Desde a primeira cena de Uma Mulher em Guerra já é possível entender e sentir fascínio pelo tom que o filme emana. Em um amplo campo da Islândia, vemos uma mulher vestida e munida como se estivesse pronta para uma batalha de vida ou morte, preparando mais um "ataque" às linhas de energia de sua cidade em forma de protesto contra a indústria de alumínio. Para Halla (Halldóra Geirharðsdóttir), o ativismo deve ser visto, literalmente, como algo sobre vida ou morte. A busca por justiça é visível em seu olhar e no modo como se porta quando está sozinha no campo, longe dos olhos daqueles que não entendem sua luta ou ideais. É desta forma que a personagem é apresentada para o público: livre e selvagem, exatamente o oposto do que é edificado com o passar da narrativa.
Desde a trilha sonora, que literalmente participa das cenas na forma de três músicos que interagem com Halla e quebram a quarta parede, até a passagem por diversos estilos (comédia, drama e uma parcela de musical), Uma Mulher em Guerra é um filme completo, e a melhor parte é que ele não aparenta querer atingir tal crédito. Por soar o mais natural possível dentro de suas situações apresentadas, algumas mais inusitadas que outras, a diversão é inevitável. E a aproximação com a protagonista é mais ainda.
A guerra solitária que Halla trava com a indústria local acaba tomando proporções enormes e, mesmo com os riscos iminentes, ela ainda não desiste de fazer o que acredita. Mas mesmo sob o codinome de "Mulher da Montanha" nas horas vagas, ela continua a trabalhar durante o dia como professora de música, atuando como mais uma cidadã comum da cidade islandesa. Ninguém parece notar o espírito ativista de Halla, mas tendo em vista quais pôsteres estão pendurados na sala de estar (estampando Mandela e Gandhi), não é como se ela estivesse o escondendo do mundo.
O forte tema do ativismo ambiental se une a um desejo pessoal de Halla, que é o de adotar. Em meio aos desafios relacionados à sua missão de ajudar o mundo, ela finalmente vê outro caminho de ajudar a sociedade: dando lar a uma criança que necessita. O roteiro apresenta este lado mais "comum" de Halla após conhecermos sua rebeldia, e a nuance dentro de sua personalidade é como se fosse o impulso final para que esta personagem se torne ainda mais forte. Quando se abre a explicação de que Halla está no fim de uma longa lista de espera de adoção, temos uma mulher em guerra de um lado e uma mulher em busca de paz do outro. Tal constraste a humaniza mais e serve como uma casca, que vai sendo retirada aos poucos.
Não há nenhuma indicação no início, mas Uma Mulher em Guerra é um filme de muito coração. A jornada de Halla vai ao encontro com a possibilidade de ganhar pessoas nas quais pode confiar, no senso de família e no dever de cuidar do nosso planeta. É, também, um lembrete sobre conflitos humanos e naturais e do quanto eles podem reagir negativamente. A mudança climática é só um dos ganchos da trama e entrega críticas com relação ao que estamos fazendo aqui. Tais críticas vão em direção à posição jornalística com relação ao meio ambiente e, por fim, chegam ao papel da adoção e de como ela pode ampliar nossa visão do mundo.
Halla começa como heroína, passa por mártir, "vilã" e finaliza como alguém muito humana. É emocionante e ao mesmo tempo cruel acompanhar o trajeto de alguém que tem tanto a dizer e tenta fazer o possível para mudar a realidade do próximo. A intensa cena final de Uma Mulher em Guerra traz uma parcela da paz que Halla tanto procurou, assim como uma parcela de calamidade que ela tanto avisou por meio de seus atos. Nem tudo está em suas mãos, mas a protagonista está disposta a agarrar o máximo que puder. (
Pouco após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, os moradores de um pequeno povoado localizado no sertão brasileiro, chamado Bacurau, descobrem que a comunidade não consta mais em qualquer mapa. Aos poucos, percebem algo estranho na região: enquanto drones passeiam pelos céus, estrangeiros chegam à cidade pela primeira vez. Quando carros se tornam vítimas de tiros e cadáveres começam a aparecer, Teresa (Bárbara Colen), Domingas (Sônia Braga), Acácio (Thomas Aquino), Plínio (Wilson Rabelo), Lunga (Silvero Pereira) e outros habitantes chegam à conclusão de que estão sendo atacados. Falta identificar o inimigo e criar coletivamente um meio de defesa.
Em tempo: IMPERDÍVEL
05/09/2019
Parasita (Gisaengchung) 2019, Joon-ho Bong
Afinal, quem, nos arranjos de nossa sociedade, é o parasita de quem?
