sexta-feira, 26 de julho de 2013

Violência em alta

 

Um dado escabroso: em 2011, no Brasil, o total de óbitos registrados por causas externas foi de 145.842. Destes óbitos morreram 53.285 devido a homicídios e 44.481 devido a acidentes de transporte. Um total de 97.766 pessoas. Quase a população de Guarapari que tem cerca de 105 mil habitantes. No Brasil morre, por causas externas, uma Guarapari por ano.


Os dados acima são do DataSus e IBGE publicados em O Globo de 21 de julho de 2013.




 

Em 30 de dezembro de 2011 publiquei neste blog um texto intitulado "Violência no Espírito Santo. Até quando?". É uma reprodução de um editorial do jornal virtual ESHOJE com dados sobre o Mapa da Violência 2012 do Instituto Sangari. Por este estudo o estado do Espírito Santo teve 50,1 homicídios por 100 mil habitantes em 2010. Pelos dados do DataSus e IBGE, no Espírito Santo, houve 47,6 mortes por agressões para cada 100 mil habitantes em 2011. Neste ano o ES continua vice-líder neste quesito. Perde apenas para Alagoas com 72,3 mortes por 100 mil habitantes. Lembramos que em 2010, no Brasil, esta taxa foi de 27,4.

 

Comparando com outros países, observe a taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes:

  Taxa de homicídios entre jovens Colocação (homicídios entre jovens) Taxa total de homicídios totais Colocação (homicídios totais)
Ano

