sábado, 6 de março de 2021

Mulher traída e a virada

Conheço Cátia de há muito. Lá de Bauru, SP, quando ela já estava casada e com dois filhos de um segundo casamento. Reencontramo-nos em São Paulo, por acaso, num boteco no Bexiga. Ela com 61 anos e eu com um a menos.

A conversa, regada a uísque e depois vinho branco no jantar foi longa. Confissão pra lá, confissão pra cá, ela me disse que deu uma de Nora e chutou o balde no casamento em Bauru e se mandou para São Paulo. Nora é a personagem da peça "Casa das Bonecas" de Ibsen. Nora se cansou de ser boneca em família e deixou o marido e filhos para ser mulher e não apenas esposa e mãe.

E porque Cátia chutou o barraco? Descobriu que o marido a traia com uma mulher mais nova. O cafajeste tinha uma namorada. Chega de bandalheira! disse ela. Arrumou as malas, conversou com os filhos e se mandou. Deixou a vida "estável" e foi pro mundo. Em tempo: em Bauru Cátia trabalhava como gerente de um supermercado. Em São Paulo conseguiu um emprego semelhante.

E como sentiu a separação, Cátia? Perguntei. Eu me sentia uma inútil. Achei que tivesse acabado como mulher, que a culpa era minha porque não o satisfazia e ele precisou buscar outras fora. Minha autoestima ficou lá embaixo e eu acreditava que jamais conseguiria me reerguer. Me mudei para São Paulo, procurei uma terapeuta e voltei a trabalhar.

A virada e a vingança

Até o casamento, Cátia tinha um único homem como parceiro sexual. Achava aquilo ótimo e se bastava porque não tinha referências. Não imaginava outra coisa no sexo. Mas, depois da traição e do divórcio a coisa mudou.

Cátia se libertou das amarras e vislumbrou muitas possibilidades. E o diabo fustigou, pro bem e pro mal. Ela fez um plano de vingança: transar com 22 homens, um para cada ano de casada. Sim, o casamento de Cátia durou 22 anos. Para iniciar, criou um perfil no Face book e se apresentou.

A mulher de 61 anos se transformou. No começo tinha insegurança de vestir uma roupa e se preocupava se o homem ia gostar. Com o tempo já vestia uma saia justa sem calcinha e não queria saber se o homem gostava ou não. No começo tinha alguns preconceitos em relação ao sexo. Com o tempo ficou como o diabo gosta. E ela gostou.

Cátia me fez um relato certeiro sobre as "imperfeições do tempo". Num motel ao se ver nua num daqueles espelhos enormes observou a celulite e os seios caídos. No começo ficou envergonhada, mas os caras achavam ela linda. Aí a virada. Cátia pela, primeira vez, começou a gostar do próprio corpo. Ela viu que podia por decote, saia justa e batom com cores fortes. Me achei uma delícia da meia idade, disse Cátia. Meu corpo, minhas regras.

Os 22 casos e os fetiches desvendados

Hoje, eu e Cátia somos amigos. E somos boa companhia de bar. Tem dias que saímos do bar embriagados e tortos de tanta bebida, mas saciados das confissões mútuas. Um dia ela me disse dos casos e fetiches. Resumo aqui alguns.

Prazer: orgasmo é a finalização. O melhor é o prazer durante o sexo. É o que vale. Às vezes, a situação era tão excitante que me segurava para aproveitar mais.

Posições: ficamos de pé no quarto e ele me despiu. Segurou minha cintura e explorou meu corpo. Deitamos e continuamos a nos explorar. Primeiro ele ficou em cima de mim. Depois me coloquei de quatro e transamos loucamente. Gozamos quase ao mesmo tempo. No final ele aplaudiu. Eu, idem. Pelo que acabamos de fazer merecíamos aplausos.

Vibrador: é meu companheiro. Descobri que não preciso de um homem para ter prazer – embora seja melhor com um. Vibrador é meu amante na solidão. Experimentei brinquedos eróticos depois de me separar: no casamento o sexo era uma coisa pra cumprir tabela. Não tinha incentivo, conhecimento, autoconfiança. Eu não investia em fantasia sexual, lingerie etc. Hoje visto até uma calcinha fio dental.

Com homem casado: Às vezes o corpo manda mais que o coração. Eu queria um bom momento e só. Pegava emprestado um pouco, deixava claro que não me interessava namorar e casar. Não faria nada para expor e prejudicar alguém num relacionamento. Não cabia a mim discutir a relação dele com outra pessoa.

Encontros superficiais: não estou preparada para ter um vínculo mais íntimo. Dar o corpo é diferente de dar a alma para alguém. Não queria mergulhar naquela rotina desgastante, na posse etc. Eu fiz boas amizades com alguns deles e isso bastava. Sei lá, não sou uma pedra. Prefiro estar nos limites da razão. Se um dia sair destes limites caio no delírio e aí ferrou. Mas sou humana e não estou imune.

Epílogo

A vida sexual é quase sempre um segredo. Todos conspiram para que seja assim. Até mesmo os melhores amigos e amigas não contam uns aos outros os verdadeiros detalhes de sua vida. Cátia e eu vivemos por um tempo esta exposição de segredos.

Depois dos 22 ela vive sua vida normal, liberada e libertina. Em nossa idade, infelizmente, não é comum esta liberdade e autonomia. Cátia ainda brilha como uma estrela.

 

NB: o redator informa que estas linhas tem como inspiração Isabel Dias, autora do livro “32. Um homem para cada ano que passei com você”, Da Boa Prosa.  

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