Toda a família de Ki-taek está desempregada, vivendo num porão sujo e apertado. Uma obra do acaso faz com que o filho adolescente da família comece a dar aulas de inglês à garota de uma família rica. Fascinados com a vida luxuosa destas pessoas, pai, mãe, filho e filha bolam um plano para se infiltrarem também na família burguesa, um a um. No entanto, os segredos e mentiras necessários à ascensão social custarão caro a todos. (
Plano Crítico)
Em tempo: o melhor filme que vi em 2019
06/09/2019
Para a encenação do apocalipse, Jim Jarmusch, o autor, declara-se morto numa das lápides do cemitério. Depois, convoca um conjunto impressivo de caras conhecidas para a matança final, como carne para canhão: Bill Murray, Tom Waits, Adam Driver, Chloë Sevigny, Steve Buscemi, RZA, Tilda Swinton, Danny Glover, Larry Fessenden, Rosie Perez ou Selena Gomez, muitos deles colaboradores regulares do realizador. O palco é Centerville, uma pequena cidade do interior, onde todos os habitantes se conhecem e comentam as novidades do quotidiano numa das cafetarias locais. Um dos clientes habituais, Farmer Miller (Steve Buscemi), usa um boné com a inscrição “Make America White Again”, uma referência à extrema direita norte-americana que se inspira no slogan “Make America Great Again” popularizado por Donald Trump.
O xerife Cliff Robertson (Bill Murray) e o ajudante Ronnie Peterson (Adam Driver) investigam o desaparecimento de uma galinha pertencente a Farmer Miller, que acusou o eremita Hermit Bob (Tom Waits) pela ocorrência, quando os relógios e os telemóveis deixam de funcionar, os animais de estimação desaparecem ou têm comportamentos agressivos e a noite tarda a cair. Na televisão, uma jornalista (Rosie Perez) anuncia a alteração na rotação da Terra provocada pelo fracturamento hidráulico nas zonas dos Polos. Quando, finalmente, anoitece, dois mortos (Iggy Pop, Sara Driver) emergem da terra no cemitério e dirigem-se à cafetaria para esventrar e degustar as vísceras de dois corpos, terminando com uma boa dose de café, que engolem com satisfação.
Em tempo: um Jarmusch afiadíssimo
09/09/2019
O impacto que as inovações narrativas
Entre as palavras que podem ser usadas para definir O Gabinete Do Dr. Caligari (1920), “pioneiro” talvez seja a mais acertada. Dirigido por Robert Wiene, o filme se tornou o principal marco do Expressionismo Alemão, com seu visual único influenciando outras grandes obras que o sucederam neste período, como Nosferatu (1922) e Metrópolis (1927). O projeto também trouxe recursos narrativos inéditos para o cinema, que continuam a ser utilizados atualmente, como a reviravolta final, o narrador não confiável e a história-moldura. É impossível para o espectador de hoje imaginar o impacto que as inovações narrativas e principalmente estéticas do filme tiveram na época, mas O Gabinete do Dr. Caligari envelheceu muito bem, e ainda guarda muito de sua magia. (
Plano Crítico)
Iremar (Juliano Cazarré) é um vaqueiro de curral que viaja pelo Nordeste, ao lado de Galega (Maeve Jinkings) e a pequena Geise (Samya de Lavor). Por onde passa Iremar recolhe revistas, panos e restos de manequins, já que seu grande sonho é largar tudo para iniciar uma carreira como estilista no Pólo de Confecções do Agreste.
“Um consenso entre a imprensa especializada é que no Brasil falta aquele tipo de produção considerado como “filme médio”, ou seja, a obra que não tem pretensões de ser o novo “Glauber Rocha”, nem se trata de uma comédia televisiva caça-níquel. Pois com a profissionalização do mercado nacional, aos poucos essa realidade tem se alterado – embora ainda sem o merecido reflexo nas bilheterias. Casa Grande (2014) e Que Horas Ela Volta? (2015) são exemplos recentes dessa safra, na qual se colhe também o ótimo Boi Neon. Com um pé no cinema de arte (o que se confirma, por exemplo, nos clipes impactantes da mulher que dança vestindo uma cabeça de cavalo – e que, sim, têm relação com a dramaturgia do filme), a nova produção de Gabriel Mascaro (Ventos de Agosto) - que assina também o roteiro - passa por um cinema, ao mesmo tempo, de fácil assimilação pelo grande público” (
AdoroCinema)
05/10/2019
Little Woods, 2018, Nia DaCosta
Ollie (Tessa Thompson) costumava contrabandear remédios através da fronteira canadense, mas seus dias de ação criminosa ficaram para trás e ela está prestes a conseguir um emprego que lhe dará a oportunidade de deixar a cidadezinha de interior de Little Woods, na Dakota do Norte. Isto é, até que sua mãe morre e ela e sua problemática irmã, Deb (Lily James), são deixadas com a enorme dívida da hipoteca da casa para pagar.
