terça-feira, 3 de setembro de 2013

Ruthinéia, nossa Santa da Vida



Saudades da Ruthnéia

Plínio Marcos, Caros Amigos, setembro 1998.

Ruthnéia de Moraes, sem dúvida nenhuma, marcou o teatro brasileiro com sua coragem. Foi ela quem estreou a minha peça Navalha na Carne. Foi uma luta incrível contra a censura. Parada encardida! Não demos arreglo.

Primeiro, a encrenca se deu no prédio da Polícia Federal. Eu me alterei com um censor duro de molejo. Ele berrava, com todas as suas forças, que a minha peça era grosseira, cheia de palavrão. Eu respondia que o figurão não sabia ler peça de teatro e argumentava que o panaca estava encanado. E ele berrava que a peça era só palavrão.

Nisso, passou uma figura de grande gentileza e cultura, o coronel Montserrat. Mansamente, ele quis saber o que se passava. Expliquei pro coronel que minha peça era humanista e exercia uma realidade nua e crua. O censor quis chiar. Porém (sempre tem um, porém) o coronel cortou o papo. Me pediu para acompanha-lo até o general Sílvio Correia de Andrade, que ouviu tudo e decidiu: ele e o Montserat iriam ver o espetáculo naquela noite, com as esposas e a chefe deles também iriam.

Quando Ruthnéia começou a dizer o texto, os militares ficaram comovidos e suas mulheres choraram. A Ruthnéia estava completamente emocionada. No fim, o general me chamou num canto: "Achei sua peça linda. Essa moça, a Ruthnéia, é uma atriz maravilhosa. Agora, ouça: você quer que eu libere a peça agora mesmo e despeça os censores todos ou prefere que eu dê um depoimento de próprio punho?" Escolhi o depoimento do general.

Com o documento em mãos, continuei a luta pela liberação da Navalha. A Cacilda Becker deu força; convidou todos artistas e intelectuais de São Paulo para fazerem a leitura da Navalha na casa dela. Em cena, o trabalho de Jairo Arco e Flecha, dos atores Paulo Vilaça, Edgard Gurgel Aranha e da Ruthnéia. Foi um delírio.

A batalha esquentava. Fomos pro Rio de Janeiro. Tonia Carrero encampou a luta e fizemos outra leitura da Navalha, dessa vez na casa dela. A grande estrela queria fazer a peça. A peça estava com a Ruthnéia. Tonia propôs que ela fizesse no Rio, Ruthnéia em São Paulo. Eu não interferi. A Ruthnéia topou. Nesse momento, a peça estava praticamente liberada: a Tonia foi pra cima do ministro Gama e Silva e não houve mais nenhuma presepada. A Ruthnéia estreou em São Paulo e a Tonia no Rio. Sucesso, sucesso, sucesso!

Agora, que a Vera Artaxo está compilando minha obra teatral, morre Ruthnéia de Moraes. Não deu tempo pra magnífica atriz dar seu depoimento para a jornalista, mas ela terá, com certeza, lugar de honra no livro.

Uma das histórias que a Vera já selecionou é a de uma noite em especial da temporada da Navalha no Auditório Itália, na esquina da Ipiranga com São Luís, em São Paulo. A região era ponto de prostituição, mas Navalha estava lá e o teatro lotava todas as noites, com muitas prostitutas na plateia. Como se diz em circo, a casa andava a três de alto, com gente se agarrando pelos picos pra não espirrar pelo ladrão. Quando acabava o espetáculo, muita gente entrava no camarim pra cumprimentar a Ruthinéia.

Uma noite, depois que todo mundo saiu do camarim, uma mulher se aproximou e, timidamente, ofereceu um crucifixo pra Ruthnéia:

- Olha, eu sei que a senhora é artista. A senhora representa a gente que é da vida. A senhora é a nossa santa. A nossa Santa da Vida.

A mulher saiu, chorando. A Ruthnéia ficou no camarim, chorando, o crucifixo nas mãos.


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Navalha na carne - sinopse

Navalha na carne é a obra mais encenada do dramaturgo Plínio Marcos, ao lado de Dois perdidos numa noite suja. Censurada em 1967, a peça se passa em um sórdido quarto de hotel de quinta classe, onde a prostituta Neusa Sueli, o cafetão Vado e o homossexual Veludo encarnam a existência sub-humana e marginalizada.
Tudo começa quando Vado se dá conta de que o dinheiro do programa de Neusa Sueli, que seria gasto no jogo e na maconha, não foi repassado a ele. A suspeita do roubo cai sobre Veludo, empregado da pensão. A partir daí, o público assiste ao embate entre os três, que traz à tona insatisfações e sentimentos escondidos.
Como o próprio autor costumava dizer: "o texto só se tornou um clássico porque o país não muda". Navalha na carne é uma metáfora da estrutura de poder entre as classes sociais brasileiras, uma vez que as personagens, embora pertençam ao mesmo extrato social, se dedicam a uma incessante disputa para dominar o próximo.


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Ruthinéa de Moraes e Silva nasceu no dia 1 de junho da 1930 no Rio de Janeiro e faleceu no dia 24 de julho de 1998 em São Paulo aos 68 anos.