El Salvador

112,3


62,4


2009

Ilhas Virgens

104


40


2007

Trinidad e Tobago

82,4


46,1


2008

Venezuela

80,4


36,4
        6º
2007

Colômbia

70,5


45


2009

Guatemala

59,2


38,7


2008

Brasil

54,7


27,4


2010

Panamá

51


23,7

10º

2009

Puerto Rico

45,7


19,3

13º

2007

Bahamas

38,1

10º

24,9


2008

Belize

36,6

11º

27,3


2009

México

28,1

12º

22,1

11º

2010

Equador

22,3

13º

15,7

15º

2010

Barbados

19

14º

17,3

14º

2008

Guiana

18,4

15º

15,6

16º

2008

África do Sul

16,9

16º

10,4

21º

2009

Dominica

15,2

17º

22

12º

2010

Paraguai

13,5

18º

10,6

20º

2009

Costa Rica

13

19º

9,2

23º

2009

Filipinas

11,8

20º

13

18º

2008

EUA

10,9

21º

5,3

34º

2010

São Vicente e Granadinas

10,8

22º

12,5

19º

2010

Iraque

10,7

23º

9,4

22º

2008

Noruega

10,5

24º

2,4

44º

2011

Chile

9,4

25º

5,4

33º

2009

Rússia

8,8

26º

13,3

17º

2010

Argentina

7,7

27º

4,4

39º

2010

Nicarágua

7,5

28º

6,3

26º

2010

Uruguai

7,2

29º

5,2

35º

2009
Santa Lúcia
6,9

30º

2,5

43º

2008
Cazaquistão
6,8

31º

8,6

24º

2010
Cuba
5,3

32º

4,5

38º

2010
Bielorrússia
4,2

33º

6,1

28º

2009
Quirguistão
3,8

34º

6,2

27º

2010
Jordânia
3,6

35º

2,3

45º

2009
Canadá
3,5

36º

1,7

53º

2009
Luxemburgo
3,4

37º

0,4

84º

2011
Ucrânia
3,3

38º

5,6

31º

2011
Estônia
3,1

39º

4,8

37º

2011
Irlanda do Norte
3,1

40º

1,5

57º

2010
Suriname
3

41º

6,7

25º

2009
República da Moldávia
3

42º

5,5

32º

2011
Escócia
2,6

43º

1,6

55º

2010
Nova Zelândia
2,6

44º

2

49º

2009
Israel
2,3

45º

2,2

46º

2010
Peru
2

46º

1,7

54º

2007
Lituânia
1,7

47º

5,2

36º

2010
Finlândia
1,7

48º

1,9

51º

2011
Dinamarca
1,5

49º

0,8

73º

2011
Irlanda
1,4

50º

0,9

69º

2010
Bélgica
1,3

51º

1,3

58º

2009
Suíça
1,3

52º

2,9

42º

2010
Croácia
1,3

53º

1,1

64º

2011
Suécia
1,1

54º

1

67º

2010
Montenegro
1,1

55º

2,1

47º

2009
Holanda
1

56º

0,9

70º

2011
Austrália
0,9

57º

0,9

71º

2011
Bulgária
0,9

58º

1,3

59º

2011
Letônia
0,9

59º

6,1

29º

2010
Romênia
0,9

60º

2

50º

2011
Armênia
0,9

61º

1,3

60º

2011

<http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/os-paises-com-as-maiores-taxas-de-homicidios-no-mundo> em 25/07/2013


Epílogo

Sempre me escandalizo com a inércia das elites governamentais e não governamentais perante este quadro de violência no Espírito Santo.

Nas recentes manifestações de rua o governo do estado assumiu e assume medidas violentas contra a existência do pensamento crítico e do inconformismo. É com a polícia que o governo responde aos anseios das manifestações. É como se a violência contaminada do dia a dia fosse o remédio para curar a inconformidade com o que está acontecendo. É o estado vice-líder em violência na Federação que reage com desmedida violência contra quem quer transformar a realidade.





 
 



 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Onde estão os ex-fascistas?


Todos nós, no mundo intelectual, conhecemos pessoas que foram comunistas e mudaram de idéia. Quantos de nós já encontramos ex-fascistas?
Eric Hobsbawm em "Tempos interessantes", Companhia das Letras, 2002.


Luis Fernando Veríssimo, em o Globo, 21/07/2013

Conversões

Ninguém é mais direitista do que um ex-esquerdista. Talvez porque a desilusão com as promessas nunca realizadas da esquerda se misture com a necessidade do novo direitista de exorcizar seu passado, de se autopunir pela sua ingenuidade.

Para repudiar o que era, o ex-esquerdista precisa arrasar o que era. Como está também arrasando o seu passado, a sua juventude e o tempo que perdeu acreditando em coisas como igualdade, solidariedade e a redenção da humanidade, não admira que sua crítica à esquerda seja tão ácida. Está lamentando a si mesmo, o que só aumenta sua raiva.

O adágio, tão repetido, segundo o qual quem não é de esquerda até uma certa idade não tem coração e quem não é de direita depois não tem cérebro, equipara a migração da esquerda para a direita como uma conquista da sabedoria.

Idealismo, crença em justiça social etc. seriam coisas que iríamos largando pelo caminho rumo à maturidade, junto com outras baboseiras juvenis. Não se tem notícia de uma migração ao contrário, de direitistas que voltam a ser esquerdistas, até como uma forma de recuperar a juventude.

E esquerdistas que continuam esquerdistas apesar de já terem idade para se darem conta do engano são alvos prioritários do escárnio dos convertidos. Ainda têm coração, os inocentes.

Os neoconservadores que levaram a política externa americana a sucessivos desastres nos últimos anos têm este nome porque muitos deles foram trotskistas na juventude. Abandonaram o internacionalismo trotskista e inauguraram o ultranacionalismo do "século americano", e continuam influentes, mesmo sob o governo do Obama.

Os ex-trotskistas odeiam o que foram um dia, e seu conservadorismo ativo é uma forma de expiação. Caso notório de conversão foi a do escritor John dos Passos, ex-comunista e autor de alguns livros memoráveis de crítica social, que acabou seus dias quase como uma caricatura de direitista americano, com bandeira na frente da casa e tudo.