Em tempo: O cinema independente com a garra de sempre
31/11/2019
Paraiso perdido, 2018, Monique Gardenberg
Paraíso Perdido é um clube noturno gerenciado por José (Erasmo Carlos) e movimentado por apresentações musicais de seus herdeiros. O policial Odair (Lee Taylor) se aproxima da família ao ser contratado para fazer a segurança do jovem talento Ímã (Jaloo), neto de José e alvo frequente de homofóbicos, e aos poucos o laço entre o agente e o clã de artistas românticos vai se revelando mais e mais forte - com nós surpreendentes.
“Sem lançar filmes desde Ó, Paí Ó, Monique Gardenberg retorna com uma obra caprichada que conjuga as reflexões sobre passado e comunidade exploradas em seus principais longas e o notório talento no comando de performances musicais. Diretora de shows e DVDs de nomes como Caetano Veloso, Marina Lima, Roberto Carlos e Ana Carolina, a cineasta conta história(s) cujo núcleo é uma casa noturna comandada por figura vivida por ninguém mais, ninguém menos que Erasmo Carlos, o Tremendão, Como o classudo cinema apresentado aqui por Monique, o espaço chamado Paraíso Perdido não parece ter semelhantes facilmente encontráveis no mundo real. O povoam diferentes gerações de um clã sentimental, unidas contra homofobia, violência doméstica e racismo. São defensores do ,, adeptos do diálogo e estrelas de shows diários que têm como repertório músicas “rasga coração” que só tias assumem que adoravam, perfeitas para destruir o clima alegre de qualquer karaokê.” (
AdoroCinema)
Em tempo: surpreendente
04/01/2020
'Coringa' mostra crueldade do homem de gostar de rir dos outros
Filme que mostra a passagem de psicótico a psicopata de um jovem numa cidade decadente nos anos 1980
O horror não está no horror —repetia Júlio Bressane nos anos 1970, no Brasil. O horror não está no horror— parece insistir Todd Phillips em seu “Coringa”. Ali ele nos fala da origem do mais célebre e temível inimigo de Batman, como se sabe.
Mais do que isso, porém, é da passagem de psicótico a psicopata de um jovem que vive na Gotham City (ou Nova York) de 1981, ano de “Um Tiro na Noite”, mas também da tomada do poder por Ronald Reagan.
É uma cidade suja, infestada por ratos, tomada por despossuídos, habitantes de rua e prédios sujos. Lembra até certos filmes de John Carpenter. Mas lembra, mais do que tudo, que Reagan foi o instaurador da política neoliberal nos Estados Unidos. Quisesse ou não, foi essa a política econômica que tem propiciado o crescimento abissal das desigualdades sociais no mundo.
Não por acaso, pouco depois de o filme começar sabemos que o serviço social onde o jovem Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), o futuro Coringa, trata de seus problemas mentais teve a verba cortada. Vai-se assim a terapia e, junto, os remédios que recebia gratuitamente.
Resta-lhe cuidar da mãe, exercer sua profissão de palhaço (do tipo que atrai pessoas para lojas, visita hospitais etc.), ver televisão e sonhar em se tornar astro de comédia stand-up e apresentador de talk shows.
É então que entra em cena outro elemento-chave do filme: a televisão (o primeiro, claro, sãos as HQs). Ali trabalha Thomas Wayne, um dos mestres do talk show. Aquele que veio de baixo e teve oportunidade de subir, de chegar ao sucesso. Aquele que, de passagem, não hesita em humilhar os “freaks”, os desajustados como Arthur Fleck. Ok, as piadas de Arthur não fazem rir, mas fazem com que riam dele.
Dá audiência, faz a fortuna dos Thomas Wayne (pai do futuro Batman, para os distraídos) ou Murray Franklin (outro rei dos talk shows).
Ok, eles não são os únicos culpados. Nem Ronald Reagan. Nem só a doença que faz o futuro Coringa rir nos momentos mais inconvenientes. Há também uma crueldade inerente ao homem: gostamos de rir dos outros. Então ou fazemos os outros rirem, ou os outros rirem de nós.
Será que na visão de Todd Phillips não somos uma espécie perversa? Ou que a televisão seja uma parte central dessa perversidade? (A TV está no centro de tudo neste filme). Ou que a tendência à ganância a qualquer preço esteja dentro de uma tendência natural ou, pelo menos, de uma decadência civilizatória?
