanco y negro (no rodó en color hasta 1952, casi tan tardío como Ophüls y más que Renoir).
Esta obsesión por no ser vulgar, uno más del montón, no se traduce en un puro exceso y por eso resulta tan interesante. Ulmer quería dejar su huella pero era demasiado devoto del cine como para interrumpir un film para hacerlo notar y aprovechaba los resquicios; ese arte de la coyuntura y no del vil pretexto. Este personaje del Capitán Sirocco que se hace pasar por el afectado Conde Amalfi para infiltrarse en palacio y utilizar la información para liderar una revolución no es utilizado por Ulmer para desplegar todos los tópicos del género y demostrar que él también podía calzar los zapatos de Walsh, DeMille, Hathaway o Curtiz.
“I pirati di Capri”, que en ningún momento parece hecho con pocos medios, es un vibrante film de capa y espada, una intriga política y una película sobre la representación, sobre el juego de los disfraces y las mentiras, en la que los personajes no son lo que dicen ser e interpretan (por conveniencia, por escapismo, por cobardía) un papel. No hay aquí abordajes ni tabernas en acantilados ni mapas de tesoros ni ninguno de los elementos que perfectamente podrían haber sido integrados en la puesta en escena a pesar de la localización geográfica de la historia, pero hay un intenso aroma, aunque venga de estancias cerradas y castillos laberínticos a Emma Orczy, Sabatini, Gautier o Salgari.
Las escenas finales, con la (excelente, mejor que otras mucho más renombradas) partitura de Nino Rota atronando, son espectaculares.
05/09/23
Onoda - 10 Mil Noites na Selva, Onoda, 10 000 nuits dans la jungle, 2021, Arthur Harari
Kanji Tsuda, 1965 (305 créditos)
Hiroo Onoda
Onoda – 10 Mil Noites na Selva, Esfera de Coprosperidade
Por João Lanari Bo, Festival de Cannes 2021
“Onoda – 10 Mil Noites na Selva”, do francês Arthur Harari, explora um mito aparentemente desgastado: o da exclusão individual da civilização, de preferência numa ilha deserta, estilo Robinson Crusoé. O famoso personagem foi criado por Daniel Defoe em 1719, numa fictícia autobiografia de um náufrago que passou 28 anos em uma remota ilha no Caribe. O livro foi originalmente publicado na forma de folhetim no The Daily Post, jornal que circulou no século 17 na Inglaterra. No final do século 19, nenhum livro tinha mais reimpressões e traduções do que Robinson Crusoé: cerca de 700 versões, incluindo edições infantis sem texto, apenas com imagens. Um enredo romântico com tintas colonialistas, diriam os céticos: o fato é que os ingleses ocuparam meio mundo a partir do século 17, construindo o império “onde o sol nunca se põe”. Não existia, é claro, o GPS: mas a sensação era de que não havia quadrante no globo em que a mão visível dos britânicos não pudesse alcançar. O livro, portanto, pode ser lido como uma alegoria do movimento de expansão do capital colonizador inglês, que enxergava o planeta como uma permanente possibilidade de investimento e lucro. Robinson Crusoé estava isolado da civilização, mas sua aventura era passível de ser imaginada e consumida. Pois os tempos passaram, e em fins do século 19 uma nova potência de fortes ambições colonialistas surge no horizonte: o Japão imperial, que logo passou a mirar o imenso continente asiático como objeto de desejo, como um “bloco de nações asiáticas autossuficiente, (a ser) liderado pelos japoneses e livre das potências ocidentais” – conhecida como Esfera de Coprosperidade da Grande Ásia Oriental, a ideia era promover uma nova ordem internacional para os países asiáticos, os quais compartilhariam paz e prosperidade, livres da dominação das potências europeias e Estados Unidos. Uma tal ambição, mesmo que a guerra tenha acabado em 1945, parece sobreviver de alguma forma e ter necessidade também de construir seus mitos: o soldado Hiroo Onoda seria, portanto, uma atualização do personagem Robinson Crusoé, isolado na selva e sobrevivente em meio às intempéries, no contexto dos derradeiros e agonizantes momentos da Guerra do Pacífico, como os japoneses denominam a Segunda Guerra Mundial no teatro asiático.
Essa é a narrativa subjacente de “Onoda – 10 Mil Noites na Selva”. Onoda, portador de um heroísmo involuntário, foi treinado para infiltrar-se nos territórios em vias de serem perdidos diante dos avanços dos norte-americanos. Apesar de obviamente inexequível, uma tal iniciativa pode ser entendida no âmbito da irracionalidade que afetou as decisões militares japonesas às vésperas da estrondosa derrota que se anunciava. Se os kamikazes foram a face mais dramática dessa irracionalidade, a missão de Onoda – que era expressamente proibido de tirar a própria vida – surge como alternativa tática que visava estabelecer uma resistência na base da guerrilha. O treinamento de Onoda, supõe-se, foi nessa direção. Se isso poderia funcionar é outra questão – com a distância histórica é fácil classificar de opção delirante. Sua intransigência em aceitar o fim da guerra agregou, certamente, um atrativo a mais na construção mítica: o cineasta Werner Herzog foi um dos que se deixou seduzir pelo personagem e sua saga. Os 29 anos que Onoda passou na selva filipina, na ilha de Lubang, configuram, na ótica romântica, um mergulho na psique humana em condições limítrofes de sobrevivência. Herzog escreveu um pequeno livro romantizando Onoda, depois de entrevista-lo: em compensação, o turista japonês que estabeleceu contato com o fugitivo em 1974 foi na direção oposta. O título mesmo do livro que escreveu – Herói de Fantasia – desmistifica o suposto heroísmo do soldado, muito mais próximo do remanescente militarismo japonês do que uma sublimação de coragem e destemor. A recepção de Onoda em sua volta ao Japão, aliás, nunca foi unânime: foi considerado como vítima, mas também como memória de um passado militar-expansionista alucinado e trágico. Onoda – que morou no Brasil criando gado no Mato Grosso do Sul, entre 1975 e 1984 – tornou-se um signo histórico ambivalente e controverso, apropriado sobretudo pelos extremistas nostálgicos do Japão imperial como se fora um herói mítico e atemporal.
O buraco é mais embaixo, diz a sabedoria popular. No Japão subsistem forças políticas que, embora minoritárias, ainda sonham com o imperialismo xenófobo e expansionista. Onoda passou os anos na ilha de Lubang saqueando e matando, camponeses e policiais, em nome de uma fantasia anacrônica extraída da ideologia nipônica da primeira metade do século 20. Seriam pelo menos 30 mortes, muitas de violência extrema, não explicitadas no filme. As Filipinas, país-arquipélago com mais de 7 mil ilhas, clima quente, úmido e tropical, 100 milhões e pouco de habitantes – tem uma longa história de sofrimento e exploração de potências colonizadoras, Espanha, Japão e Estados Unidos. “Onoda – 10 Mil Noites na Selva” é mais uma etapa dessa epopeia.