Para quem ainda se considera de esquerda, apesar das desilusões e de um coração combalido, o rancor dos convertidos tem seu lado positivo. Mostra que a esquerda ainda existe, logo chateia. Ou chateia, logo existe.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Vândalos


Em 30/06/2013
Abaixo o vandalismo e vivam os vândalos brasileiros

POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE
 
1968: nota do jornal O Paiz destaca o repórter Bessa Freire em foto do Correio da Manhã



É isso mesmo que você leu. Cada um defende sua tribo. Esse locutor que vos fala já foi chamado de vândalo, sofreu prisão e respondeu processo por danos ao patrimônio público, numa passeata na Rua Uruguaiana, no Rio. Mas isso foi no século passado, em 1968. Acontece que agora muitos manifestantes, que podiam ser meus netos, são presos sob a mesma acusação com ou sem culpa no cartório. Do Oiapoque ao Chuí, a mídia jura que os vândalos tomam contam do país.

"Vândalos provocam destruição em Minas", berra O Globo (27/6) em manchete de oito colunas. "Moradores improvisam 'milícia' contra vândalos no RS" – grita a Folha de S. Paulo (29/6), informando em outro título: "No Rio, 'pitboys' são suspeitos de ataques a concessionárias". Alguns apresentadores de telejornais chegam a encher a boca, saboreando cada letra da palavra.

Afinal, quem são os vândalos? Depende do momento, do lugar e de quem nomeia. Originalmente era uma tribo que falava vândalo, uma língua germânica, e que num conflito armado com o Império Romano saqueou Roma, destruindo muitas obras de arte. Por extensão, no século XVIII, na França, foram assim chamados os revolucionários que na luta contra o feudalismo e a monarquia arrasaram monumentos e prédios públicos. Na Av. Paulista, há quinze dias, vândalo era todo e qualquer manifestante que protestava pacificamente. Hoje, nas capitais brasileiras, são grupos considerados pela polícia como baderneiros.
 
Muito antes disso, Roma havia sido incendiada, mas não pelos vândalos. Durante dias o fogo consumiu a cidade, transformando o Templo de Júpiter num monte de cinzas. Até mesmo os que suspeitavam que o incendiário era o imperador Nero jamais usaram a palavra vândalo para designá-lo.

De Nero aos dias de hoje, ninguém que vandalizou em nome do Estado foi estigmatizado. O presidente George Bush também nunca foi chamado de vândalo, apesar de ter indignado a comunidade internacional quando comandou o saqueio no Iraque e destruiu, entre outros, o Museu de Arqueologia de Bagdá, sacrificando milhares de vidas humanas, inclusive de civis.


Wandali conquisiti
Ou seja, parece que bárbaros – como queria Montaigne – são sempre os outros, os derrotados, porque quem ganha tem o poder de nomear, de batizar, de dar nome aos bois, de classificar e de dizer quem é e quem não é vândalo. E no séc. VIII, os vândalos foram definitivamente derrotados: Wandali conquisiti sunt. Não sobrou nenhum para contar a história. Diz um provérbio da Nigéria: "Enquanto os leões não tiverem seus próprios historiadores, as histórias de caça sempre glorificarão o caçador".

Um caçador de São Paulo, governador Geraldo Alckmin, com aquela cara de babaca (desculpem baixar o nível, mas que ele tem cara de babaca tem) e o prefeito da capital, Fernando Haddad (que não tinha, mas está se esforçando pra ter)  justificaram inicialmente a repressão policial. Naquele momento, para eles, quem protestava contra o aumento do preço da passagem de ônibus era vândalo. As manifestações cresceram, o governo recuou e finalmente reconheceu que nem todo manifestante era vândalo.

No Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral, com cara de Alckmin, declarou que a Polícia Civil havia identificado pelo menos cinco grupos que "vem cometendo atos de vandalismo, lesões corporais e furtos". Na lista, estão "os anarcopunks, os militantes de partidos políticos mais radicais (não mencionou quais), os brigões oriundos de torcidas de futebol, os neonazistas e os bandidos de facções criminosas". Faltou nomear mais dois grupos: a própria polícia que promoveu quebra-quebra e os revoltados, que estão putos da vida.