Pode-se ver as coisas assim. Elas não estariam tão longe do olhar de um Tim Burton (autor de vários filmes de Batman já feitos). O certo é que os fãs de Batman nunca mais poderão olhar o Coringa com os mesmos olhos. Junto com a imagem do incompreensível, insuportável vilão de outros filmes, veremos também a de um jovem triste, torturado, sem pai conhecido. Em suma, revoltado. E é impossível não compreender sua revolta.
Uma palavra sobre Todd Phillips, que fez carreira sobretudo em comédias sarcásticas, em especial a muito bem-sucedida “Se Beber Não Case” (a primeira), onde manejava elementos de absurdo e crueldade com desenvoltura. Mas é aqui que, aparentemente, obteve a independência para fazer um trabalho pessoal.
Por fim, “Coringa” não seria o mesmo sem Joaquin Phoenix. Seu Arthur Fleck parece ter se inspirado em Antonin Artaud (1896-1948 ), no Artaud do fim da vida, pós-hospício, o de “Artaud le Momo”, dessa máscara que ri, faz rir, zomba e geme ao mesmo tempo.
Pode ser que não, mas quem quiser fazer um filme sobre Artaud já sabe onde encontrar o ator. É um gênio, também.
07/01/2020
Lola Montes, 1955, Max Ophuls
A história de Lola Montès (Martine Carol), dançarina e cortesã célebre por seus romances escandalosos com figuras públicas, como o compositor Franz Liszt e o Rei Ludwig I da Baviera.
"Lola Montès", de Max Ophuls, é uma obra-prima!
... Max Ophuls (1902/1957), realizador globetrotter, e de raro brilhantismo e singularidade na história da chamada sétima arte, começa a fazer filmes na Alemanha na década de 30 e depois na Itália, Estados Unidos (onde fez uma obra-prima do intimismo cinematográfico de todos os tempos:Carta de uma desconhecida/Letter from an Unknown Woman, 1948, com Louis Jordan e Joan Fontaine), e França, quando, nos anos 50 realiza três preciosidades de sutileza, de finesse, de delicadeza no trato da alma feminina e na análise do meio social circundante com um apuro estético inexcedível: Conflitos de amor (La ronde, 1950), com Anton Walbrook, Simone Signoret,O prazer (Le plaisir, 1952), com Jean Gabin, Jean Servais, Daniel Gélin (que foi amante de Danusa Leão nesta época), Danielle Derrieux, Desejos proibidos (Madame de..., 1953), com Danielle Derrieux, Charles Boyer, e Vittorio De Sica.
Tomo emprestadas as palavras de Claude Beylie, ilustre ensaísta cinematográfico francês para situar melhor a importância de Lola Montès. Antes, porém, lembrar que François Truffaut, uma vez, escreveu o seguinte: "Quem nunca viu Lola Montès não pode entender de cinema". Mas vamos às palavras de Beylie: "Hoje, que as paixões se aplacaram, devemos reter Lola Montès. Antes de mais nada, uma rigorosa denúncia do sensacionalismo espetacular e da promoção da mídia. Ophuls que, a este respeito, estava vários passos à frente de sua época, ocultava suas intenções: "As perguntas que o público do circo faz a Lola me foram inspiradas pelos jogos radiofônicos de programas publicitários tremendamente impudicos. Acho apavorante esse vício de tudo saber, essa falta de respeito diante do mistério." No entanto, ao mesmo tempo e paradoxalmente, ele realiza o desejo wagneriano de um espetáculo total: o tratamento original da cor (na tradição de Jean Renoir e Vincente Minnelli), o uso de caches, que permitem modificar à vontade o formato da imagem em cinemascope (o que cria a impressão de uma tela variável, submetida a sutis mudanças de cenário na mesma tomada..."Além da já citada assombrosa agilidade da câmera. Ostravellings e as panorâmicas de Ophuls são, por assim dizer, coisa do outro mundo. É bem de ver o que disse Beylie: a cor é trabalhada com tal intensidade que se ajusta como uma luva ao tecido dramático, tornando-se um elemento de composição importante da mise-en-scène... (
Setaros Blog)
09/01/2020
O leopardo, 1963, Luchino Visconti
1860, Sicília. Durante o período do "Risorgimento", o conturbado processo de unificação italiana, o príncipe Don Fabrizio Salina (Burt Lancaster) testemunha a decadência da nobreza e a ascensão da burguesia. Num cenário caótico de fortes contradições políticas, ele luta para manter seus valores.