Adotou o nome artístico de Ruthinéia de Moraes, nasceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 1 de junho de 1930. Depois de estudar balé durante sua infância, mudou-se para São Paulo, em 1958, onde formou-se na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (EAD/USP).

No mesmo ano estreia como atriz na montagem de dois textos de Eugéne Ionesco, "A Lição" e "A Cantora Careca", com direção de Luís de Lima. Em seguida, faz, ao lado de Sergio Cardoso, "Nu com Violino", de Noel Coward, na Companhia Nydia Licia-Sergio Cardoso. De volta à companhia de Maria Della Costa, em 1959, faz parte do elenco de "Gimba", de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de Flávio Rangel. Com a companhia passa uma temporada em Portugal, atuando nas peças de repertório: "Society em Baby Doll", de Hugo Pongetti, com direção de Milton Moraes; "Moral em Concordata", de Abílio Pereira de Almeida, e "A Alma Boa de Set-Suan", de Bertolt Brecht, ambas com direção do Flaminio Bollini.

Ao voltar para São Paulo, em 1960, entra no Teatro de Arena, e atua em "Revolução na América do Sul", de Augusto Boal, direção de José Renato. No mesmo ano, participa de "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto, com direção de Walmor Chagas, no Núcleo Experimental do Teatro Cacilda Becker, TCB. Ainda em 1960, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), integra as montagens de "A Semente", de Gianfrancesco Guarnieri. Em 1961, ainda no TBC, faz "A Escada", de Jorge Andrade, e "Almas Mortas", de Nikolai Gogol, e, no ano seguinte, "A Morte de um Caixeiro Viajante", de Arthur Miller, direções de Flávio Rangel. Em 1963, atua em "Os Ossos do Barão", de Jorge Andrade, sob a direção de Maurice Vaneau.

Em 1965, na companhia de Ruth Escobar, integra as montagens de "Soraia Posto 2", de Pedro Bloch, ganhando os prêmios Governador do Estado de São Paulo e Associação Paulista de Críticos Teatrais, APCT, de melhor atriz, e "Os Trinta Milhões do Americano", de Eugene Labiche, em 1966, ambas direções de Jô Soares.

Ao mesmo tempo, também faz parte do elenco do Teatro Popular do Sesi, em "A Sapateira Prodigiosa", de Federico Garcia Lorca, em 1965 e, no ano seguinte, em "O Avarento", de Molière, as duas encenações de Osmar Rodrigues Cruz.

Em 1967, faz seu grande papel no teatro: a prostituta Neusa Suely, na primeira montagem de "Navalha na Carne", de Plínio Marcos, com direção de Jairo Arco e Flexa, que lhe rendeu o Prêmio Molière de Melhor Atriz do ano. No mesmo ano, volta ao palco com novo texto de Plínio Marcos, "Homens de Papel", também direção de Jairo Arco e Flexa, ao lado de Maria Della Costa.

Em 1968, faz outro papel de peso, protagonizando "Cordélia Brasil", de Antônio Bivar, com direção de Emilio Di Biasi. Dois anos depois, retorna ao Teatro Popular do Sesi, onde, dirigida por Osmar Rodrigues Cruz, faz "Memórias de um Sargento de Milícias", de Joaquim Manuel de Macedo, "Senhora", de José de Alencar, em 1971, e "Um Grito de Liberdade", de Sérgio Viotti, em 1972, pelo qual recebe o Prêmio Governador do Estado de São Paulo de melhor atriz.

Seu último grande papel, foi em 1973, quando, ao lado de Yolanda Cardoso, fez "A Dama de Copas e o Rei de Cuba", de Timochenco Wehbi, com direção de Odavlas Petti. A partir daí, integra produções irregulares, algumas de valor artístico, como "As Avestruzes", de Micheline Bourday, direção de Irene Ravache, em 1979, e "Vejo Um Vulto na Janela, Me Acudam Que Sou Donzela", de Leilah Assumpção, no mesmo ano.

Na década de 80, participa das montagens "Campeões do Mundo", de Dias Gomes, com direção de Antônio Mercado, "Moço em Estado de Sítio", de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Aderbal Freire-Filho, em 1982. Em 1998 retorna ao teatro na peça "Laços Eternos"

Na televisão, participa de mais de 70 novelas, sendo que seu papel de maior sucesso foi em Vitória Bonelli, em 1973, na TV Tupi.

No cinema, foi dirigida por cineastas importantes como Carlos Manga, Roberto Palmari, Jean Garret, Fauzi Mansur, Eduardo Escorel, João Batista de Andrade, Roberto Santos e Chico Botelho. Com Denoy de Oliveira rodou três filmes, sendo que o cineasta foi o responsável por sua volta às telas em 1997, depois de 10 anos afastada, em "A Grande Noitada", seu último filme.

http://www.spescoladeteatro.org.br/enciclopedia/index.php/Ruthin%C3%A9ia_de_Moraes 2/9/2013



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Plinio Marcos de Barros nasceu no dia 29 de setembro de 1935 em Santos e morreu no dia 29 de novembro de 1999 em São Paulo aos 64 anos.

Li a biografia de Plinio Marcos (Bendito Maldito, Oswaldo Mendes, LeYa, 2009) e recomendo. Para conhecer mais, além das peças, vejam suas entrevistas e depoimentos no youtube. Vale a pena.