É o que os franceses chamam de ras-le-bol, ou seja, estar de saco cheio. As pessoas não aguentam mais engarrafamentos infernais, transporte coletivo precário, violência policial, insegurança, hospitais recém-inaugurados que não funcionam ou que desabam como no Ceará, estádios caindo como o Engenhão, obras superfaturadas, serviços de saúde e educação que atentam contra a dignidade humana, justiça lenta, enfim a impunidade dos vândalos de colarinho branco. Desconfiam do governo, do judiciário, do congresso, dos partidos políticos e não consideram as oposições alternativa de poder.

Alguns colunistas, assustados, de um lado com a rejeição aos partidos políticos e de outro com o quebra-quebra, tacharam esses manifestantes de vândalos, neonazistas, radicalóides sociopatas, pitboys de passeata ou, como quer Arnaldo Jabor, "vagabundos, punks e marginais que se aproveitam sabendo que a polícia não pode matar". Não querem entender que as manifestações são sintomas da crise de representatividade na qual está mergulhado o país.

As evidências apontam muita gente boa entre os que inicialmente promoveram o quebra-quebra e que simplesmente estavam emputecidos. Usaram o modelo de linguagem da própria polícia que espalha terror e medo em comunidades carentes, como vem fazendo, no Rio, o Batalhão de Operações Especiais, que quebra, mata, esfola e saqueia.


Fioforum infra
Tem forte carga simbólica o fato de que a violência tenha atingido ônibus, pontos de ônibus, relógios públicos, radares, semáforos e equipamentos de apoio ao tráfego que foram destruídos, assim como alguns monumentos e prédios públicos pichados e depredados. Não se trata de defender o vandalismo, porque quem vai pagar a conta somos todos nós, mas de buscar as razões que levam pessoas a manifestarem assim sua indignação.

No século XIX, condições subumanas de trabalho, jornadas prolongadas, salários miseráveis, levaram trabalhadores ingleses da indústria nascente, entre eles mulheres e crianças, a destruírem máquinas e equipamentos industriais, num movimento que ficou conhecido como ludismo em referência a Ned Ludlam, líder do movimento. Karl Marx, que criticou o quebra-quebra, buscou ver a semente revolucionária que ele continha e que foi canalizado para a reivindicação de reformas sociais e políticas e acabou originando novos métodos de luta, com o fortalecimento dos sindicatos.

Esses movimentos sempre trazem mudanças. As cinco pessoas assassinadas no Morro do Borel é que deram origem, em 2004, à Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, que está convocando agora uma manifestação pacífica neste domingo, durante a final da Copa das Confederações.

- É muito difícil organizar uma manifestação pacífica na rua, no Brasil, porque o Estado é violento", disse à Folha Caio Martins, 19 anos, estudante de Historia da USP, que milita no Movimento Passe Livre (MPL) desde 2011. Ele condenou a polícia que na primeira passeata pacífica lançou uma bomba de efeito moral decepando um dos dedos de uma manifestante.

É evidente que ninguém pode aceitar a destruição do patrimônio ou a agressão às pessoas, sejam elas promovidas pela polícia ou por manifestantes. No entanto, muitas vezes, o aparelho policial busca bode expiatório. Em 1968, num primeiro momento, fui acusado de ter incendiado uma viatura na Rua Uruguaiana. No final, acabaram me processando por haver rasgado a farda de um policial. Nenhuma das acusações era verdadeira.

Quando a Polícia pediu ajuda ao MPL para identificar os vândalos, seus integrantes se recusaram. Poderiam muito bem, reconhecendo que Wandali conquisiti sunt, citar um dos reis vândalos, não sei se Hilderico ou Gunderico: "Fioforum plus infra est", ou como diria Cícero no senado romano:  "O buraco é mais embaixo".

Abaixo o vandalismo!  Vivam os vândalos!


http://terramagazine.terra.com.br/blogdaamazonia/blog/2013/06/30/abaixo-o-vandalismo-e-vivam-os-vandalos-brasileiros/