O Leopardo (1963): opulência e ruína, jogo de forças entre a nostalgia do passado e a mola propulsora que dirige o presente ao futuro. Bailes aristocráticos, quadros valorosos, tapeçarias cuidadosas, bustos estatuários, cômodos intermináveis, a grandeza, o encanto visual; em paralelo, o pó, a melancolia, o vagar paralítico, a indefinição, o tédio, a morbidez, a iminência do fim.
A obra-prima de Luchino Visconti é esse mosaico de sensações, faz conviver elementos tensionados sem nunca os resolver completamente, sempre respeitando a complexidade do que não se unifica.
Os amantes da obra do diretor italiano já conhecem bem as intersecções de sua arte com sua vida. Sabe-se que Visconti nasceu em berço de ouro e vem de família aristocrática; que sua maturação foi embebida pelas belas artes; que o menino Visconti assistia, maravilhado, às festas magníficas que seus pais proporcionavam à elite italiana; e que, indo ao ponto mais importante, este compósito de vivências viria a engendrar, no artificioso diretor, temáticas recorrentes e obsedantes: o peso da História (assim, com agá maiúsculo), os rituais característicos de certas classes sociais, o medo do fim, o arruinamento das vidas...(
Plano Crítico)
Depois de oito longas-metragens, Quentin Tarantino possui plena consciência da fama que construiu para si, e sabe exatamente o que os fãs esperam dele. O diretor tem contribuído a alimentar a imagem de ícone do cinema B, grande conhecedor de terror, ação, policial e exploitation, exímio coordenador de cenas de ação, com um humor autoparódico e desmesurado. Espera-se de Tarantino que carregue as tintas nos tiros e explosões, nas referências à cultura pop, na condução voluntariamente gratuita da violência. No entanto, em seus últimos filmes, o cineasta tem privilegiado a vertente de “grande autor”, substituindo aos poucos o prazer do sangue pela maestria dos diálogos e da mise en scène.
Os Oito Odiados trabalhava, durante aproximadamente uma hora de filme, a apresentação dos personagens, sua origem e suas motivações, à medida que se deslocavam pela neve. Esta apresentação, espécie de antessala ao conflito que desencadearia a ação principal, tem ocupado um espaço cada vez maior na filmografia do diretor. Ele prefere deixar em segundo plano as reviravoltas espetaculares para privilegiar a criação de personagens, brincando com estas figuras como quem brinca de bonecos dispostos em situações desconexas, pelo simples prazer do jogo. A abordagem lúdica resulta na estrutura surpreendente de Era uma Vez... em Hollywood, projeto de três horas de duração que passa mais de duas horas introduzindo personagens e deslocando-os livremente pelo mundo do cinema... (
AdoroCinema)
Em tempo: um Tarantino menor.
13/01/2020
A caminho de casa, os jovens irmãos Abdallah e Mohammed encontram-se no deserto com uma mula carregada que vagueia desorientada com fones de ouvido. Os dois decidem trazer a carga para a aldeia. Mas eles têm planos diferentes para o uso desta descoberta.
Em tempo: uma graça este curta metragem candidato ao Oscar 2020
17/01/2020
Uma tela quadrada (ou próxima disso, em formato 1.19:1). Uma fotografia em preto e branco, extremamente contrastada, com textura antiga, suja. Personagens que caminham em silêncio e, em determinado momento, param e encaram diretamente para o espectador. O início de The Lighthouse evoca o cinema soviético do início dos anos XX e os recursos de linguagem do cinema mudo. O diretor Robert Eggers continua buscando nos símbolos do passado o material para ilustrar os medos contemporâneos. Após A Bruxa, constrói uma fábula sobre isolamento e loucura, sobre a monstruosidade real ou imaginária – sua versão pessoal de “A Volta do Parafuso”.
Logo, os dois homens falam, até demais. Thomas Wake (Willem Dafoe) corresponde ao imaginário do capitão bêbado e agressivo, exceto pelo fato de que se tranca dentro do farol, à noite, completamente nu, e emite alguns gemidos de prazer. Ephraim Winslow (Robert Pattinson) é anunciado como o típico novato explorado pelo chefe, ainda que esconda alguns segredos no passado e ostente um comportamento, digamos, instável. A narrativa está repleta de sugestões de violência e erotismo – nunca sabemos ao certo se os dois homens vão se matar ou fazer sexo um com o outro. Tudo passa pelo corpo, como atesta a quantidade impressionante de brigas, bebedeiras, trabalhos forçados, urina, fezes, sangue, vômito, esperma e flatulência. (
AdoroCinema)